VOCÊ VAI CONHECER AGORA A VERDADEIRA HISTÓRIA DA REVISTA MARKETING CULTURAL
ONDE (QUASE) TUDO COMEÇOU
Por Eduardo Martins
Há exatos 25 anos um amigo me ligou de São Paulo com uma ideia na cabeça: lançar uma revista chamada Marketing Cultural – ele cuidaria do marketing e publicidade e eu da editoria.
Era um assunto desconhecido para mim. Na época trabalhava em Brasília num ramo que me dava muito dinheiro e nenhum prazer. Quando resolvi aceitar a proposta, depois de pesquisar e reconhecer que havia ali um nicho a explorar, mal sabia que se avizinhava uma deliciosa aventura que me encheria a alma de prazer e me esvaziaria a poupança até o último e mísero centavo. Ao final do processo, um analista financeiro avaliou minha fortuna em um monte de zero à esquerda da vírgula. (Me recompus de novo nos anos seguintes, mas adorei cada minuto daquela loucura).
Um ano depois, em 1º de julho de 1997, a revista foi lançada no Clube Hebraica, em São Paulo, com auditório repleto e uma mesa composta por convidados brasileiros e internacionais que falaram da importância do sponsorship, ladeados pelo ministro da Cultura que sacudiu o primeiro exemplar com a mão direita bradando “vocês precisam apoiar essa revista…”.
Confesso que aquilo tudo era estranho para mim – logo eu, que sempre tive certa aversão por governos, estava sentado na primeira fila pensando “caraca”, no que é que vai dar tudo isso?”, enquanto os visitantes discorriam suas teses durante aquele Seminário abarrotado de gente que eu nem conhecia.
Mas eu conhecia jornalismo e tive a sorte de me cercar de gente que também conhecia. Porém, tudo o que aconteceu depois teve em mim o mesmo efeito de espanto que o quadro de Munch transmitiu.
As cartas de elogio começaram a chegar, pessoas se levantavam para me cumprimentar em mesas de restaurante, assessores tentavam me convencer a colocar diretores na capa da revista, produtores iam na redação reclamar porque ainda não tinham sido entrevistados, o presidente de uma montadora pendurou na parede da sala a entrevista emoldurada como se fosse diploma e eu achando que havia um certo exagero naquilo tudo até que vi um quadro matinal na TV Record chamado Café com Jornal, ou coisa parecida, onde os apresentadores, a cada vez em que era lançada, abriam a revista e comentavam o conteúdo entre si. Sem jabá. Ali me dei conta que a coisa estava além de minha compreensão.
Mas porque a revista fez tanto sucesso? Algumas coisas eu sei; outras, não sei. Do que sei posso dizer: o momento era adequado, pois havia uma lei de incentivo que pouca gente conhecia de fato; havia um desejo reprimido de produzir cultura; havia ausência de um canal de informação que pudesse orientar, divulgar e induzir empresas a patrocinarem cultura. Tudo isso ajudou muito. Além de uma equipe competente.
Mas houve outras características, bem pessoais, que sempre fiz questão de introduzir e todos na redação tinham consciência disso – aqui nada se vende a não ser anúncio; não importa a ideologia do entrevistado, se tiver algo de útil para transmitir; vamos ter obsessão por capacitar e dar vazão a quem tenha conteúdo com qualidade. E que beleza é fundamental.
O espírito era: só é publicado aqui quem tem importância ou o que é importante. Sair na revista passou, então, a ser um selo de qualidade ou de excelência.
Conheço gente que não só tem todos os exemplares como mandou encaderná-los.
Logo na primeira edição publicamos matéria de duas páginas com o título Um Roteiro Básico, para explicar tim tim por tim tim como funcionavam as leis Rouanet e Mendonça, do município de São Paulo.
Outras quatro páginas dissecaram a recente publicação de Medida Provisória que havia atemorizado o cinema e Francisco Weffort, o ministro que abanou a revista no Seminário de lançamento, se esforçou para explicar em entrevista o que estava querendo de tudo aquilo.
O primeiro editorial já indicava a que viemos e o espírito da publicação estava no título, Unindo as Pontas, anunciando que ela seria o elo entre os que produzem cultura e os que patrocinam cultura. Tem gente usando esse slogan até hoje.
