(Essa matéria foi publicada originalmente em 24 de janeiro de 2019 trazendo entrevista com um dos maiores especialistas em fundo patrimonial (endowment) no Brasil. Resolvemos republica-la para permitir, a quem não a leu, saber o que é necessário saber sobre esse mecanismo que tanto pode ajudar organizações sociais. Em algumas respostas, deve-se levar em conta a época em que foi publicada).
“Endowment é uma árvore em que, primeiro, você tem de plantar a semente e regar a semente, para que possa gerar frutos mais à frente”
Ricardo Levisky é fundador e presidente da Levisky Legado, empresa de consultoria especializada em sustentabilidade financeira para entidades que pretendam ter uma visão de longo prazo. Durante os últimos anos organizou e presidiu três Fóruns destinados a convencer empresários, filantropos, gestores culturais e, principalmente, instituições sem fins lucrativos, que a existência de fundos patrimoniais, conhecidos como endowments, é uma porta aberta para a segurança dos investidores e a perenidade das Organizações Sociais que tenham claro o que desejam para hoje e para amanhã.
De todos os depoimentos que já colhemos, tanto para a Marketing Cultural como para o Portal de Patrocinadores, considero este como um dos mais relevantes. Porque endowment é uma ferramenta importante para o mercado da cultura, especialmente, mas sobre a qual pesam muitas dúvidas – como é seu funcionamento, para quem serve, quais são as premissas e passos necessários para sua criação? – todas dirimidas neste post. Levisky toca na ferida da falta de visão de longo prazo, calcanhar-de-aquiles da mentalidade brasileira, concorda que a lei Rouanet, tão necessária para a cultura nacional, pode ter atrapalhado a mecânica de doação de pessoas físicas e jurídicas para entidades ligadas ao setor , e, mais importante, desmistifica a ideia de que fundo patrimonial só serve para grandes instituições.
Para as pequenas e médias, cita um exemplo prático:
“Vamos pegar um museu de pequeno porte. Quanto eu vou precisar de dinheiro amanhã? O primeiro passo é olhar o orçamento de forma macro; isso é muito difícil no Brasil porque a gente não tem essa mentalidade. Nossa mentalidade é muito de projeto. Porque, geralmente, esse gestor não faz isso? Por que ele se assusta com o valor. Puxa, já está difícil levantar 500 mil reais e vou ter que levantar 5 milhões? Mas a questão é que é mais fácil levantar 5 milhões quando você tem a visão de longo prazo, inclusive tentando atrair algum dinheiro que é o dinheiro de longo prazo, do que se ficar apenas no projeto”.
A conversa com Ricardo Levisky foi realizada em dezembro, por isso, durante alguns trechos, ele cita a Medida Provisória assinada pelo presidente Michel Temer, resultante da tragédia que destruiu o Museu Nacional ano passado, e que foi transformada em lei dia 4 de janeiro último, com uma vantagem única para a área cultural: os investidores poderão, agora sim, se valer da lei Rouanet para aplicar nos Fundos.
Leia também: Por Que A Lei do Endowment É Uma Excelente Notícia Para A Cultura?
O consultor acredita que os gestores de entidades brasileiras precisam deitar no divã e fazer uma autoanálise, argumenta que existe sim uma cultura doadora no País, pede o fim do imposto sobre doação e deixa um recado para pessoas físicas e patrocinadores.
Preferimos oferecer o depoimento de Ricardo Levisky em formato de vídeo em vez de texto. Ele foi dividido por tópicos para facilitar a compreensão.
Esse material estará disponível para todos durante uma semana, e depois fará parte da galeria exclusiva de nossos assinantes – como todas as outras matérias especiais – acrescido da íntegra do texto e do vídeo completo.
Conheça agora o que é importante saber sobre endowment:
1 – Dúvidas das médias e pequenas instituições
Levisky abre seu depoimento respondendo à seguinte questão: entidades médias e pequenas acham que o fundo patrimonial só serve para as grandes instituições. Qual mensagem é importante passar para elas?
2 – Por que o endowment é para todos?
