O colunista Ancelmo Gois, do jornal O Globo, noticiou que as obras internas do Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro, foram retomadas, desta vez pelo consórcio Copacabana, formado pelas construtoras R@X e Tangran Engenharia, que venceu a licitação realizada em agosto, no valor de R$ 68,8 milhões.
Nova licitação será em 24 de outubro para complementação e revitalização da parte externa do prédio, com conclusão prevista em até 12 meses. O Estado será responsável pelos R$ 13,3 milhões aplicados, assim como nas obras internas, que incluirão projetos de acústica, redes hidráulicas e elétricas, iluminação, sistemas de ar-condicionado, pressurização das escadas sistema de incêndio e paisagismo, com prazo de conclusão em 10 meses.
Mas é difícil acreditar que desta vez as obras serão terminadas – afinal, desde 2010 a falta de planejamento adequado, má gestão e desperdício do dinheiro público, pairam ainda como uma nuvem densa e escura sobre a construção desse edifício que ao final, se houver, consumirá cerca de R$ 150 milhões em investimentos conhecidos e outros tantos milhões que não se pode confirmar.
Criado em 1965, o MIS mantém duas sedes, uma na Lapa e outra na Praça Quinze, no Centro. A ideia de criar um novo espaço para o museu surgiu em 2008. O lugar escolhido foi o terreno que abrigava a antiga discoteca Help, no número 3.432 da Avenida Atlântica.
Prometido para ser um marco cultural e arquitetônico na orla de Copacabana, o pontapé inicial para sua construção foi dado pela Fundação Roberto Marinho, que em 2010 teve projeto aprovado pela lei Rouanet no total de R$ 37 milhões e captou R$ 36 milhões com o seguinte objetivo:
“Construção de nova sede para o Museu da Imagem e do Som (MIS), com 9.800 m2, na Av. Atlântica, n 3432, em Copacabana, Rio de Janeiro, e implantação no interior da nova edificação de espaços expositivos, salas educativas, centro de pesquisa, salas para guarda e conservação do acervo, espaços comerciais (café, restaurante e loja) e espaços culturais (teatro de 300 lugares, cinema ao ar livre e mirante), totalizando 850 dias de execução”.
O escritório de arquitetura americano Diller Scofidio + Renfro foi o vencedor do Concurso de Ideias, realizado para escolher o projeto arquitetônico da nova sede do Museu. O anúncio foi feito em agosto de 2009, no Palácio Laranjeiras, pelo governador Sérgio Cabral, na presença da secretária estadual de Cultura, Adriana Rattes, e do secretário-geral da Fundação Roberto Marinho, Hugo Barreto.
Até hoje a Fundação Roberto Marinho está encrencada com esse projeto. Em 17 de julho de 2015 ela apresentou prestação de contas; em 26/07/2021 teve a prestação de contas desaprovada com notificação de cobrança; em 29/07/2021, além das contas reprovadas, teve inabilitação prescrita e, em 05/08/2021 a entidade entrou com recurso administrativo. A avaliação dos resultados começou a ser feita em 24/08/2024 por parte do Ministério – o pedido de revisão, portanto, está em análise.
Esse foi o início da saga. Nessa primeira leva de patrocinadores, que aplicaram exatamente R$ 36.255.500,30, as empresas do grupo Globo foram as maiores colaboradoras – do total investiram R$ 18.824.172,37, por meio de Globo Comunicações e Participações (7.574.172,37), Globosat Programadora (9.550.000,00), Horizontes Conteúdos (700.000,00), Infoglobo Comunicação e Participações (700.000,00) e Distel Holding (300.000,00).
(Detalhes: a Distel Holding, então conhecida como Globocabo, aplicou no projeto R$ 300 mil no dia 23 de dezembro de 2010 e seu CNPJ foi dado baixa na Receita Federal no dia 31 do mesmo mês daquele ano, por incorporação). Horizontes Conteúdos (Globosat) e Infoglobo foram baixadas em 2018; a Infoglobo em 2020).
Mas outras empresas também acreditaram na iniciativa, especialmente o Grupo Itaú, que utilizou a Cia Itaú Securitizadora de Créditos Financeiros, a Itaú Corretora de Seguros e a Itaú Vida e Previdência para destinar R$ 6,3 milhões. A Natura contribuiu com R$ 2 milhões e a Vale com R$ 7 milhões. A IBM também investiu R$ 2 milhões por meio da IBM Brasil e IBM Leasing.
Mas o projeto foi arquivado.
DE NOVO – Outra tentativa começou em 2012, com o seguinte escopo:
“Execução da produção de todos os conteúdos que irão compor as exposições de longa duração; aquisição de mobiliário e equipamentos de luz para o cine-teatro-auditório, e para as áreas administrativas da nova sede do Museu da Imagem e do Som (MIS), com 9800 m2, na Av. Atlântica, nº 3432, em Copacabana, Rio de Janeiro, totalizando 450 dias de execução”.
Desta vez foram solicitados R$ 21 milhões, houve readequação para R$ 19 milhões e efetivamente foram captados R$ 17.031.092,07.
