Saiba Por Que os Editais da Petrobras Favorecem Grandes Instituições

Sandra Morato*

(Esse post foi originalmente publicado em 18 de março de 2023)

A Petrobras lançou recentemente edital público denominado Programa Petrobras Socioambiental, que vai destinar R$ 432 milhões para projetos apresentados por Organizações da Sociedade Civil (OSCs). A data limite de inscrição é 11/04/23. Para projetos incentivados prazo vai até 30/06.

Na primeira etapa da seleção, serão investidos R$ 162 milhões em iniciativas socioambientais nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul, e a estimativa é contratar mais de 20 projetos que irão desenvolver suas atividades por um período de três anos. A segunda etapa será lançada no segundo semestre e, supõe-se, abrangerá a região Sudeste.

No Norte e Nordeste, o edital inclui as áreas vizinhas das operações da chamada Margem Equatorial, nova fronteira de exploração e produção de petróleo e gás do país, localizada entre os Estados do Amapá e Rio Grande do Norte.

As linhas de atuação definidas são Florestas, Oceanos, Educação e Desenvolvimento Econômico Sustentável, com prioridade para públicos de povos indígenas, comunidades tradicionais, pescadores, mulheres, negros, crianças, pessoas com deficiência e LGBTQI+.

Por que programas como esse da Petrobras são importantes para o País? Por que há, no Brasil, mais de 800 mil Organizações da Sociedade Civil (OSCs), com apenas 52% delas em atuação no momento. Apesar de ter ocorrido um decréscimo no número de OSCs brasileiras devido à crise sanitária do Covid 19, que gerou grandes dificuldades, sobretudo para as organizações sociais, elas sempre foram, e são, fundamentais como rede de proteção aos excluídos dos direitos fundamentais, ao meio ambiente e na garantia e proteção aos direitos humanos, onde o Estado está omisso ou não consegue ofertar serviços e benefícios para o total das demandas que se apresentam.

Mas qual é a chance de organizações médias ou pequenas conseguirem emplacar algum projeto por meio desse edital?

É o que pretendo discutir nesse artigo.

RODA VIVA“Os projetos de Responsabilidade Social da Petrobras seguem critérios técnicos, orientados pelos temas aprovados pelo seu Conselho de Administração e pelas boas práticas internacionais refletidas na busca por objetivos elencados no âmbito das Nações Unidas”, explica a gerente executiva de Responsabilidade Social, Rafaela Guedes.

Organizações com equipes estruturadas e afinadas são as que têm chance de sucesso na captação. (Imagem de Augusto Ordóñez).

Portanto, para Organizações Sociais, a competição e seletividade promovidas por patrocinadores na oferta de recursos e parcerias, torna imprescindível que, em seus quadros de recursos humanos, haja pessoal técnico com capacidade para participar em editais públicos e empresariais, com projetos de qualidade, detalhando resultados e impactos.

É fundamental que a gestão e desempenho das Organizações sejam capacitados e atualizados, com visão apurada dos cenários sociais e econômicos do país, afinada com as práticas de responsabilidade social das empresas, do comportamento do mercado e interesse de investidores.

Aparecem aí, portanto, as primeiras dificuldades de Organizações Sociais de médio e pequeno porte, que se veem numa roda viva com as limitações orçamentárias que impedem a elaboração de projetos consistentes devido à impossibilidade de atrair bons profissionais. Projetos assertivos e exitosos exigem eficiência em todas as fases de elaboração para que se possa alavancar recursos.

Sendo assim, não se faz bons projetos porque a OS não conta com recursos para contratar e manter bons profissionais, e, por não tê-los, não consegue elaborar propostas que apresentem possibilidades de concorrer com as que possuem robustez na sua estrutura e equipe.

Como romper este ciclo vicioso, já que, geralmente, organizações com boa estrutura, recursos humanos necessários e de bom nível, elaboram bons projetos, alavancam captação, e, por consequência, são as que mais se dão bem?

Dificuldades orçamentárias das OS foram acentuadas nas adversidades já enfrentadas antes da crise sanitária do Covid 19, quando enfrentaram, e ainda enfrentam, desafios para aumentar seus orçamentos, considerando a crise econômica no país e consequente aumento da pobreza, acarretando assim, maior dispêndio e aumento de gastos.

