
Ricardo Ribeiro Alves se vale de uma metáfora para explicar a intersecção que deve existir entre estratégias de marketing e os princípios da agenda ESG. Diz ele: “se o marketing é a ferramenta para criar e vender produtos, o ESG funciona como um “semáforo”, estabelecendo limites que controlam o “fluxo” das atividades empresariais e evitam “acidentes”.
Deve saber o que está dizendo, pois, afinal, Ricardo é administrador, mestre e doutor em Ciência Florestal, tem pós-graduação em Marketing Ambiental pela Universidad de Zaragoza (Espanha) e atua há vários anos na área de sustentabilidade empresarial com foco em pesquisas relacionadas a marketing ambiental, consumo consciente, ESG, logística reversa, marcas e selos verdes, certificação de gestão ambiental, comportamento do consumidor e mais um monte de outras vertentes ligadas à sigla que representa os princípios ambientais, sociais e governança, conhecida por aqui como ASG.
Recentemente lançou o livro “ESG Marketing – Marketing como ferramenta e ESG como controle” pela Editora Alta Books, onde expõe durante 256 páginas argumentos para mostrar que o marketing é a ferramenta certa para estimular uma cultura de propósito positivo.
Resolvi conversar com Ricardo Ribeiro durante uma hora para discutir essas abordagens porque sustentabilidade está no centro de estratégias de muitas empresas, embora haja movimentos recentes que avaliam se não houve exagero no enfoque a questões como gênero, diversidade e inclusão.
O autor defende suas teses, entre elas a de que as três dimensões do ESG se conectam às atividades corporativas, definindo assim: a Dimensão E (Ambiental) está ligada à busca e uso de matérias-primas e à produção; a Dimensão S (Social) é voltada à gestão ética da força de trabalho e da comunidade em torno dos negócios; e a Dimensão G (Governança) preza por processos e controles transparentes, responsáveis e alinhado a diretrizes legais.
Quando o marketing está alinhado ao ESG, afirma, ele se torna uma poderosa ferramenta de posicionamento, capaz de atrair consumidores e investidores conscientes, além de gerar crescimento, reduzir custos, aumentar produtividade e ampliar o acesso a apoios governamentais e subsídios.
Mas procurei esse mestre e doutor em Ciência Florestal pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e professor da gaúcha Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), para explorar temas mais específicos como, por exemplo, o possível dilema de um CEO, ou um Conselho de Administração, entre sacrificar margem de lucro para beneficiar quem não é acionista; se não vale a pena só pagar multa e burlar crimes ambientais; se marketing de causas não está sendo confundido com marketing social e se a palavra marketing cabe dentro dessa realidade; se é relevante um produtor cultural utilizar essa agenda para atrair possíveis patrocinadores e, por fim, que explicasse melhor a metáfora que está na abertura desse artigo.
A entrevista com Ricardo Ribeiro Alves está abaixo, com alguns cortes, edição e uma provocação inesperada ao autor, mas preservada para proporcionar ao leitor de Valor Cultural visões diferentes que podem atrair o interesse de profissionais de marketing, administradores de OSCs e empresas, estudantes e todo aquele que acha que árvore, gente e clima podem viver em harmonia nesse planeta que não por acaso se chama Terra.
EDUARDO MARTINS – A transição do capitalismo de shareholder (acionista) para o stakeholder (parte interessada, que pode ser acionista, funcionários, clientes, fornecedores, comunidades) é um dos pilares do movimento ESG. Mas no cenário de economia global estável, e pressão por resultados financeiros trimestrais, até que ponto o Conselho de Administração e os CEOs estão genuinamente dispostos a, por exemplo, sacrificar uma margem de lucro para beneficiar um stakeholder que não seja um acionista, fornecedor local ou a comunidade do entorno? O discurso do capitalismo stakeholder já sobreviveu ao teste de uma crise econômica real nas empresas que o adotaram?
RICARDO RIBEIRO – Eu até comento isso em outro livro, sobre a questão do ESG como gestão de riscos. Muitas vezes a empresa percebe o risco do negócio dela, de ela não atuar em aspectos ambientais, sociais e de governança. Então, quando ela percebe esse risco, geralmente ela vai ser mais proativa para adotar uma agenda ESG.
