Essas Casas Uniram o Melhor de Dois Mundos Para Um Comércio Sustentável

Eduardo Martins*

Numa tarde serena de domingo estava eu bisbilhotando a Internet para ver se achava algo interessante para escrever. O resultado da descoberta vocês lerão agora, pelo menos aqueles que tiverem interesse genuíno pela Sustentabilidade.

De um lado existe uma organização comercial que emprega 40 mil pessoas, possui 100 milhões de clientes, mais de 1.000 lojas, 30 centros de distribuição e um canal online que vende “de alfinete a foguete”.

De outro, uma empresa criada há sete anos para ser o elo entre produtores de artigos sustentáveis e sua capacidade de subsistência. Uma startup do bem.

Personificada pelo Grupo Via e pela Pangeia – cujo nome remete à época em que todos os continentes formavam um só bloco de terra – a união de interesses e filosofia comuns resultaram em um lugar onde o comércio tem valor além e acima do financeiro.

“A gente sabe que, muitas vezes, o pequeno produtor no Brasil tem dificuldade com logística, com preço de frete, com acesso à tecnologia, às vezes é um aspecto cultural, às vezes é um aspecto financeiro, mas o fato é que o pequeno não tem esse acesso. Então a Pangeia se voltou para esse lado, para tentar ajudar através de vários outros parceiros da nossa rede. A Via, quando encaixa com a gente, traz uma segunda esfera, essencial, que é a conexão direta com o consumidor final, que é uma capacidade de divulgação, de entrega de produtos, pois ela tem a maior logística do Brasil. Então, quando a gente se encaixa, une o melhor de dois mundos, que é o nosso enfoque do lado do produtor, da cadeia, e a Via, olhando para o consumidor final, com a estruturação, com as redes dela”.

Esse resumo de interesses foi feito por Gustavo Peixoto, CEO da Pangeia, para ilustrar a parceria que resultou na criação de um marketplace diferente, um marketplace sustentável, hospedado no canal de vendas da Casas Bahia, pertencente ao Grupo Via.

Vanessa Romero, Gerente da Fundação Casas Bahia

“A gente aqui, como uma grande corporação, um dos aspectos que avaliamos são essas oportunidades de parceria com startups que tenham relação com o nosso negócio. E, dentro da área de sustentabilidade, além de ter uma correlação com o negócio, eu tenho que ter uma correlação com essa questão da sustentabilidade. E aí, como parte desse processo de analisar o mercado e avaliar as startups, nós encontramos a Pangeia, que trazia exatamente uma proposta de ter um marketplace que pudesse trazer a conexão que a gente atua no e-commerce, que tem uma rede gigantesca aqui de células que trabalham conosco como parceiros, mas eles tinham esse diferencial”.

O diferencial a que Vanessa Romero se refere é a possibilidade de ter um canal de vendas de produtos sustentáveis com curadoria feita pela Pangeia, que também sustenta seu próprio marketplace, que, para quem não sabe, já que nosso amor pelo anglicismo ainda não permitiu criar nome equivalente em português, abriga diversos produtos e marcas em um só lugar – é um local de compra e venda que reúne diferentes vendedores.

Vanessa é Gerente da Fundação Casas Bahia e de Sustentabilidade do Grupo Via. Ela e Gustavo Peixoto dedicaram parte de seu tempo para explicar como a parceria funciona, como a Pangeia analisa o que considera produto sustentável, como ela contribui para capacitar pequenos produtores e como o marketplace da Casas Bahia agregou capacidade de gerar venda de seus produtos para o Brasil inteiro.

Fiquei particularmente interessado na filosofia e definição de conceitos que ambos reconheceram como comuns, particularmente com a visão sobre agenda ASG e que se coaduna perfeitamente com o que penso, tantas vezes já expressada em diversos artigos neste canal.

  Afinal, Por Que Não se Publica Mais Balanço Social Corporativo?