Pesquisa DataFolha, em parceria com a Ambev (com 311 organizações sociais distribuídas nas 5 regiões do país, entre 18 e 26 de novembro de 2020), detectou que entre as principais dificuldades para sobrevivência das OS pós pandemia, estão a falta de apoiadores financeiros com 41%, materiais e equipamentos 13%, e falta de pessoal e voluntários com 11%.

Antes de tentar sugerir caminhos para minimizar quadro tão adverso das organizações sociais de pequeno e médio porte do país, desenvolvo aqui algumas observações que ouso pontuar a partir da leitura do Edital da Petrobrás e de seu material de orientação para a participação das OSCs.

QUALIDADE – Os materiais fornecidos pelo Programa Petrobras Socioambiental, para orientação das OSCs, primam pela qualidade dos textos, explicam em detalhes as informações esperadas para cada item do projeto a ser apresentado e que serão objeto de análise técnica e de mérito com base nas diretrizes e linhas de atuação do Programa.

Não poderia ser diferente, pois sabemos que muitos projetos se perdem nas redações com textos pouco objetivos e longos que, em muitos casos, não apresentam as informações essenciais solicitadas pelo edital, comprometendo, assim, a avaliação da proposta.

Esse é um dos itens primeiros apresentados pelo material de orientação do Programa, de extrema relevância e comumente responsável pela inadequação da proposta e consequente desclassificação.

Os guias orientativos esclarecem a base conceitual utilizada pela empresa na gestão dos projetos socioambientais e no sistema que conduziu a elaboração das orientações para o presente edital. Balizados na Teoria da Mudança, esperam lógica na construção do projeto socioambiental, amparado em objetivos que operem transformações, com ações, métodos e insumos pertinentes, voltados para o público a que se destina e que será beneficiado com os resultados obtidos.

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Nessa perspectiva, conduzem as orientações para cada item do projeto a ser apresentado pelas Organizações Sociais, esclarecendo o sistema no qual cada proposta será elaborada e submetida. Deixam claro a necessária e atenta leitura do edital e guias orientativos, com foco nas explicações para o que será observado em cada item dos respectivos formulários.

A ênfase inicial do Programa Petrobras Socioambiental, com a focalização no preenchimento dos formulários, referendados pela lógica da Teoria da Mudança – com a consequente orientação para a transformação, busca de resultados e para mudanças de contexto social – será objeto de relatórios quadrimestrais e/ou semestrais e sistemáticas adicionais in loco, para que sejam verificadas e avaliadas evidências do desenvolvimento do projeto.

O edital Petrobras 2023 revela práticas de praxe e são exemplos de como deveriam ser a rotina para todo e qualquer projeto financiado com a exigência de resultados e/ou produtos concretos e mensuráveis a partir dos recursos disponibilizados.

Infelizmente, creio não ser novidade, que recursos são disponibilizados por esferas públicas (principalmente) e privadas, sem a atenção necessária sobre resultados e seus impactos, sem a exigência de indicadores e respectivas avaliações. Temos, assim, sempre a sensação de que tudo recomeça a cada nova gestão, mas resultados que interessam…

Mas nesse edital do Programa Petrobras, é satisfatório constatar que se exige e se valoriza, com atributos adicionais, a atuação socioambiental dos projetos atreladas à integração das dimensões sociais e ambientais de modo a garantir a transversalidade (1ª Infância, inovação para problemas sociais e ambientais, direitos humanos), ou seja, projetos que trabalhem a dimensão humana e sustentável. Afinal, como diz Amartya Sen, autor do livro Desenvolvimento como Liberdade, “não haverá desenvolvimento social sem desenvolvimento humano”.

PANORAMA – As avaliações serão durante e ao fim do projeto, devendo ocorrer com o público sujeito das ações, através de indicadores de resultado e de impacto (se possível). Cada resultado será avaliado por 2 indicadores, que devem gerar produtos, e um indicador ao menos para cada tema transversal. Entendo se tratar de visualizações concretas e resultantes do uso e pertinência dos recursos empregados e os benefícios proporcionados.

Observo também inovação no conceito dos produtos de Comunicação, que não devem mais estar restritos à divulgação dos resultados dos projetos, mas também para a mobilização social e divulgação de ações e conceitos. Tal lógica, me parece, carrega uma perspectiva pedagógica importante e necessária.

