EDISCA: Foco na Arte para Atingir a Vida

Quem nunca apostou todas as fichas em um sonho? Nossos objetivos nem sempre são fáceis de alcançar, especialmente quando se trata de projetos culturais. Falta de apoio financeiro, capacitação, oportunidade… muitas trajetórias não conseguem ter seus caminhos marcados pelo sucesso. No caso desta Seção, “Histórias que deram certo”, não falaremos de derrotas ou desistências; buscaremos, sempre, memórias que nos inspirem a não desistir.

Esse é o caso do nosso primeiro exemplo: a EDISCA (Escola de Desenvolvimento e Integração Social para Criança e Adolescente). Fundada em 1991 pela bailarina Dora Andrade, tem a missão de promover o desenvolvimento humano de crianças, adolescentes e jovens de comunidades em circunstâncias de vulnerabilidade social de Fortaleza, Ceará. Em seu primeiro ano de funcionamento, o centro de convivência atendia 50 alunos; hoje comporta até 400 entre crianças, jovens e adolescentes.

Jangurussu passou por diversas cidades do Brasil e arrebatou o público nacional e internacional. (Imagem de Mila Petrilo).

A educação com foco na arte é o principal pilar da escola. Além de atividades artísticas, a EDISCA também promove serviços pedagógicos e sociais. Em 2000, quase fechou as portas por falta de apoio. Em 2012, recebeu dois grandes prêmios da presidência da República – o Mérito Cultural, maior comenda da cultura no Brasil, e o Prêmio ODM (Objetivo do Desenvolvimento do Milênio), com o programa Vida Feminina, onde mulheres têm acesso à educação e profissionalização. E há muitos anos é referência inspiradora no Brasil e exterior.

Mas como foi a trajetória da EDISCA nestes 25 anos? Quais foram os obstáculos para manter esse projeto em pé, sem desistir? Convidamos a própria fundadora da escola, Dora Andrade, a contar sobre dificuldades superadas (e outras nem tanto) e que se revelaram tão comum para quem necessita financiar projeto cultural no Brasil.

LIXÃO – O espetáculo de dança Jangurussu, baseado no maior aterro sanitário de Fortaleza, de onde surgiu o nome do espetáculo, foi o grande divisor de águas para a EDISCA. Formado por alunas da escola, e estreado em 1997, Dora conta que muitos parceiros acharam “loucura” fazer um espetáculo com este tema. As meninas do balé se apresentavam em farrapos, remetendo às pessoas que viviam no lixão. No segundo dia de apresentação a casa estava lotada e com sessões extras. Era a primeira vez que a escola cobrava por ingressos; anteriormente as apresentações eram gratuitas e destinadas somente às comunidades assistidas pelo projeto.

“Consequência foi que o aterro foi desativado pelo constrangimento das condições do local e criaram uma fábrica de processamento de lixo.

Dora Andrade

Jangurussu passou por diversas cidades do Brasil e arrebatou o público nacional e internacional. Além de elevar a autoestima da escola, o espetáculo fez com que as pessoas enxergassem o aterro e, principalmente, as condições sub-humanas de quem ali habitava, como explica Dora: “Foi super bacana, além da autoestima para a escola, também passaram a notar e saber da realidade do lixão. Uma consequência foi que o aterro foi desativado pelo constrangimento das condições do local e criaram uma fábrica de processamento de lixo. Por coincidência, por conta de um documentário estrangeiro, eu voltei ao Jangurussu e fiquei abismada: mesmo não tendo mais lixão, as condições são iguais, as pessoas continuam vivendo do lixo, mudou muito pouca coisa na condição humana daquela população”.

Além da dança, a escola oferece aos alunos cursinho para vestibular, onde conseguiram quebrar paradigmas, principalmente os de que esses jovens não conseguem frequentar universidade. Afirma Dora: “Hoje temos ex-alunos que estão cursando educação física, dança, fisioterapia, enfermagem, engenharia. Demorou tempo para isso. Fizemos uma pesquisa na época que se olhássemos a árvore genealógica dessas pessoas que passaram pela escola, ex-alunos e alunos, e que conseguiram adentrar em uma universidade, elas são a primeira pessoa a conseguir esse feito dentro da família”. Muitas dessas crianças, após o curso, viraram professores, educandos, dançarinos, algumas têm seu próprio projeto social ou companhia de dança e são reconhecidos em suas áreas, não necessariamente ligadas a arte.