Após elencar as premissas necessárias para a criação do fundo, Ricardo Levisky mostra porque ele serve para todos e não apenas para as grandes. E o segredo está que o volume de dinheiro necessário para criação do Fundo será de acordo com o tamanho da instituição.
3 – Qual maior desafio a enfrentar?
Quais são os desafios que organizações menores terão de enfrentar para a criação do endowment, quando a maioria não sabe por onde começar a buscar o dinheiro? Levisky cita o que considera o maior deles.
4 – Premissas para primeiros passos
Levisky aborda sobre três pontos essenciais para se saber se a entidade está apta a formar seu fundo patrimonial e lembra que o ponto fundamental é a sustentabilidade a longo prazo. E enfatiza que o endowment não funciona para instituições personalistas, tais como a orquestra do maestro, o Museu do curador…
5 – Exemplos práticos
Neste trecho são dados exemplos práticos sobre os primeiros passos para a formação do fundo patrimonial. E explica porque é mais fácil levantar 5 milhões quando se tem visão de longo prazo, do que buscar dinheiro apenas para um projeto.
6 – Sobre o conceito de legado
Levisky afirma que o conceito de legado está intrinsecamente ligado ao conceito do endowment e cita que também existem casos de fundos temporários, especialmente em entidades personalistas. Essas, geralmente familiares, não possuem o conceito, pois ele só faz sentido se for ligado à instituição.
7 – Sobre a experiência do MASP
O Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand é uma das mais importantes instituições culturais brasileiras e está sendo a primeira, dentro de seu perfil, a adotar o fundo patrimonial com visão de futuro. Levisky fala sobre essa experiência.
8 – Sobre os Fóruns
A Levisky Legado comandou a realização de três Fóruns para falar sobre fundo patrimonial – um deles internacional – com apoio do BNDES, Caixa e Petrobras. O primeiro, realizado em 2016, foi voltado, principalmente, para a amplitude de causa, já que a maioria dos endowments era focada apenas na educação.
Nesse trecho, Levisky responde: após a realização dos Seminários, o que mudou?
9 – Mudança de rota no segundo Fórum
Levisky conta que o segundo Fórum teve mudanças no meio do caminho em função do incêndio ocorrido no Museu Nacional, e conta como foi o encontro com o presidente Michel Temer que originou a criação da Medida Provisória (que recentemente virou lei).
10 – Desmistificar a construção
O terceiro ponto importante citado por Levisky foi oferecer às instituições um passo-a-passo para a criação de um endowment, mostrando que ele é muito mais simples do que possa parecer. E cita exemplo de empresa que aplica em um projeto e depois o vê desaparecer quando deixa de apoiar.
11- Sobre necessidade de boa gestão
Um dos grandes problemas das instituições do 3º Setor está na falta de boa gestão, problema crônico no Brasil que não afeta apenas essa área. E dá receita para o sucesso. Entre os fundos públicos, alerta que a política acaba interferindo e isso gera grandes problemas.
12 – Comparação entre endowment brasileiro e americano
Os Estados Unidos têm uma cultura consolidada de apoio às artes e a fundos patrimoniais por meio de incentivos fiscais, mas esse não é o único fator relevante. Levisky cita o retorno para a sociedade advindo da melhoria da qualidade de seu entorno e dá exemplos nos Estados Unidos e Brasil sobre como os benefícios podem não ser somente fiscais.
13 – Doações e potencial gigantesco
Levisky mostra que a cultura da doação está no DNA do brasileiro e dá como exemplo pesquisa realizada em 2015, ano em que Pessoas Físicas doaram 6 bilhões a mais do que Pessoas Jurídicas para o 3º Setor. E explica porque as famílias com muito dinheiro não doam e preferem criar Fundações próprias.
14 – Contribuição da lei Rouanet (para o bem e para o mal)
Na pesquisa citada por Levisky no tópico anterior, dos 13 bilhões aplicados por Pessoas Físicas em 2015, a cultura não esteve entre os 15 maiores destinos da doação. Por que isso? Será que a lei Rouanet, que é a maior ferramenta de desenvolvimento da cultura nacional, não viciou o mercado e doadores de forma a verem nela o único caminho de apoio a esse setor?