O panorama para inscrições de projetos socioambientais está detalhado e oferece, sob meu ponto de vista, a dimensão da necessária qualidade da proposta a ser apresentada, como todas devem ser. Porém, esta mesma condição se torna obstáculo para OSCs de menor porte, que não dispõe de equipe profissional que possibilite a competição em condição de igualdade  com aquelas  maiores e bem estruturadas na busca dos recursos ofertados.

Nessa ótica, é como o “cachorro correndo atrás do rabo”. Não tenho orçamento e, portanto, não entro na competição porque não possuo pessoal para elaborar projeto competitivo e, por não contar com ele, não aumento meu orçamento.

Então, é o caso de ser menos exigente na composição dos projetos candidatos?

Sim e não!

Sim, porque talvez o processo avaliativo tenha que considerar o porte e estrutura da organização social candidata, e oferecer também, além do repasse do patrocínio, mentoria e/ou capacitação prévia em gestão e formação em elaboração de projetos, como já é feito por vários patrocinadores em seus editais.

Sim, porque talvez seja importante, diante das características de nossas OSCs e da distribuição delas pelo País, oferecer edital para as de menor porte, com competitividades restritas e consequente menor capacidade de captação.

Imagem de Gordon Johnson

Sim, porque caberia Edital voltado para OSCs que são em pequeno número e atuam com enormes dificuldades e preconceitos – no trato de questões muitas vezes espinhosas – mas prestam relevante serviço social.  São Organizações, por exemplo, que se voltam para um expressivo contingente de pessoas em situação de privação de liberdade e egressas do sistema prisional brasileiro.

No Brasil, apenas 3.317 instituições têm atuação, ou potencial atuação, em temas ligados ao sistema prisional brasileiro, desenvolvendo ações voltadas para pessoas privadas de liberdade ou egressas do sistema, segundo pesquisa realizada pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) e o IPEA em março de 2020.

O Edital da Petrobras evidencia, entre os temas transversais, soluções inovadoras e direitos humanos.

São poucas, muito poucas organizações que se dedicam a este público que envolve 837.443 (dados DEPEN 2023) pessoas no País e ocupa o terceiro lugar no mundo de população carcerária, formado por homens e mulheres em sua maioria pobres, negros(as), jovens, com ensino básico incompleto. Tais características também envolvem outros públicos prioritários no Edital Programa Petrobras 2023 como mulheres, pessoas com deficiência e LGBTQI+.

São indivíduos que o Estado tutela e a sociedade deve assegurar, proteger e promover direitos humanos historicamente omitidos e desrespeitados. Mas quem se importa em ajudar essas organizações, que não possuem estrutura para participar de um edital assim?

Não, porque não se pode renunciar à exigência de que projetos sociais e ambientais realmente provoquem mudanças e resultados em benefícios dos que serão beneficiados, sejam eles seres humanos e/ou a natureza.

Porém, para atender plenamente as exigências do edital, à maioria das organizações, exceto as de sempre e que nem necessitam da verba oferecida, só resta contratar profissionais para, pelo menos, formatar um projeto de acordo com os manuais. E eles custam caro.

É um dilema a se resolver.

Por último considero que o montante de recursos disponibilizados para o Programa Petrobras Socioambiental 2023 é expressivo (R$ 432 milhões), porém, ainda “tímido” considerando o lucro líquido da empresa, que foi da ordem de R$ 188,3 bilhões em 2022, o maior na história da empresa.

O momento atual é de urgência, é de pobreza humana e ambiental com a qual convivemos e somos também responsáveis por mudanças deste perverso panorama. Todos podem e devem contribuir, tudo é bem-vindo, cada um com o que consegue e pode dar, porém alguns podem muito e os benefícios serão de todos.

SERVIÇO

Programa Petrobras Socioambiental 2023

Prazos finais de inscrição:

Projetos incentivados: 30/06/2023

Projetos não incentivados: 11/04/2023

*É assistente social com mais de 30 anos atuando com programas e projetos da política pública de assistência social, com Organizações da Sociedade Civil, órgãos de controle social, educadora social  e no desenvolvimento de consultoria em projetos do PNUD e UNESCO. É presidente da Valor Cultural Comunicação & Marketing, editora do site Valor Cultural/Marketing Cultural.

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