A maioria das Organizações da Sociedade Civil (OSCs) fechadas no País pertence à área de Desenvolvimento e Defesa de Direitos, seguida de Cultura e Recreação. Das mais de 1 milhão de entidades criadas no período de 1901 a 2020, 345 mil, cerca de um terço, encerraram atividades, especialmente a partir dos anos 2000 (92,8%) e metade corresponde a organizações com aquele perfil. Frente a esse cenário, nota-se a prevalência de OSCs de cunho religioso entre as novas aberturas.
Essa é uma das observações constantes no estudo Dinâmicas do Terceiro no Brasil: Trajetória de Criação e Fechamento de Organizações da Sociedade Civil de 1901 a 2020, elaborado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ligado ao Ministério da Economia.
Seu objetivo foi sistematizar e apresentar dados sobre a criação e fechamento das OSCs brasileiras naquele período, a partir da base de Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) disponibilizada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB). Os resultados expostos constituem um levantamento inédito englobando o conjunto de mais de um milhão de organizações criadas nos últimos 120 anos no país e distribuídas por todo território nacional.
Quais fatores contribuem para o seu surgimento e para o encerramento de suas atividades? Como esforços de institucionalização e formalização dessas organizações se alteraram ao longo do tempo? Quais temas ganharam ou perderam relevância em diferentes contextos sociais, econômicos e políticos? Essas e outras questões buscaram entender a dinâmica dessas organizações no país, seu histórico e principais tendências observadas e podem servir como subsídio para o planejamento de ações e estratégias dentro e fora do âmbito estatal voltadas para o fortalecimento dessas organizações e de sua capacidade de atuação sobre problemas e demandas que perpassam o cotidiano da população brasileira.
Para fins operacionais, as OSCs são definidas como entidades privadas, sem fins lucrativos, legalmente constituídas, autoadministradas e voluntárias com atuação nos mais distintos temas de políticas públicas e defesa de direitos.
Cerca de 70% das organizações constavam como ativas ao final de 2020. São 815.676 OSCs com CNPJ cuja situação cadastral na Receita Federal estava definida como ativa, inapta ou suspensa, conforme os critérios adotados pelo Mapa das OSCs. As demais organizações foram classificadas como inativas e continham CNPJs nas situações cadastrais baixada ou nula.
Os dados de saída das organizações sociais mostram dois anos com muitas baixas de CNPJ: 2008 e 2015. A justificativa para esse expressivo número de organizações com CNPJ baixado em 2008 foi a publicação da Instrução Normativa RFB nº 1.035, de 28 de maio de 2010:
Art. 1º Ficam baixadas as inscrições no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) de pessoas jurídicas que tenham sido declaradas inaptas até 31 de dezembro de 2008, nos termos dos incisos I, II e III do art. 34 da Instrução Normativa RFB Nº 748, de 28 de junho de 2007, e permaneceram nessa situação até a data de publicação desta Instrução Normativa (RFB, 2010).
Para ser declarada inapta, a inscrição no CNPJ da entidade precisa ter deixado de apresentar informações sobre cinco ou mais exercícios consecutivos, e, mesmo após ter sido intimada, não tenha regularizado a situação ou tenha deixado de apresentar essas mesmas declarações em um ou mais exercícios, mas não foi localizada, ou seja, inexistente de fato. Essa Instrução Normativa serviu ainda como referência para a Lei n. 11.941/2009. Em 2015, as baixas de CNPJ ocorreram pelo mesmo motivo, mas sem a criação de uma lei específica para esse ano, apenas utilizando o regramento anterior.
De maneira geral, essas análises assumem que as condições de existência e atuação dessas organizações estiveram relacionadas, em algum grau, com mecanismos a partir dos quais as múltiplas interações entre Estado e sociedade civil foram significadas e operacionalizadas. A postura antiestatista e de oposição reivindicada pelas organizações criadas nos anos 1970 e 1980, por exemplo, teria constituído uma reação ao regime autoritário e à escassez de espaços de diálogo durante o período da ditadura civil-militar no país . Sob a mesma lógica, a expansão de organizações com perfil mais “profissionalizado”, orientadas pela “lógica de resultados” e posicionadas como parceiras estratégicas no âmbito de programas governamentais durante a década de 1990, estaria atrelada à adoção de uma postura estatal distinta, materializada pela ampliação das parcerias governamentais no âmbito do programa Comunidade Solidária e pela aprovação da Lei das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) aliadas ao cenário de redução significativa dos investimentos internacionais direcionados às organizações brasileiras.
É importante ressaltar que apenas uma parcela minoritária das OSCs estabelece parcerias formais com previsão de repasse de recursos públicos. Quando considerada a esfera federal, por exemplo, apenas 2,7% das OSCs foram identificadas como recebedoras de transferências públicas. Ou seja, os impactos produzidos por mudanças político-legais baseadas na ampliação das parcerias, repasses ou formas de contratualização entre as OSCs e o Estado afetariam um número restrito de OSCs e não o conjunto de entidades do setor.
Considerando o total de 1.116.354 OSCs criadas entre 1901 e 2020 é possível identificar a expansão no número de organizações criadas da segunda metade da década de 1960, momento em que a sociedade civil no Brasil ganha densidade numérica e ocorre um maior incremento da institucionalização de atores e organizações societais.