Explicou Gustavo:

“Pelo menos na visão da Pangeia, e a gente bate muito nessa tecla, ASG é uma agenda que vem de um mercado com viés político e econômico, ou seja, de adequação de empresas, de momento industrial, etc., e a gente enxerga muito a sustentabilidade como algo que precisa vir de dentro. É um aspecto de consciência na forma como a gente lida com o planeta. Cada ser humano pode ser sustentável nos seus hábitos, na sua concepção de como viver a vida no seu estilo de vida e a sustentabilidade é o caminho intrínseco. ASG daqui a pouco se transformará num outro rótulo, vai mudar de nome, vai passar por várias transformações e, faz parte, o mercado é assim, mas o que a gente tem que propor e conectar com a nossa cadeia é com o lado humano. Mais do que avaliar a frieza dos números, eles têm que sentir a confiança e sentir em nós, Via e Pangeia, o parceiro ideal para olhar a prosperidade do negócio dele no médio e longo prazo”.

E conclui:

“A gente acaba importando grande parte dessa orientação macro lá fora, em países onde o aspecto social é mais bem desenvolvido. Eles olham muito para o meio ambiente porque o social já está avançado. A gente importa também essa prioridade e, na verdade, quando a gente olha para o Brasil, deveria ser muito claro, sempre, que o social deveria estar em primeiro lugar, porque se tem alguém passando fome do nosso lado, não tem acesso a alimentos, não faz o menor sentido a gente priorizar o amparo à Amazônia, por exemplo, sem desmerecer, obviamente, porque é tão importante manter a Amazônia quanto qualquer outro bioma, mas é preciso olhar o produtor social com todo o carinho”.

COMO FUNCIONA – No marketplace da Casas Bahia podem ser encontrados produtos como geleia natural de frutas da Amazônia, batons naturais inspirados em flores, móveis feitos à mão com madeira de reflorestamento, revestimentos de parede sustentáveis feitos com resíduos de papelões, serragem e papel, absorventes ecológicos, entre cerca de 500 itens expostos por mais de 30 marcas.

O ecossistema de produtos sustentáveis está estruturado nas quatro macrocategorias da Pangeia: Da Terra, junto com o Instituto Conexões Sustentáveis (Conexsus); Da Floresta, com enfoque em produtos desenvolvidos por povos originários, feitos com a essência brasileira; Ecoshop, voltado para fabricantes e artesãos de produtos ecológicos e sustentáveis orientados ao consumo consciente; e Causas, com iniciativas criadas e geridas em prol do desenvolvimento social e ambiental.

No final de abril último, para celebrar o Dia Nacional da Caatinga (28), a Casas Bahia anunciou a parceria com projeto Meu Mandacaru, que reúne produtos feitos à mão por artesãs do Piauí. Ele valoriza o trabalho de mulheres que criam itens de decoração e acessórios inspirados no mandacaru, planta encontrada naquele bioma exclusivamente brasileiro e que é símbolo da resiliência sertaneja. O trabalho impulsiona a cultura local por meio da geração de renda, resultante de produções artísticas. Meu Mandacaru se tornou o “xodó” de Gustavo Peixoto.

Como ele mesmo explica, um dos aspectos fundamentais da Pangeia é a curadoria sustentável, pois só entram na loja aqueles produtos que passam por um crivo, uma análise detalhada das várias possibilidades que caracterizam um produto como sustentável. Ele pode ter a sustentabilidade de forma intrínseca, ou seja, os materiais feitos são sustentáveis, o modo de fabricação, ele pode conter na cadeia dele um transporte já considerado verde e ele pode ter um benefício, um impacto na sustentabilidade.

“Exemplo prático, só para fim de ilustração: você tem uma série de descartáveis de uso único e você tem produtos que são feitos para serem duráveis. Então, algum produto se torna sustentável pelo impacto que ele causa, no abatimento de consumo de descartáveis de uso único, por exemplo. A imensa maioria dos clientes são aqueles que não têm um volume muito grande e, às vezes, têm um certo receio de entrar, mas quando olham para parceria com a Via tem todo o interesse do mundo em entrar na Casas Bahia, entrar na nossa loja. E a partir daí a gente vai fazendo essa integração junto com a Via, vai criando um planejamento e uma execução que envolve a comunicação mensal”, explica Gustavo.

Ouça a resposta completa:

 

QUESTÕES RELEVANTES – Vários pontos importantes foram revelados nessa entrevista, envolvendo mentoria, escolha, parcerias, modelo de negócio, valores que cabem ao produtor e ao vendedor, selo de qualidade e a visão política sobre sustentabilidade.

Abaixo estão o resumo de algumas respostas e, em algumas delas, completas em formato de áudio para a total compreensão.