O corpo de baile formado por 30 meninas, em 1997, se transformou em 50 jovens atualmente, entre meninas e meninos. A escola aumentou sua infraestrutura para atender até 400 crianças carentes e conseguiu transformar seu trabalho em verdadeiros milagres nas vidas desses jovens. Cerca de 78% das crianças que entram para a EDISCA, pertencem a famílias classificadas abaixo da linha da pobreza. A realidade delas é grave e muitas vezes sem esperança de um futuro promissor.

Porém, obstáculos estão sempre no caminho de quem trabalha com captação de recurso para projetos culturais. Por falta de apoio, a escola passou seus últimos 5 anos funcionando com capacidade inferior ao que o local suporta. É preciso poder investir em equipe, capacitação, infraestrutura, bons profissionais. A crise econômica, principalmente no Terceiro Setor, é real, e a EDISCA é exemplo semelhante a tantos projetos que também sofrem com os cortes. Este ano a escola conseguiu o apoio do Governo do Estado do Ceará e voltará a funcionar plenamente para as 400 crianças e 100 mulheres.

CAPTAÇÃO – Mas o que pensa Dora Andrade sobre captação de recurso e iniciativa privada como patrocínio e apoio? Três anos após o espetáculo Jangurussu (1997), a escola quase fechou as portas por falta de verba. Assim como para a maioria dos projetos, as leis de incentivo à cultura se tornaram o principal meio de viabilização. Com relação a este assunto, Dora é arrebatadora:

“…a maior parte dos investimentos que você consegue hoje, junto ao mundo empresarial, é através de leis de incentivo, leis estaduais, lei Rouanet… quem tá abrindo mão do recurso é o governo federal ou estadual e isso é profundamente diferente do empresário colocar a mão no bolso e tirar do dinheiro dele”.

O apoio não precisa ser através do investimento de verba direta. Muitos tipos de parcerias podem ser formados dentro de projetos como este. Hoje a EDISCA possui muitos apoiadores, entre eles escolas de ensino reconhecidas que cedem bolsas de estudo, empresas de gestão de negócios que prestam consultoria, e a principal delas, o Instituto Ayrton Senna, que ajudou não só financeiramente, mas também na capacitação da equipe, ponto importante para o mercado cultural.

Assim como é recorrente na área, Dora também iniciou sem nenhuma instrução e hoje, enfatiza que a capacitação é fundamental para continuar fazendo um trabalho que gere frutos positivos.

“É preciso investimento intelectual, técnico, financeiro para realizar o trabalho com mais competência. Hoje o tempo que uma criança passa na EDISCA é de 4 anos e meio e não pegamos esta criança em situações normais. Nós temos que dar o máximo de nós para poder impactá-la profundamente neste tempo, poder ajudá-la a fazer as melhores escolhas, a desenvolver habilidades, transformar o futuro dela”.

Ainda sobre a trajetória da EDISCA e a relevância em ter uma equipe capacitada, Dora reforça a necessidade de estar sempre se renovando e se instruindo no setor: “Nós fomos aprendendo, melhorando técnicas de captação, melhorando a formulação dos projetos. Hoje temos ações para a sustentabilidade da escola, editais que fazemos semanalmente, aplicamos vários projetos, usamos as leis de incentivo, estudamos muito e, geramos um percentual, ainda insuficiente, mas com de cerca de 15% que vem da comercialização dos espetáculos, e isso tem ajudado muito. Também fazemos outras atividades como bazar. É uma eterna ginástica, nós não perdemos nenhuma oportunidade em captar, principalmente nestes últimos dois anos, atípicos, onde a crise está realmente complicando muito”.

De fato, buscar capacitação para projeto cultural não é fácil – requer persistência e coragem. É preciso estar sempre em dia com o mercado e agarrar todas as oportunidades possíveis. As trajetórias mudam, a todo tempo, mas o principal sentimento continua: o amor pela transformação. Mesmo diante de todos os obstáculos para conseguir manter a EDISCA, Dora Andrade não hesita em dizer que transformar a vida desses jovens é dar sentido à vida e destaca que é preciso mais gente no setor: “…não existe nada neste mundo que valha mais a pena do que trabalhar na área social. Precisamos que mais gente entre no setor, pois este trabalho dá, realmente, sentido à vida. Trabalhar para os mais frágeis é fundamental. Essas crianças são muito vulneráveis e nós temos muitos problemas em todo o Brasil que precisam ser olhados e ser cuidados”.

 VEJA REPORTAGEM SOBRE A EDISCA FEITA HÁ 25 ANOS PELA REVISTA MARKETING CULTURAL 

Conheça mais sobre a EDISCA e suas ações em seu canal: https://goo.gl/18zoES (YouTube)

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