Vale e o Instituto Inhotim têm uma história de parceria há vários anos, mas agora, para utilizar um termo da moda, sofreu um “upgrade” que elevou essa união a outra potência — em dinheiro e governança.
O desastre de Brumadinho seguirá por décadas circulando como uma nuvem escura sobre a imagem da Vale, lembrando vidas perdidas e danos ao meio ambiente e núcleos familiares difíceis de recuperar.
Um dos caminhos para, de alguma forma, aliviar consciências e produzir recompensas, a empresa escolheu a cultura como um meio de propagação de benefícios à sociedade. Primeiro passo foi a criação do Instituto Cultural Vale em 2019 (ver matéria com seu Diretor Hugo Barreto), que vem aplicando entre 250 e 300 milhões de reais em projetos anualmente, deixando para a Fundação Vale os investimentos sociais.
Mas o que ela fez agora com o Instituto Inhotim é inédito no Brasil. À parte o volume generoso de R$ 400 milhões aportáveis pelos próximos 10 anos, a Vale firmou um compromisso de longo prazo que não só vai garantir a sustentabilidade do Museu Inhotim como irá contribuir com o desenvolvimento socioeconômico de Brumadinho e com o fortalecimento do setor turístico-cultural da região.
O modelo firmado entre as partes resultou no seguinte acordo financeiro:
Os recursos transferidos pela Vale, ao longo dos próximos 10 anos, serão realizados por duas fontes: via verba direta e por meio de aporte via Lei Federal de Incentivo à Cultura. Metade do aporte — R$ 200 milhões — será concedido por meio de Lei Federal de Incentivo à Cultura. Deste montante, R$ 60 milhões já foram depositados antecipadamente, correspondendo aos anos de 2023, 2024 e 2025, e aplicados na manutenção dos acervos artístico e botânico; na realização de projetos socioeducativos; na manutenção dos empregos diretos do museu, que contam com 80% do seu quadro de moradores de Brumadinho e região; na realização de pesquisas científicas em meio ambiente; e nas despesas operacionais em geral. O restante dos recursos concedidos via verba incentivada — R$ 140 milhões — será liberado em aportes de R$ 20 milhões anuais, podendo oscilar nas bases anuais desde que respeitados R$ 200 milhões em 10 anos.
A outra metade — até R$ 200 milhões — do total do aporte da Vale será transferida a partir de verba livre, sem dedução de impostos pela companhia. Deste montante, R$ 100 milhões serão distribuídos em 10 anos, com a previsão de repasse de R$ 10 milhões ao ano (podendo oscilar nas bases anuais). E até R$ 100 milhões de verba livre serão concedidos no sistema de matchmaking, no qual, para cada real de verba não incentivada recebida de outra fonte, a Vale irá depositar o equivalente até o limite estabelecido, na proporção 1:1.
Essa estrutura visa estimular a captação de verba não incentivada de outros parceiros, fortalecendo ainda mais a sustentabilidade e a independência do Instituto durante o período. Este valor será direcionado para a criação de um fundo de endowment (ver no final dessa matéria link com executivo explicando o que é), instrumento habitual entre instituições culturais internacionais para perenização das suas atividades, mas ainda pouco usual no Brasil. O fundo prevê o uso pelo Inhotim do retorno acima da inflação obtido pelos seus investimentos, e assegura a preservação do valor principal, mantendo assim um fluxo contínuo de recursos para o museu no futuro.
Nos parágrafos acima há alguns pontos destacáveis: primeiro é a lembrança de que a empresa se tornou a maior patrocinadora da cultura brasileira, mas quase toda a verba que utiliza deriva de incentivo fiscal, 100% reembolsáveis via desconto do imposto de Renda; segundo que, nessa parceria com o Inhotim, metade do repasse — R$ 200 milhões — será de forma direta, sendo R$ 100 milhões saídos do próprio bolso (aleluia!) e o restante no sistema de matchmaking como citado acima.
Também foi importante, para esse acordo inédito, a nova Governança instituída em junho de 2022, quando um Conselho Deliberativo foi criado com ampla representatividade da sociedade civil, que passou a integrar a instância máxima de gestão e atuando como guardião na administração do Museu.
Isso resultou também na criação do projeto Inhotim de Todos e Para Todos, cujo marco inaugural foi a doação definitiva de um acervo de 330 obras de arte contemporânea, nacional e internacional, feita por Bernardo Paz, empresário, colecionador, mecenas e fundador do Inhotim. Acervo incluiu as 23 galerias e obras permanentes do museu e a área de 140 hecatres, que compreende todo o jardim botânico, com mais de 4,3 mil espécies de diversos continentes.
A declaração do presidente da empresa, Eduardo Bartolomeu, mostrou que a chaga continua viva e em busca da redenção:
“A Vale está comprometida com a reparação integral de Brumadinho. Esta parceria inovadora firmada com o Instituto Inhotim visa ao desenvolvimento socioeconômico da região. Por meio dela, esperamos não apenas contribuir para garantir a sustentabilidade deste que é o maior museu a céu aberto do mundo, como também fomentar o setor turístico-cultural de Brumadinho, ampliar oportunidades de geração de renda e de acesso da população à arte, à cultura e à educação”.
QUEM É – O Instituto Inhotim é um museu de arte contemporânea e Jardim Botânico, localizado em Brumadinho (MG). Reconhecido como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) pelo Governo de Minas Gerais em 2008, é uma entidade privada, sem fins lucrativos, mantida com recursos de doações de pessoas físicas e jurídicas – diretas ou por meio das Leis Federal e Estadual de Incentivo à Cultura – pela bilheteria e realização de eventos. Idealizado desde a década de 1980 pelo empresário mineiro Bernardo de Mello Paz, do solo ferroso de uma fazenda da região nasceu, em 2006, um dos maiores museus ao ar livre do mundo.
Sua localização é privilegiada, entre os biomas da Mata Atlântica e do Cerrado. Cerca de 700 obras de mais de 60 artistas, de quase 40 países, são exibidas ao ar livre e em galerias em meio a um Jardim Botânico com mais de 4,3 mil espécies botânicas raras, vindas de todos os continentes.
*É Editor-Chefe de VALOR CULTURAL/Marketing Cultural, que têm entre seus propósitos dar visibilidade a bons projetos ou ações, valorizar empresas que praticam patrocínios conscientes e apontar aquelas que fingem ser o que não são no campo da Responsabilidade Social.
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