Em compensação, aquelas que percebem que o setor delas tem menos pressão, elas vão tender a continuar no capitalismo shareholder. Mas isso hoje em dia, como as pessoas estão conectadas, pressionando, conhecendo mais das empresas, acaba que força muito as empresas a terem que agir em prol do ESG. Mas eu sempre falo muito da questão do risco.
Então as empresas vão botar isso na balança. Quando elas acharem que existe um risco real de perder negócios, elas vão começar a olhar mais o ESG. Mas eu não tenho dúvida que se elas acharem que o risco não é grande ainda, elas vão continuar tendendo para a ideia do capitalismo shareholder. Isso eu não tenho dúvida. Não sei se eu consegui responder mais ou menos.
EM – Respondeu, sem dúvida.
RR – Vou dar um exemplo. Tem uma grande rede aqui, uma rede varejista francesa, o Senhor conhece bem, multinacional. Ela teve um episódio muito grave aqui no Rio Grande do Sul, de uma pessoa ser assassinada no estacionamento dessa rede varejista. Mesmo sendo uma empresa terceirizada de segurança, que estava atuando com ela, na ação ela responde de forma solidária.
Ela resolveu reassumir o controle da segurança das suas lojas e botar ali equipes multidiversas, homens, mulheres, vários representantes, digamos assim, na direção dessas equipes de segurança. Então ela foi forçada devido ao barulho que foi feito. Então eu acho que muitas vezes a empresa age quando ela derrapa e aí a pressão vem grande.
EM – É verdade. É quando ela se mexe, não é? Seu livro explora a necessidade de repensar produtos, preços, promoção, distribuição. Então eu quero ver se você pode nos dar um exemplo concreto de como uma empresa deveria precificar um produto que tem um custo de produção mais alto por ser sustentável, mas que compete com um concorrente mais barato e poluente.
O preço ESG é viável para o consumidor médio, especialmente em mercado emergente como o Brasil? Qual é o risco de se tornar um luxo para poucos, vamos dizer assim?
RR – A resposta vai um pouco na mesma linha da anterior. Existe uma diversidade de mercados, de áreas de atuação e tipos de empresas, não é? São vários mercados diferentes. Então, esses mercados sofrem pressões diferentes de setores e até do próprio consumidor, que muitas vezes são consumidores de alguns tipos de produtos e outros nem consome.
Então, a gente nunca vai fazer pressão daqueles que a gente talvez não consuma, né? Mas, por exemplo, realmente tem alguns tipos de produtos…, só dando um exemplo, produtos orgânicos. Os produtos orgânicos são, sabidamente, mais caros, porque eles internalizam uma série de cuidados. Um arroz orgânico talvez custe mais do que um arroz convencional e isso, evidentemente, dificulta o acesso de muitas pessoas, ainda mais em um País como o nosso. Por isso a gente tem que analisar por setor, por tipo de produto da empresa.
E hoje em dia se fala muito de descarbonização da economia, de pensar alternativas, e esses movimentos também são diferentes, a depender do País e da cultura. Então, a gente também tem que levar isso em consideração. Talvez, em alguns países, as pressões sejam mais fortes, tipo na Suécia, na Alemanha, talvez na França.

EM – Para o profissional de marketing que está lendo sua obra e se sente inspirado a promover uma mudança real em sua organização, qual seria o primeiro passo prático e o principal obstáculo que ele provavelmente encontrará ao tentar integrar de forma autêntica os princípios de ESG em uma estratégia de marketing já consolidada?
RR – Muitas vezes as empresas já têm algumas estratégias de marketing, algumas iniciativas de marketing é a melhor palavra. É como se fosse um guarda-chuva, mas ela muitas vezes não botou essas estratégias debaixo desse guarda-chuva para futuramente construir, por exemplo, um relatório igual a muitas empresas fazem.