Várias coisas que lançamos tiveram a marca do pioneirismo. E algumas destaco abaixo:
Já na edição 3, em setembro de 1997, anunciamos a criação do Cadastro Nacional de Projetos Culturais, para estimular o encontro entre produtores e patrocinadores. Ali proponentes puderam cadastrar projetos aprovados por qualquer lei de incentivo, permitindo sua divulgação estratégica na internet, comparação com planos de mídia de outros proponentes ou formas de contrapartidas. Esses projetos poderiam ser consultados por patrocinadores, o que de fato ocorreu.
Dos cadastrados no CNPC tiramos muitas pautas interessantes para publicação. E diversos projetos foram patrocinados com uso dessa ferramenta.
Em parceria com a Articultura publicamos três manuais visando a capacitação de produtores. Foram eles:
Quase tudo era novo nesse mercado. Com essas três publicações proponentes aprenderam como preencher o complicado formulário do Ministério da Cultura para solicitar aprovação de projeto pela lei de incentivo, a elaborar projetos de forma organizada e buscar patrocínio com certa estratégia.
Três edições especiais sobre Cinema mostravam as preocupações e pujança do setor audiovisual no período.
O Renascimento mostrou o resultado de investigação sobre esse mercado em ebulição. Temas como nova geração de cineastas, os filmes que buscavam captação e o impulso dado ao setor com a nova lei foram destrinchados.
Guia do Audiovisual trouxe a portaria mais recente da lei do Audiovisual e mapeou programas de fomento em Estados e Municípios.
Perspectivas foi dedicado a destacar o panorama que se avizinhava para o setor, com seus gargalos de distribuição e a pergunta: teremos uma indústria cinematográfica? Luiz Carlos Barreto e outros tantos diretores achavam que sim.
A lei Rouanet ainda era um bicho de muitas cabeças que confundia a cabeça de quem pensava em utilizá-la. Proponentes não entendiam direito seu funcionamento e as empresas se pelavam de medo de que a Receita Federal fosse devassá-las.
Então resolvemos produzir um disquete (procure o que é isso no dicionário) com a íntegra da lei, portarias e decretos que a regulamentavam com explicações detalhadas para as principais dúvidas. Enfiamos esse disquete num envelope e distribuímos junto com a revista.
A Volkswagen nos apoiou nisso e a edição vendeu que nem água.
Criamos uma seção chamada Qual é a Dúvida?, para responder a questionamentos dos leitores, e outra de nome Perfil do Investidor onde, a cada edição, um diretor de empresa respondia a várias perguntas sobre seus investimentos em cultura. Foi a gênese do Perfil de Investidores, app que mantemos há muito tempo e relançamos agora ainda mais revigorado. (O site Patrocínio&Patrocinadores, que lançaremos proximamente, vem também com essa proposta, entre outras bem mais amplas).
Resolvemos criar páginas com blocos onde proponentes puderam exibir seus projetos culturais e uma tabela chamada Indicadores, com valores de remuneração de produtos e serviços que eram oferecidos no mercado cultural brasileiro, de diversos segmentos, em São Paulo e Rio de Janeiro, depois ampliada para outros Estados.
Porque antes que virasse moda na internet atual, já sabíamos que conteúdo era rei. Muito conteúdo com qualidade foi publicado ali, e muita entrevista fascinante foi oferecida aos leitores, sempre com gente que tinha algo importante a dizer.
Destaco a do presidente da McCann-Erickson, na época a maior agência de publicidade do país, onde o norueguês Jens Olesen defendia que metade do financiamento à cultura deveria ser feita pelos governos e a outra pela iniciativa privada. Mas o trecho que, agora, me chamou a atenção foi esse:
“Em outros países os governos normalmente estão muito envolvidos com a arte. Nos EUA existem leis, o Congresso destina milhões de dólares para ajudar a arte. A Philips Morris, por exemplo, aplica mais de US$ 100 milhões por ano em grandes exposições. Na Europa muitas companhias, em particular os bancos, ajudam muito a arte. Qualquer cidade nos EUA tem sua companhia de ópera, sua companhia de balé, grandes museus, tudo isso com o envolvimento da iniciativa privada, do governo e da comunidade”.
Lendo isso, e constatando que hoje as empresas brasileiras estão se afastando cada vez mais da cultura, só se importando com a renúncia fiscal, podemos sentir o quanto regredimos – e nem falo em Governo para não despertar sentimentos suicidas.
