Começo esse artigo com um conselho: se você é produtor cultural, captador de recurso, está pensando em ingressar nesse mercado ou lida com planejamento, consultoria ou, de alguma forma, tem envolvimento com patrocínio à cultura, reserve pouco menos de uma hora de seu tempo para ler e ouvir, com um grau de transparência raramente visto em diretores de empresas brasileiras, revelações explícitas do responsável pelo gerenciamento da maior verba de incentivo a projetos culturais do País.
Durante 53 minutos o diretor presidente do Instituto Cultural Vale, Hugo Barreto, escudado pela analista especialista do ICV, Marize Mattos, e a Consultora de Comunicação, Ana Beatriz Mauro, em atendimento ao chamado da Marketing Cultural, discorreu sobre processos, conceitos, critérios, objetivos, falou abertamente sobre eixos de atuação, capacitação do mercado, metabolismos combinando patrocínio, articulação e apoio técnico, numa busca confessa de fazer com que os esforços empregados até aqui sejam mais bem percebidos pela sociedade.
Mas, de todas as revelações expostas com clareza, uma pode ser definida como o resumo da ópera, e foi repetida mais de uma vez para que o recado fique bem claro:
“Nós não somos um cofrinho”.
CHUVA DE MILHÕES – O que desejei saber, entre várias outras coisas, foi porque a verba disponibilizada para chamada pública foi fixada em R$ 25 milhões quando, só no ano passado, a Vale, via Instituto, aplicou quantia superior a R$ 370 milhões em projetos culturais, indicando um “gap” enorme entre escolha pública e escolha direta. A resposta foi uma longa e plausível explanação a respeito.
Esse esclarecimento, e tantos outros que foram feitos durante a entrevista, cresce em importância quando se sabe que a Vale passou, de longe, o que a Petrobras já foi um dia levando-se em conta tão curto espaço de tempo. Sua assessoria informou que, desde sua criação, em 2020, o Instituto Cultural Vale patrocinou mais de 500 projetos culturais em quase todos os Estados brasileiros e no Distrito Federal. Em seu primeiro ano, foram selecionados 145 projetos em 24 estados e no Distrito Federal, entre os quais 77 de escolha direta e 68 pela 1ª Chamada Vale de Patrocínios Culturais. Ao todo, foram investidos R$ 154 milhões com recursos incentivados para execução no ano seguinte.
Em 2021, foram mais 211 projetos apoiados e patrocinados em 160 municípios, sendo 64 selecionados via Chamada Instituto Cultural Vale e 147 via escolha direta, que resultaram no total de R$ 371 milhões aplicados em projetos culturais de todo o país, com execução ao longo de 2022.
Seus quatro espaços culturais – Museu Vale, Memorial Minas Gerais Vale, Centro Cultural Vale Maranhão e Casa da Cultura de Canaã dos Carajás – foram beneficiados com mais 160 projetos nos Estados onde estão inseridos através do Edital Apoia.
Mantém ainda o projeto autoral denominado Programa Vale Música, que é uma rede colaborativa de ensino e aprendizagem entre estudantes de polos musicais em quatro Estados – Pará, Espírito Santo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul – e profissionais das maiores orquestras do país. Ao todo, envolve cerca de 250 profissionais e mais de 1.000 alunos em intercâmbios, aulas e residências artísticas.
São parceiras do Programa Vale Música a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), a Orquestra Ouro Preto, a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) e a Nova Orquestra, patrocinadas por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura.
Durante a conversa, Hugo enfatizou várias vezes que a interação com outros agentes patrocinadores, como o BNDES, por exemplo, Bradesco e outros, é uma marca de sua gestão.
Como exemplo dessa parceria mencionou o Musica Brasilis, projeto que resgatará cinco mil partituras raras e inéditas de compositores brasileiros que ficarão disponíveis para o mundo.
Será a maior coleção gratuita de partituras de música brasileira. Entre elas, todas as obras conhecidas de D. Pedro I e diversos outros compositores da época da independência, como José Maurício Nunes Garcia e Marcos Portugal. Serão incluídas na iniciativa obras do maior compositor brasileiro do século 19 – Carlos Gomes – além de outros compositores emblemáticos. (Segue link para acesso no drive de foto do manuscrito autógrafo do Hino da Independência de autoria de D. Pedro I que será digitalizado no projeto).
PERGUNTA DO MILHÃO – E os investimentos do Instituto vão além da cultura. A Vale repassou R$ 713.487.393 em recursos incentivados por meio de aportes a Fundos de Direitos e apoio a projetos de organizações da sociedade civil. Ao todo foram 398 iniciativas beneficiadas a partir de seis leis de incentivo fiscal: Fundo para Infância e Adolescência; Fundo do Idoso; Lei do Esporte, Lei Federal de Incentivo à Cultura, Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica (Pronon) e Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência (Pronas/PCD). A forma como esses repasses foram feitos pode ser vista na tabela ao lado.
Na área do esporte, para contribuir com a formação de proponentes de projetos dessa área em todo o país, a Fundação Vale desenvolveu, em parceria com a Secretaria Especial do Esporte e a IRJ Sports, um curso gratuito, online e com uma metodologia de fácil acesso sobre os aspectos mais importantes da Lei Federal de Incentivo ao Esporte (LIE). Ele está disponível em http://cursoleideincentivo.com.br.