Se a gente entrar no site dessas grandes empresas, como Natura e outras várias, a gente vai ver que, todo ano, eles publicam Relatório de Sustentabilidade, na qual contam o que estão fazendo na área ambiental, social e também na governança.
Então creio que, antes de proceder a uma mudança, primeiro é necessário saber em que País estamos, o que estou fazendo das três letrinhas, para que, a partir do momento que se tem uma noção do que está fazendo e comece a pensar sobre o que eu posso fazer mais com relação ao produto, ao serviço, ao atendimento.
Mas se você não tem ainda a noção do que é feito, é muito difícil visualizar o que é preciso fazer, o que é preciso melhorar, o que, de repente, a concorrência tem, o que faz bem, o que você não tem.
Então, eu acho que o profissional do marketing, primeiro deve fazer essa análise de como está o atendimento, as práticas…. pode ser que ele detecte e não faça quase nada. Pode ser que ele detecte e olha, já tem várias coisas aqui, a gente reutiliza a água no processo produtivo, a gente compra, por exemplo, madeira de reflorestamento, talvez ele já faça várias coisas.
Mas aí, a partir disso, eu acho que é mais fácil planejar os próximos passos.
EM – O Senhor propõe uma metáfora interessante: o ESG como semáforo que controla o fluxo das atividades empresariais. Mas, na prática, muitas empresas parecem “furar o sinal vermelho” — comunicam avanços sem, de fato, respeitar limites claros. Quais mecanismos reais (de governança, regulação ou fiscalização) o senhor considera indispensáveis para que o ESG deixe de ser apenas metáfora e se torne prática efetiva?
RR – Tem muito, com certeza tem. Digamos que a ação da empresa reflete os seus dirigentes, principalmente os lá de cima. Então se eles tiverem essa propensão de burlar as regras, eles vão tentar fazer isso e vão ponderar – aquela conta, se eu desrespeitar aqui eu vou ganhar tanto de dinheiro, mas se me pegarem eu vou pagar uma multa e vai compensar.
Infelizmente tem esse raciocínio, qualquer coisa eu pago uma multa. Mas hoje acho que os riscos são maiores. Porque as pessoas estão conectadas. Qualquer um tem um celular na mão para gravar, e a gente fica sabendo de várias coisas erradas.
Crimes que acontecem, a pessoa está ali, alguém registrou, e é um risco que a empresa corre.
EM – Mas eu vou fazer uma pergunta agora, que foge um pouco disso, mas que é importante para mim, porque eu até já escrevi vários artigos sobre essa questão. O resumo do livro menciona a importância das transformações sociais e isso me leva a uma discussão terminológica que eu sempre sinto ser importante abordar nesse campo.
Por exemplo, essa linha de pensamento do Philip Kotler (referência norte-americano em questões de marketing), ele alerta para uma confusão que a mídia e o próprio mercado criaram ao transformar o marketing de causa em marketing de mídia social, esvaziando o seu sentido original. O sentido original é causa, não é? E minha pergunta é, falando de marketing social, dentro do pilar S do ESG, a gente não corre o risco de criar uma mistura pouco saudável, vamos dizer assim, misturando marketing e social, onde a genuína promoção da mudança de comportamento social se confunde com a promoção da imagem da empresa, atrelada a uma causa?
Não seria mais preciso e honesto para as empresas focarem em um robusto marketing de causas, fugindo da expressão marketing social?

RR – É, Philip Kotler foi até um dos pioneiros a falar sobre marketing social e… ele diz que foi ele que inventou essa expressão, não é? Na década de 1970, ele publicou um livro chamado Marketing Social e eu até comento isso nas aulas, porque quando a gente estuda administração, marketing, a gente aprende muito sobre Philip Kotler. Mas me chamou muita atenção – depois descobri que ele tinha escrito isso na década de 70 – que, como estudante, o professor não falava do Kotler em relação a essa vertente do marketing social. Talvez já se tenha falado, mas na época que eu fiz, há 20 anos atrás, não se falava. Eu descobri isso depois nas minhas pesquisas. E a questão do marketing social, também aí é uma resposta vaga, genérica, mas também eu acho que está muito relacionado justamente com o tipo de empreendimento.
