Conheça o Universo Paralelo das Fintechs no Campo da Responsabilidade Social

Eduardo Martins*

Pesquisa de Valor Cultural/Marketing Cultural revela um nicho de mercado que movimenta bilhões de dólares no Brasil e que não demonstra interesse por agenda ESG ou Responsabilidade Social. Por isso, prepare bons projetos por que logo, logo ele vai precisar!

Os números são impressionantes. No ano passado os fundos de venture capital bateram recorde de investimento em startups brasileiras – até dezembro elas despejaram no mercado cerca de 9,5 bilhões de dólares, cifra superior a 250% ao de todo o ano de 2020.

Entre 2020 e 2021, o número de investidores que colocaram dinheiro nesse segmento subiu de 404 para 544, recorde desde 2007. Até o fim de 2021 o Brasil tinha 21 “unicórnios” (empresas com valor de mercado superior a R$ 1 bilhão) e muitos candidatos a integrar esse grupo. Todos esses dados foram revelados pela plataforma de inovação Distrito.

Essa avalanche de aplicações é dirigida, principalmente, para as fintechs, empresas que oferecem serviços relacionados ao dinheiro e às finanças, com custo mais baixo que os bancos e foco em tecnologia. Elas abrangem sistemas de pagamento, empréstimos, investimentos, seguros, bitcoins, crowdfunding, porém há várias outras no ramo da mobilidade urbana, contabilidade, saúde… classificadas como startups ou já sedimentadas no mercado. Em termos genéricos, esse grupo de empresas é conhecido como techs. (Fintech, portanto, é o termo mais divulgado, porém é restrito apenas para as empresas que oferecem serviços relacionados ao dinheiro e às finanças).

2021: recorde de investimento em startups

Em dezembro de 2021 a HSR Specialist Researchers elaborou estudo denominado “Marcas Transformadoras”, com o objetivo de identificar empresas que estão construindo relevância junto ao consumidor, de que forma estão realizando isso e qual a força dessa relevância para o propósito da marca. Para isso, foram entrevistadas 22 mil pessoas, entre homens e mulheres acima de 18 anos, das classes A, B e C. Das 20 empresas mais lembradas pelos consumidores, as três mais citadas foram brasileiras: Natura, O Boticário e Magalu.

Dessas companhias, em comparação com o “Marcas Transformadoras de 2020”, dez ganharam mais relevância com a entrada do ESG. São elas: Unilever, Natura, Coca-Cola, Samsung, C&A, Avon, Mercado Livre, O Boticário, Nestlé e Lojas Americanas. ESG é sigla inglesa para o que representa, em português, o compromisso da empresa com iniciativas positivas ligadas a Meio Ambiente, Social e Governança. (Em português, a sigla é ASG – Ambiental, Social e Governança corporativa).

Para realizar a métrica do estudo, foram trabalhados três pilares: atributos de imagem, visibilidade de marca e power voice (presença da marca nas redes sociais). Dentro disso, foram avaliados os pilares da agenda ESG. O resultado apontou que 84% dos consumidores acreditam que as marcas deveriam apoiar causas sociais e movimentos inclusivos, já 66% dos entrevistados priorizam empresas e marcas que têm ações voltadas para diversidade e inclusão social e 69% dos consumidores priorizam empresas e marcas que têm ações voltadas para a sustentabilidade ambiental.

No recorte de gerações, as chamadas Z e Millenials mostram que 9 entre cada 10 consumidores, de 18 a 25 anos, priorizam marcas e empresas alinhadas a alguma causa social.

“No resultado do “Marcas Transformadoras”, é possível perceber que a próxima geração, principalmente a que está ingressando no mercado de trabalho ou que ainda está no seu estágio médio de carreira, valoriza cada vez mais empresas que apoiam causas sociais e são mais conscientes com o respeito social para com as comunidades afro e LGBTQIA+. Além disso, também valorizam empresas que promovem e possuem iniciativa que impactam de forma positiva o meio ambiente”, afirmou Valéria Rodrigues, sócia diretora da HSR Shopper Experience.

No ranking das 20 marcas mais lembradas pelos consumidores estão: Natura, O Boticário, Magalu, Netflix, Nestlé, Avon, Mercado Livre, Coca-Cola, Samsung, Lojas Americanas, Itaipava, Amazon, Nike, iFood, Cacau Show, Unilever, Ambev, J&J, Salon Line e Apple. Foram mais de 90 companhias mencionadas espontaneamente.