Agora vem a pergunta do milhão: quem é que sabe alguma coisa sobre tudo isso? Excetuando-se produtores, pessoas envolvidas diretamente nos projetos ou agentes do mercado mais antenados, talvez dê para contar nos dedos quem, da sociedade civil, tenha noção desse viés da companhia.
Esse foi um dos temas de nossa conversa, porque a transparência que as empresas devem dar para seus programas e investimentos em cultura é uma bandeira antiga da Marketing Cultural. E a transparência que a Vale pode oferecer à sociedade sobre seus esforços para beneficiar a cultura brasileira, mesmo que seja majoritariamente com leis de incentivo, deve se dar de forma tão explícita que obrigue, moralmente, outras empresas a fazerem o mesmo. Fiz questão de frisar isso durante nossa conversa.
Porque, como já manifestamos por meio de vários artigos, a maioria das companhias trocou suas Políticas de Patrocínio pela Política de Sustentabilidade, que chutou para escanteio a clareza do envolvimento que têm com cultura, mesmo aquelas que estão usando incentivo fiscal de forma ainda mais acentuada.
Entenda Por Que Políticas de Patrocínio Estão Sumindo dos Sites das Empresas
Outro ponto favorável à Vale é que seu Instituto está destinando verba para atender produtores culturais, artistas, com anseios médios ou miúdos, população indígena, projetos regionais, porque a lei Rouanet, agora tão atacada por quem nada sabe sobre ela, foi criada para isso, para favorecer essas classes, e isso é um contraponto importante para fazer frente ao paulatino desvirtuamento de finalidade que, mais uma vez, a maioria das empresas vem utilizando ao aplicar grande parte, senão toda, a verba incentivada em entidades sem fins lucrativos.
Esse tema também já foi abordado em outro artigo, onde se procura mostrar que, para ações de filantropia companhias, ou seus Institutos, destinam bilhões, todos os anos, de forma direta, mesmo sujeitas a incidência do imposto estadual denominado Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), e para a cultura só se houver incentivo fiscal, com valores muito menores, e mesmo assim a maior parte, senão toda, repito, sendo direcionada para projetos sociais ou associações que os gerenciam.
Dinheiro da Cultura e a Ótica da Sustentabilidade
A Vale, talvez até sem se dar conta disso, faz uso da lei Rouanet com os pressupostos originários com os quais foi criada. É importante mencionar também, por uma questão de justiça e franqueza, que, até recentemente, o comportamento da empresa não era esse, pois em 2016 ela utilizou R$ 8 mil com o incentivo fiscal, em 2017 somente R$ 700,00 e em 2018 nada.
Pode-se intuir que esse movimento teria sido motivado pelo desastre de Brumadinho, mas essa é uma discussão que pertence a outro foro, porque os números indicam que a empresa atingiu, no ano passado, a marca de R$ 1 bilhão aplicado diretamente em projetos culturais e os registros mostram que seu envolvimento com a área não pode ser medido com essa régua curta, pois há prova de que ela aplica no setor desde 1996.
O que se sabe, com certeza, é que a gestação do Instituto Cultural Vale aconteceu em 2019 com a contratação de Hugo Barreto, que de 2002 a 2018 foi Secretário Geral da Fundação Roberto Marinho, tendo ocupado anteriormente os cargos de diretor de criação e superintendente de conteúdo da organização. Com longa trajetória no campo da televisão educativa, foi responsável por programas de inclusão educacional do Brasil, o Telecurso; pelo Canal Futura; pelas séries Globo Ciência, Globo Ecologia e Globo Educação, bem como pela criação e implantação do Museu do Amanhã, do Museu da Língua Portuguesa, do Museu do Futebol e do MAR – Museu de Arte do Rio.
Bacharel em Filosofia pela PUC/RJ, foi presidente do Conselho do GIFE, Grupo de Institutos, Fundações e Empresas, de junho/2004 a junho/2007, e é membro do Conselho de Mestrado Profissional em Administração da Fundação Dom Cabral.
Lá se vão, como ele mesmo diz, 35 anos de atuação na área cultural, o que o credencia como ocupante atual de três postos de poder que nenhum outro tem entre seus pares: Diretor de Sustentabilidade e Investimento Social, Diretor-Presidente do Instituto Cultural Vale e da Fundação Vale.
Não é pouco.
Por isso recomendo a leitura dessa entrevista que, de peito aberto, Hugo concedeu à Marketing Cultural, que agora é um produto de Valor Cultural.
A conversa está separada por blocos para facilitar o entendimento, alguns de forma editada, com cortes. Para cada bloco há o respectivo áudio inteiro para quem gosta de um podcast.
Quem quiser escutar o diálogo completo, sem interrupções, é possível.
Também é possível, mas acho difícil, alguém genuinamente engajado no mercado cultural brasileiro não se interessar por ela. Se houver, terá nossa compreensão.
Já os genuínos podem acessar tudo pelo link abaixo – basta um clique e… boa leitura!
*É Editor-Chefe de VALOR CULTURAL/Marketing Cultural e Perfil de Patrocinadores, que têm entre seus propósitos dar visibilidade a bons projetos ou ações, valorizar empresas que praticam patrocínios conscientes e apontar aquelas que fingem ser o que não são no campo da Responsabilidade Social.
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CRÉDITO
Legenda da imagem da homepage: Turnê Exagerado. Programa Vale Música Nova Orquestra (Imagem de Karime França)