EDUARDO MARTINSComo é feita a escolha dos projetos? Vocês procuram ou são produtores que se apresentam?

GUSTAVO PEIXOTO – Dos vendedores acontece das duas formas. Em condições normais, a Pangeia está sempre prospectando o mercado para identificar produtos que tenham tanto o aspecto da sustentabilidade como de complementariedade de mix. Estamos sempre buscando ter uma oferta estruturada, e, hoje, há numa razoável gama de oferta de diversas categorias diferentes e a gente está sempre buscando outras. Esse é o caminho mais usual, mas é natural, pelo fato de a Via ter uma atuação muito forte no mercado, quando alguns fabricantes descobrem o marketplace sustentável, entram em contato com a Via, que normalmente faz a ponte com a gente também. E aí a gente começa a atuar, conversa com o parceiro, ele preenche uma série de cadastro para a gente entender o aspecto da curadoria e se, de fato, faz sentido, e fazer sentido, como eu falei, tem tanto a ver com os critérios intrínsecos do produto, que tem a ver com logística, tem a ver com o impacto do benefício que o produto causa, como tem aqueleles aspectos também de complementariedade de mix. Então esses dois caminhos são possíveis, mas na maioria das vezes esse produtor bate na porta da Pangeia.

EME, nessa operação, quanto fica da venda para o produtor?

Gustavo: “Produtor fica com 88% do valor cobrado”.

GP – O produtor define o preço dele, isso é norma de mercado, e a gente coloca de maneira super transparente. Cada marketplace tem sua política de preço, tem sua estrutura de custos, etc. A Pangeia busca sempre o amparo ao pequeno produtor e hoje a gente cobra o mínimo que a gente é capaz de cobrar, que é 12% de comissão. A partir desses 12%, e de forma muito transparente, a gente divide com o produtor.  Hoje a Pangeia ainda é uma empresa pequena, então o impacto que a gente tem de impostos de plataforma, de sistemas, de taxas de cartão de crédito, por exemplo, ainda consomem uma parcela considerável da nossa margem. Por isso a gente cobra 12% e nossa ideia no médio, longo prazo, é conseguir diminuir esse valor para o produtor. Hoje ele fica com 88% do valor do preço final do produto.

EME que tipos de produtos vocês estão buscando?

GP – A gente está sempre buscando produtos que representem impactos diversos. Então, a gente tem muito exemplos de produtos como Plano Social por exemplo, que reúne rejeitos e sobras da indústria têxtil, reúne a mão de obra prisional ou de egressos do sistema prisional, para desenvolvimento de novas peças têxteis numa linha de moda, acessórios, roupas. Então eles têm um impacto tanto ambiental como social, intrínsecos no produto. Esse tipo  de produto, de causa como a gente chama, e causa é o nome de uma das trilhas que a gente utiliza – trilhas, na nossa visão, são agrupamentos de células por vocação. A gente tem aqueles da terra, que são as cooperativas, da floresta, que são produtos indígenas e a gente está sempre buscando, recebendo convites, recebendo prospecções e sempre buscando no mercado.

Ouça a resposta inteira, incluindo a visão social/ESG.

 

EM Como vocês definiriam esse modelo de negócio?

GP – A gente quer, na verdade, propor um modelo, que seja um modelo diferente daquele duro do mercado, do capitalismo impositivo, e a gente quer oferecer condições para que, pouco a pouco, essas cooperativas, esses pequenos produtores, artesãos, artistas, se sintam confortáveis com o canal que a gente criou. Então aí fica um pouco dessa distinção que a gente enxerga nessa separação entre a sustentabilidade e ASG. Pelo menos na visão da Pangeia, e a gente bate muito nessa tecla, é uma agenda que vem de um mercado com viés político e econômico, ou seja, de adequação de empresas, de momento industrial, etc., e a gente enxerga muito a sustentabilidade como algo que precisa vir de dentro. É um aspecto de consciência na forma como a gente lida com o planeta. Então cada ser humano pode ser sustentável nos seus hábitos, na sua concepção de como viver a vida no seu estilo de vida e a sustentabilidade é o caminho intrínseco. ASG daqui a pouco se transforma num outro rótulo, ele vai mudar de nome, ele vai passar por várias transformações e faz parte, o mercado é assim, mas o que a gente tem que propor e conectar com a nossa cadeia é com o lado humano. Mais do que avaliar a frieza dos números, eles têm que sentir a confiança e sentir em nós, Via e Pangeia, o parceiro ideal para olhar a prosperidade do negócio dele no médio e longo prazo.