15 – Recado final. É preciso deitar no divã
Na fala de encerramento, Ricardo Levisky afirma que as instituições precisam ter a coragem de deitar no divã, porque endowment nada mais é do que deitar no divã e se autoanalisar: “o endowment é uma consequência de uma autoanálise”. Defende a extinção do imposto sobre doação e deixa um recado para doares e patrocinadores.
JÚBILO – Após a publicação da lei, Ricardo enviou o seguinte comentário:
“A aprovação da Lei dos Fundos Patrimoniais é uma conquista para todos os brasileiros e será fundamental para mudar a cultura de doação no Brasil e a perspectiva de geração de legado por parte de instituições perenes.
A notícia é extremamente positiva, pois considera a amplitude de causa atendendo as áreas da cultura, meio ambiente, educação, entre outras. Outra característica importante a ser enfatizada é que a lei garante uma blindagem jurídica para o fundo, dando segurança aos doadores e incentivando as instituições a terem um planejamento financeiro visando o longo prazo de forma institucionalizada.
A lei traz ainda uma boa notícia para a cultura, uma vez que é a única área que contará com incentivo fiscal, uma vez que foi aprovada a utilização da lei Rouanet para endowments.”
Sobre Porto Maravilha
No item 10 do vídeo, Ricardo Levisky cita que ainda não foi feito um levantamento comparativo entre o valor do m² no período de lançamento do Museu do Amanhã e do MAR no Porto Maravilha, no Rio de Janeiro, e agora.
Embora o princípio conceitual citado por Levisky seja válido, a forte crise econômica ocorrida no Brasil a partir de 2014 prejudicou a comparação entre a iniciativa brasileira e o Central Park, conforme levantamento feito pela Marketing Cultural.
Em 2012 o presidente da Ademi (Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário), José Conde Caldas., estimava que os primeiros lançamentos do Porto ficariam numa faixa entre R$ 12 mil e R$ 14 mil o metro quadrado para aluguel. “Dentro de cinco anos, o valor pode subir para R$ 20 mil, já que o investidor de imóveis vai puxar o preço”, disse na época.
Porém, esse otimismo não se realizou. Em 2018, por exemplo, o prédio Port Corporate Tower foi vendido ao Bradesco pela Tishman Speyers ao preço de 10.307,56/m², conforme informou a SiiLA Brasil, pertencente à SiiLA (Sistema de Informação Imobiliária Latino Americano), que possui uma base de dados sobre os imóveis corporativos da América Latina, que podem ser acessadas de qualquer lugar do mundo pelo portal www.siila.com.br. Para isso possui equipe de pesquisa dedicada à apuração e veracidade das informações.
Analistas da SiiLA informaram que as expectativas para a região do Porto eram promissoras desde que todos os investimentos de obras e serviços – e, portanto, uma reurbanização da região – tivessem sido concluídos junto ao processo de construções de novos empreendimentos de todos os investidores da região portuária.
No final de 2017 estava previsto para ser entregue, até 2023, mais de 680 mil m² de empreendimentos de alto padrão; agora a previsão para até 2023, de novas entregas, caiu para um pouco mais de 225 mil m².
Esses dados mostram que muitos projetos foram adiados e os investidores estão aguardando uma consolidação do cenário econômico nacional e, principalmente, do Estado do Rio de Janeiro. O mercado aguarda, também, uma resposta positiva nos setores de serviços e infraestrutura pública e privada na região do Porto, que devem, aos poucos, abastecer a região, acompanhando as ocupações que, em 2018, somaram mais de 60.000 m² de escritórios.
A pedido da Marketing Cultural, a SiiLA Brasil enviou um gráfico analisando o comportamento do mercado imobiliário desde 2015, naquela região, com base em valores pedidos pelos proprietários para aluguel.
Os números (coletados a partir de 2015, quando a SiiLA se instalou no Brasil), mostram que, até agora, o setor ainda não conseguiu retornar ao patamar registrado naquele ano.
*É Editor-Chefe de VALOR CULTURAL/Marketing Cultural e Perfil de Patrocinadores, que têm entre seus propósitos dar visibilidade a bons projetos ou ações, valorizar empresas que praticam patrocínios conscientes e apontar aquelas que fingem ser o que não são no campo da Responsabilidade Social.
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