Zaragoza, o Z da DPZ, também nos deu entrevista interessante, abordando a relação de agências com marketing cultural, assim como foi a última fornecida pelo brilhante Manabu Mabe, pouco antes de morrer.
Destacávamos na capa projetos inovadores como o Doutores da Alegria ou a companhia cearense de dança Edisca, que se beneficiou bastante com a matéria publicada; que apoios eram possíveis com hotéis, transportadoras ou fabricantes de gesso; que havia empresas que se dispunham a não usar lei de incentivo e dávamos visibilidade a projetos baratinhos.
Artigo do ator José Wilker ocupava a última página em todas as edições.
Tínhamos mais de 20 mil assinantes e cinco mil exemplares eram vendidos por mês em quase todos os Estados do Brasil.
Um monte de coisa: se o produto era excelente, nunca conseguimos ter a mesma eficiência com o comercial, mesmo trocando vários diretores de marketing, executivos de contas, etc.
A revista vendia bastante, mas 50% do preço de capa ficava com a distribuidora, mais tantos por cento com a banca de jornal, além dos descontos que agências pediam pelos anúncios e o quase proibitivo preço de gráfica faziam com que o resultado financeiro começasse a não cobrir totalmente os custos. Quanto mais ela penetrava nos Estados do Norte e Nordeste, mais aumentava o débito em vez do lucro.
Quando fiquei sozinho segurando a bucha me defrontei com minha incapacidade de aceitar as alternativas que garantiram a sobrevivência de outros veículos, tanto as oferecidas por alguns representantes de empresas quanto de Governo.
Certa vez estive na Secretaria de Comunicação no Palácio do Planalto e a promessa de anúncios veio atrelada a colocar a pessoa que estava ao lado como representante da revista no Rio. Mandei à merda – e não tivemos mais nada de Governo. Outro secretário de estatal autorizou uma peça publicitária, ficou esperando a comissão e quando não recebeu emburrou de vez.
Não podia dar certo mesmo, mas não se deve criticar quem aceitou; cada um tem uma forma de ser. Para sobreviver tinha que ser daquele jeito. A política de anúncio não se sustentava.
O fato de eu morar a mil quilômetros de onde tudo acontecia, gerou também problemas de gestão que nunca consegui superar. Culpa minha.
Seria injusto dizer que não tivemos apoio de empresas, embora nem tanto quanto o oferecido a outros. Várias (inclusive estatais, no início), tiveram participação relevante durante a jornada e destacamos esse fato quando fizemos uma edição especial em comemoração aos 3 anos da revista. Mas não bastou. Deveríamos ter sido mais eficientes.
A revista impressa durou até 2002. Quando já não havia condições financeiras jurídicas e físicas de mantê-la, comuniquei aos assinantes que ela iria se transformar em revista digital e quem não topasse teria o dinheiro de volta. Mas quase todos aceitaram a mudança.
A Marketing Cultural Online nunca deixou de ser publicada – sobreviveu até agora, embora sem a mesma pujança de antes. Porém, gerações de pessoas ingressaram no mercado por causa da revista e isso até hoje me orgulha.
Mas, agora, finalmente, vou poder realizar um desejo antigo chamado Valor Cultural.
Todos os conceitos básicos da revista estão de volta com o lançamento de Valor Cultural, projeto que desenhei há tanto tempo e que só agora consegui a conjuminância dos astros para implementá-lo em definitivo.
Valor Cultural, aos poucos, vai se transformar num hub onde o desejo é contribuir para que a cultura seja grande outra vez. O conceito de marketing cultural, que as empresas jamais souberam praticar corretamente porque pensaram (e continuam pensando cada vez mais) em só usar a renúncia fiscal, dará lugar para uma discussão mais ampla que envolverá, inclusive, o comportamento de cada uma frente aos novos desafios pela transparência e responsabilidade social, sem abandonar os fazedores de cultura, que não podem mais viver só pendurados em leis de incentivo.
Será um lugar onde você também terá a oportunidade de construir valor cultural, para si e para os outros.
É um projeto com causa – a sua.
Creio que é o momento certo, pois sinto que o mercado está precisando de nós outra vez.
Estamos de volta!
Até porque jamais abandonei a máxima mineira:
“Nóis capota mas num breca”. Hahahaha