Analisando os dados por natureza jurídica da organização observa-se que a maior parte das OSCs criadas no período foram, majoritariamente, associações privadas (85%), seguidas de organizações religiosas (13%) e em menor quantidade as fundações privadas (1,6%) e organizações sociais (0,13%).
Ressalte-se que os tipos de natureza jurídica foram criados em momentos diferentes. As organizações religiosas foram definidas como natureza jurídica apenas em 2003, pela Lei 10.825/2003.
As organizações religiosas e as organizações sociais apresentam dinâmica diferente para o período. Até 2008 as organizações religiosas apresentavam números de abertura similares, abaixo de 2 mil OSCs por ano. Em 2009 esse número salta para 3 mil e no ano seguinte para 8 mil organizações, mantendo essa tendência de crescimento até 2017, quando apresentam uma redução do ritmo de abertura, mas ainda bem acima do patamar observado no início dos anos 2000, como indicado na tabela 5. Já as organizações sociais apresentam dados residuais até 2009 com menos de 10 aberturas por ano, quando sobem um pouco chegando a duas dezenas em 2013, e passam a apresentar um crescimento expressivo, chegando ao máximo de 256 aberturas em 2018.
COMO ERA – No período de 1901 a 1959, as organizações criadas estavam distribuídas de maneira similar entre as áreas de cultura e recreação, religião e desenvolvimento e defesa de interesses. Já nos anos 1960, além dessas três áreas, ganham relevância os temas de educação e saúde como finalidades de atuação das OSCs criadas no período. Na década de 1970, ainda prevalecem as áreas de cultura e recreação, religião, desenvolvimento e defesa de direitos, com uma leve preponderância das organizações associadas a fins religiosos. Na década seguinte, organizações com atuação em defesa e desenvolvimento de direitos são majoritárias entre as novas aberturas com a inflexão dos demais temas, com exceção das organizações patronais e profissionais que aumentam no período, dando início a uma tendência que se mantém na década seguinte, em que organizações de defesa de direitos passam a representar mais da metade das finalidades das OSCs criadas (56%).
Na primeira década dos anos 2000, prevalece ainda o tema de desenvolvimento e defesa de direitos, mas voltam a crescer as organizações ligadas à religião e aquelas classificadas como outras atividades associativas. A segunda década indica uma mudança no perfil das OSCs criadas. Assim como observado nos anos 70, a maioria das organizações criadas aponta como finalidade de atuação a religião e sobe também, quase empatando com desenvolvimento e defesa de direitos, o número de OSCs que se classificam como atuantes em outras atividades associativas. Os dados de 2020, apesar de não serem indicativos de uma década apontam resultados similares ao padrão verificado entre os anos 2010-2019 com preponderância de OSCs de cunho religioso entre novas aberturas.
Na contramão dos estudos sobre a dinamização da sociedade civil no Brasil, análises sobre os períodos de desmobilização associativa ou os motivos que levam ao fechamento de organizações da sociedade civil são mais escassos. Grande parte desses estudos aborda a questão da sustentabilidade econômica dessas organizações e as dificuldades enfrentadas pelo setor nos últimos anos na manutenção de suas atividades como consequência de fragilidades financeiras e institucionais.
Entre os fatores levantados para explicar esse fenômeno estão a queda no volume de financiamentos internacionais junto ao setor a partir dos anos 2000 como decorrência do avanço nos indicadores socioeconômicos do país e da crise econômica de 2008, assim como uma deterioração das condições de reprodução institucional das OSCs ligadas à escassez de recursos públicos e privados direcionados a essas organizações.
Em relação às parcerias com o poder público, argumenta-se que exigências burocrático-administrativas para a captação de recursos e execução de projetos levariam entidades menos estruturadas ou com dificuldades de gestão a fechar suas portas por não conseguirem diversificar suas fontes de financiamento. Por outro lado, também poderia contribuir para esse cenário o fato de empresas privadas tenderem a executar projetos próprios e oscilarem no volume de parcerias firmadas com as OSCs ao longo do tempo.
O perfil majoritário entre as OSCs criadas no país poderia ser descrito como associações privadas (85%) sediadas na região Sudeste (40%), com tempo médio de atividade de 17,6 anos, voltadas para as áreas de Desenvolvimento e defesa de direitos e interesses (40%) e Religião (24,6%). Se considerarmos apenas aquelas OSCs que hoje estão ativas, 38% são organizações com atividades de defesa de direitos e interesses e 27% são organizações religiosas. Esse perfil sofreu variações ao longo do tempo e no período recente é possível identificar, por exemplo, a prevalência de OSCs de cunho religioso entre as novas aberturas e uma queda na criação de organizações ligadas à pauta de desenvolvimento e defesa de direitos.
A análise no escopo de cada área de atuação indicou que organizações de assistência social e outras organizações da sociedade civil são as que possuem a maior proporção de fechamentos em relação ao número de aberturas. De cada 100 OSCs de assistência social abertas no país, 49 encerraram suas atividades, e entre outras organizações da sociedade civil cerca de 46 delas fecharam suas portas.
O arrefecimento no surgimento de novas organizações e mudança temática das novas aberturas sugerem uma nova fase da sociedade civil organizada? A redução do número de OSCs criadas e a concentração na área religiosa seriam elementos de uma fase pontual ou seriam produto de um novo momento da sociedade civil organizada no país?
São perguntas que ainda falta responder.
LEIA O ESTUDO COMPLETO DO IPEA
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