AUSÊNCIA – Na relação do ranking acima um nome aparece como intruso nesse universo: o IFood, única empresa originalmente brasileira e exclusivamente digital lembrada pelos consumidores entre as mais mais. E não é por acaso – ela tem uma vasta carteira de iniciativas na área de sustentabilidade e todas estão bem visíveis no site da companhia.

Em artigo publicado em outro ponto de nosso canal, Andrea Cominato, Diretora de Sustentabilidade e Marketing do Grupo New Space, afirma que 2021 pode ser considerado o ano do ESG. Ela indica que os investidores vêm percebendo a importância de se fazer aportes em empresas que não sejam apenas lucrativas, mas que tragam em seu DNA a responsabilidade social e que conduzam seus negócios de forma assertiva também para o meio ambiente e para a sociedade.

Só que esse volume considerável de investimentos em startups está sendo dirigido, em sua maioria, para companhias que não demonstram envolvimento algum com essa agenda, que, por sua vez, tem privilegiado iniciativas voltadas para o meio ambiente. Mas essa maré também pode mudar, como a própria Andrea Cominato admite:

“Para 2022, enxergo como uma forte tendência a diversificação de temas para além das mudanças climáticas. A desigualdade que, infelizmente vem sendo ampliada por conta da pandemia, terá atenção especial nos projetos de ESG.

“As organizações – continua – que pretendem se manter competitivas e alinhadas com seu público precisam compreender esse conceito e aplicá-lo o quanto antes. A lentidão em sua implementação pode ser vista como um atraso, mas também é uma oportunidade. Aquelas empresas que se adequarem rápido e deixarem isso claro para a sociedade e, principalmente, para os seus clientes, podem se destacar da concorrência e crescerem ainda mais nos anos que virão”.

Silas Colombo, CCO e fundador da MOTIM, lembra que, no geral, “o mercado de inovação como um todo tem que estar focado em credibilização, mas existem algumas techs que vão demandar mais reputação do que outras. O investimento em reputação, nesses casos, precisa ocorrer desde o início para não virar uma gestão de crise”.

No blog da 99, app de transporte e principal concorrente da Uber, há uma entrevista com Marina Pechlivanis, especialista em ativação de campanhas de Responsabilidade Social Empresarial de empresas e CEO da Umbigo do Mundo, onde ela comenta sobre os erros mais comuns das companhias com as políticas de responsabilidade social.

“Para se autopromover muitas empresas se utilizam do efeito “green washing” (em livre tradução: “lavagem verde”), mostrando em ações e campanhas que a empresa é ecologicamente sustentável, que faz reciclagem e projetos ambientais entre outros, sem que seja verdade. Isso vale para causas sociais, causas de inclusão e diversidade, entre tantas outras. Para as empresas que acreditam que isso ajuda na geração de reputação, muita atenção: o efeito é exatamente o contrário. Quando os colaboradores, os clientes, os fornecedores entre outros públicos percebem que esta postura não é autêntica e verídica, isso pode desvalorizar o negócio, inclusive financeiramente. Na era das mídias sociais, com alta velocidade de troca de informações, qualquer deslize de uma empresa pode ganhar visibilidade escalonada em poucos minutos. E o custo para corrigir isso é muito alto”.

Esses alertas podem muito bem servir para empresas de tecnologia que só estão pensando no negócio, pois o perigo mora ao lado.

ALERTA – Em 2021, as empresas brasileiras de maquininhas de cartões listadas em Bolsas de Valores, conhecidas oficialmente como adquirentes, perderam quase R$ 160 bilhões em valor de mercado, mais do que o valor do Banco do Brasil ou o do Santander Brasil na B3, de acordo com dados compilados pelo Estadão/Broadcast. O Pix, sistema de pagamentos instantâneos do Banco Central, é apontado como um dos vilões, mas alta dos juros, acirramento da concorrência e a aventura não muito bem-sucedida em negócios paralelos, como o crédito, também são apontados como responsáveis pela derrocada das ações. O tombo da Stone resultou em bilhões de seu valor de mercado, como apontou o Estadão.

O PagSeguro sentiu o baque e no final do ano o UOL, controlador do PagSeguro e ambos pertencentes ao Grupo Folha, fechou acordo de aquisição da plataforma Ingresso.com para se inserir cada vez mais no ramo do entretenimento. Outras soluções podem ser encontradas pelas demais.