EM E por falar em números, qual é o resultado prático que vocês sentiram até agora?

VANESSA ROMERO – Hoje a gente entende que, muito mais do que o volume do que a gente vende, porque, proporcionalmente, ao tamanho do negócio, ele ainda não tem o tamanho que a gente gostaria, mas essa não é a questão. É muito mais uma jornada, pois quando a gente fala que a gente está aumentando a quantidade de parceiros envolvidos, quando a gente está aumentando a quantidade de produtos dentro dessa plataforma, e a gente está trazendo mais fornecedores para esse movimento, nesse momento é isso o que importa para nós.

Por exemplo: nesse último ano a gente passou de 300 itens, quando começamos, para 500 itens. Então houve 60% de crescimento, de variedade, aumentando essa cesta de produtos, que vão desde utensílios, roupas, acessórios, cuidados pessoais. Por que isso? Porque nesse momento nosso foco é fazer muito mais com que o cliente, que vai procurar nossa plataforma, que está crescendo, que era uma plataforma muito conhecida por vender eletrodomésticos eletroeletrônicos, hoje é uma plataforma reconhecida, porque ela vende uma série de itens, e a gente traz muito esse jargão que é de alfinete a foguete. Por isso, hoje, a gente considera muito mais nossos números de sucesso desta forma, com o aumento da nossa cesta de produtos, com o aumento dos parceiros que estamos agregando dentro do selo da Pangeia, outros parceiros procurando e falando conosco, “nossa, eu quero esse selo da Pangeia como um valor”. Então você começa a ver o mercado procurar e ver valor, puxa, eu tenho marketplace, eu tenho uma parceria que tem um selo que atesta que isso vem de uma cadeia sustentável. Portanto, hoje nosso indicador é esse. Lá pra frente a gente vai falar de números, de quanto que a gente tá percentualmente vendendo dentro da cesta da Via como um todo.

Produtos do projeto Meu Mandacaru, que virou o “xodó” do CEO da Pangeia (Divulgação)

EM E o que vocês podem destacar entre os produtos que existem dentro da plataforma?

GP – É, eu queria tempo para falar do Meu Mandacaru, porque é uma causa, é um produto que mexe muito com a gente, até no aspecto emocional. O Meu Mandacaru é um produto que foi desenvolvido pela ONG Novo Sertão, que está em Betânia, no Piauí. O que que eles fazem? Basicamente, eles pegam os jovens de Betânia, e são mais ou menos 300, e oferecem educação, esporte, música. A gente conseguiu, Via mais Pangeia,  através de uma ação de triangulação com O Boticário, doação de mobiliário, conseguiu transporte gratuito e a gente conseguiu ajudar a equipar essa ONG para preparar a sala de aula e eles conseguiram acelerar o desenvolvimento de uma linha de produtos que se chama Meu Mandacaru, que é o cacto, símbolo do agreste, símbolo da caatinga, que é o único bioma é 100% brasileiro.

Gustavo dá mais detalhes sobre o projeto. Ouça:

 

E Vanessa finalizou a entrevista afirmando:

“Eu gosto sempre de dizer que essa sustentabilidade raiz que o Gustavo traz, que ESG vai passar e a Sustentabilidade fica, é porque é complexo mesmo, né? E por isso esse trabalho só tem  jeito de acontecer em rede. São questões que você não resolve sozinho você precisa, e o caso da Pangeia é isso, uma startup que conversa com produtores diferentes e faz uma curadoria e aí a gente precisa estar conectado com esse startup, que está conectada lá na ponta, que conecta aqui com as pessoas que fazem a comunicação disso e colocam isso para fora. São conexões, e se a gente não atuar dessa forma, a gente não consegue caminhar na sustentabilidade”.

*É Editor-Chefe de VALOR CULTURAL/Marketing Cultural, que têm entre seus propósitos dar visibilidade a bons projetos ou ações, valorizar empresas que praticam patrocínios conscientes e apontar aquelas que fingem ser o que não são no campo da Responsabilidade Social.

SERVIÇO

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