E novamente o grupo Globo foi investidor majoritário por meio da Globo Comunicações e Participações (3 milhões), Globo Programadora (1,4 milhão) e Horizontes Conteúdos (2,75 milhões).
Dessa vez a participação do Itaú limitou-se aos R$ 2,6 milhões aplicados pela Dibens Leasing. IBM Brasil contribuiu com R$ 3 milhões e a Natura foi quem mais aportou verba individualmente: R$ 4,1 milhões.
Esse projeto ainda está ativo, mas o prazo de captação foi encerrado. O período de execução vai até 31 de dezembro de 2025.
Nesse meio tempo, outro projeto foi registrado e ainda está com prazo de execução em aberto até o final de 2025. Trata-se do Museu da Imagem e do Som – Implantação do Parque Tecnológico.
Foi aprovado em 2014 com o seguinte objetivo:
“Execução de ações relativas à implantação de estrutura tecnológica para as exposições e para o lançamento da nova sede do Museu da Imagem e do Som (MIS), no Rio de Janeiro”.
Valor inicial proposto e aprovado foi de R$ 11 milhões, houve readequação para R$ 19 milhões e efetivamente captado R$ 16,7 milhões, com período ainda em aberto para captação.
A colaboração de empresas foi semelhante aos anos anteriores, mas sem a participação do grupo Itaú e sem Vale, que contribuiu apenas no processo inicial.
Desta vez participaram Globosat Programadora (10,6 milhões), Horizontes Conteúdos (1,3 milhão), além de IBM Brasil (1 milhão) e Natura (3,7 milhões).
Em matéria publicada pela Folha de S. Paulo, assinada pelo jornalista Ítalo Nogueira em 9 de abril de 2023, a Fundação Roberto Marinho afirmou que questionamentos sobre a obra só poderiam ser respondidos pelo governo estadual. A instituição disse apenas, por meio de uma nota, que investiu R$ 71 milhões no projeto por meio de leis de incentivo fiscal. (Ressalva de Valor Cultural: na verdade a Fundação foi a captadora de recursos; os investimentos foram feitos por companhias do Grupo Globo e outras citadas acima).
“Esses recursos foram aplicados nas obras de fundações e estrutura do prédio e também nas ações de conteúdo e expografia, tais como a produção audiovisual dos filmes e objetos a serem exibidos no museu, a aquisição dos equipamentos e implementação da acessibilidade, comunicação e sinalização”, informou a nota.
IMPASSE – Quatorze anos depois da aprovação do primeiro projeto, o Museu da Imagem e do Som tornou-se um símbolo de ineficiência e desperdício.
Para entender a complexidade desse impasse, é preciso desvendar os diversos fatores que contribuíram para a paralisação:
- Problemas de projeto: Desde o início, o projeto original apresentou dificuldades de execução, com soluções técnicas complexas e materiais especiais que demandaram longos prazos de entrega e altos custos.
- Questões financeiras: A obra sofreu com sucessivos cortes orçamentários, tanto por parte do governo estadual quanto da esfera federal. A instabilidade econômica e a crise financeira que atingiram o país nos últimos anos agravaram ainda mais a situação.
- Mudanças de gestão: A troca frequente de governos e secretários de cultura resultou em interrupções constantes nos trabalhos e em divergências quanto às prioridades e à viabilidade do projeto.
- Impasses jurídicos: A obra foi alvo de diversas ações judiciais, que questionavam desde a regularidade do processo licitatório até a adequação do projeto às normas ambientais.
- Dificuldades na execução: A complexidade da obra, aliada à falta de planejamento e à má gestão, resultou em diversos problemas durante a execução, como atrasos na entrega de materiais, falhas na execução de serviços e necessidade de retificações no projeto.
- Vandalismo e deterioração: Durante os longos períodos de paralisação, a obra ficou exposta às intempéries e à ação de vândalos, o que acelerou o processo de deterioração dos materiais e equipamentos.
Milhões de reais foram investidos em uma obra ainda inconclusa, gerando enorme prejuízo para os cofres públicos. E outros milhões serão.
Longe de ser caso isolado, ele reflete problemas profundos que acometem a gestão pública no Brasil. A falta de planejamento, a corrupção, a burocracia excessiva e a instabilidade política são apenas alguns dos fatores que contribuem para a demora na execução de obras públicas e para o desperdício de recursos.
A conclusão da obra do MIS é fundamental para a cidade do Rio de Janeiro e para o país como um todo. No entanto é preciso que haja mudança radical na forma como as obras públicas são planejadas e executadas no Brasil. Não há, porém, muita esperança quanto a isso.
Mas é importante lembrar que as empresas patrocinadoras também são responsáveis quando investem reiteradamente em projetos com históricos complicados.
Afinal, quando usam lei de incentivo, se o dinheiro não é delas, deveriam, pelo menos, ter mais zelo com sua imagem pública.
*É Editor-Chefe de VALOR CULTURAL/Marketing Cultural, que têm entre seus propósitos dar visibilidade a bons projetos ou ações, valorizar empresas que praticam patrocínios conscientes e apontar aquelas que fingem ser o que não são no campo da Responsabilidade Social.
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