CONSULTA – Durante o mês de dezembro VALOR CULTURAL/Marketing Cultural disparou e-mails para dezenas de empresas ligadas exclusivamente ao mundo digital para saber se elas desenvolviam ou pretendiam desenvolver ações que tivessem relevância na área de Responsabilidade Social, se estariam dispostas a receber proposta desse tipo e, se não, quais seriam as razões?

Poucas se deram ao trabalho de responder – ignoraram, portanto. Também visitamos o site de cada uma delas para ver se desenvolviam alguma ação ligada a Sustentabilidade ou afinidade com a agenda ESG. Pouco foi encontrado.

A resposta mais estranha veio da assessoria de imprensa do Nubank, a joia da coroa das fintechs, que recentemente lançou suas ações na Bolsa de Nova York e fechou a primeira semana avaliado em 56 bilhões de dólares. Disse ela: “Abrimos capital semana passada e estamos em período de silêncio”, como se outras centenas de empresas listadas na B3 correriam risco de derrubar suas ações no pregão ao falar de Responsabilidade Social e Sustentabilidade.

A Stone tem um histórico de envolvimento com projetos culturais e é parceira de produtores em vários eventos com uso de sua maquininha. Sua assessoria empenhou-se em procurar respostas, que estão descritas em lista abaixo. É uma das poucas empresas que fazem uso de lei de incentivo para apoiar projetos culturais. Já na questão de Sustentabilidade, indicou não ter posicionamento sobre isso.

A Méliuz foi mais detalhista, informando ser mantenedora do Programa do Amanhã, projeto que tem por objetivo qualificar, fortalecer e dar protagonismo a jovens negros e negras, para que construam carreira na área de tecnologia. Também se colocou disposta a receber projetos, tanto de patrocínio direto ou incentivado (que não usou ainda) e forneceu endereço para encaminhamento de proposta que está em sua ficha no nosso Perfil de Patrocinadores. Mas ainda falta à Méliuz dar transparência para essas ações em seu site, o que contaria mais pontos para sua reputação junto a clientes.

O que se verificou, na maior parte dos casos, é ausência de qualquer relação com agendas inclusivas, seja na parte de governança ou social. Mas esse quadro vai mudar, inevitavelmente, e alguns movimentos começaram, como é o caso da CargoX, que se juntou ao Movimento Unidos pelo Brincar, entidade financiada pela Fundação Lego, para apoiar projetos que incentivem o desenvolvimento de crianças a partir do brincar e de formas de aprendizado lúdicas. A iniciativa disponibilizará um total de R$ 1,7 milhão para projetos dos estados da Bahia, Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro.

Mas nenhuma informação sobre essa iniciativa está disponível no site da companhia e nem seu patrocínio no site da entidade. É provável que outras ações desse tipo já estejam ocorrendo por parte de outras empresas, mas ainda convivendo com a falta de transparência.

O certo é que esse é um nicho no mercado que pode ser explorado por produtores culturais, entidades do 3º Setor ou todos aqueles que necessitam de apoio para oferecer soluções que possam colaborar para o erguimento de uma sociedade melhor. Porém, antes de tudo, essas empresas precisam se conscientizar de que os tempos são outros – somente ter na mente o lucro não é mais suficiente para garantir sua sobrevivência.

Você vai conhecer a seguir o resultado do levantamento que fizemos junto a 43 empresas relevantes que têm a tecnologia como base do negócio, mostrando qual o comportamento que cada uma tem (ou não tem) em relação a temas como ESG ou responsabilidade social.

Muitas dessas empresas têm arquivo individual mostrando seu comportamento nas áreas cultural e social, disponível em nosso Perfil de Patrocinadores, app exclusivo para assinantes, que podem pesquisar mais de 1.000 companhias e descobrir que tipo de projetos apoiam, quanto gastam, segmentos preferidos, utilizando campos de busca variados.

*É Editor-Chefe de VALOR CULTURAL/Marketing Cultural Perfil de Patrocinadores, que têm entre seus propósitos dar visibilidade a bons projetos ou ações, valorizar empresas que praticam patrocínios conscientes e apontar aquelas que fingem ser o que não são no campo da Responsabilidade Social.

PARA CONHECER A LISTA CLIQUE AQUI 

SERVIÇO

A imagem dessa página é de Rodnae Productions

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