Dando um exemplo para a gente poder pensar: a Pilão tem o café tradicional dela, que é o café básico, digamos assim, com preço acessível, que as pessoas compram. Agora, não é tão acessível devido ao aumento de preço nos últimos tempos, mas uma coisa bem interessante é que muitas dessas empresas têm linhas diferentes. Por exemplo, o Pilão tradicional, o Pilão orgânico, o café orgânico, e ela me chamou a atenção que ela tem uma linha que chama Pilão Origin.
E esse Pilão Origin tem toda uma questão não só ambiental, mas social. Por exemplo, eles compram café de produtores que são orientados para a questão da produção e para fomentar a produção desses produtores. E tem vários tipos de certificação, é claro que isso encarece o produto e aí acaba tornando-o mais caro do que o Pilão tradicional.
Mas é uma estratégia interessante porque eles acabam comprando de produtores, mas a questão ambiental também é importante. Por exemplo, eles não usam tinta na embalagem, só o necessário. Fica só aquela folha meio prateada da embalagem tradicional.
Muitas vezes também essas empresas vão ter trabalhos com a comunidade. Tem áreas que elas conseguem avançar muito nesse contato social, muitas vezes pressionada por uma certificação e tem áreas em que essa pressão é menor. Mas é fundamental que isso aconteça, porque a empresa também faz parte da sociedade. E aí, até que ponto ela consegue… Aí é um delicado jogo de cintura.
Até que ponto eu vou me envolver com a comunidade, auxiliar a comunidade, mas eu não vou me desfocar do negócio e nem perder dinheiro. Então, tem esse delicado olhar. Tenho que continuar ganhando dinheiro, mas tenho que também trabalhar algo aí na questão social.
EM – A minha questão é você misturar as duas palavras. Você tem marketing cultural, que a gente trabalha aqui, e outras vertentes do marketing. Mas o social, usar marketing social, em si já leva a uma conotação que as pessoas podem, em princípio pensar… opa, espera aí! Marketing social, misturar essas duas coisas? No final, este princípio, esta confusão, é que o Philip Kotler falou que estão misturando as bolas.
Ele virou um marketing de mídia social. Então, misturar marketing e social, eu acho que é meio misturar óleo e água.
RR – É por isso, Eduardo, que até no livro, quando eu vou falar do capítulo da parte social, estou falando sobre as várias vertentes de marketing.
Então lá, por exemplo, no capítulo 5, que eu falo do social, eu comento esses vários tipos de marketing atrelados à questão social. Aí eu trago a definição do Kotler, inclusive, do marketing social, que são as mudanças no próprio produto. Por exemplo, o caso do café.
Aí eu deixo bem claro essa diferença. O marketing para causas sociais é uma coisa bem diferente, e eu não tenho razão de criticar. Porque, por exemplo, tem uma maratona em Porto Alegre e a nossa empresa vai patrocinar essa maratona que é, por exemplo, de atletas paralímpicos.
Então, na ação, a gente está ali promovendo uma coisa muito boa, social. Então, nós, patrocinando o evento, vai aparecer uma empresa, vai aparecer uma televisão, que é essa aqui no Rio Grande do Sul, por exemplo. Mas aí acabou o evento, acabou o marketing.
É marketing pontual, para marketing de causas sociais. Eles são pontuais. Enquanto tem o evento, enquanto tem aquela ação, depois acabou.
Foi bom, foi. O esporte paralímpico, eu ajudei, mas eu promovi a realidade deles. É só uma ação pontual.
E aí, o marketing social, vai ser uma coisa mais miniatura. Ele tem a ver com o tempo, os serviços, o intercâmbio. Então, é muito importante que as pessoas saibam a diferença do marketing social, que é uma coisa mais duradoura, do próprio serviço, do marketing social, marketing para causas sociais, que são ações pontuais, podem ser muito relevantes, podem ser pontuais, e do marketing para redes sociais, que aí é outra coisa.
EM – Na verdade, o que atrapalha tudo é a palavra marketing. Porque se você olha com atenção os argumentos do Kotler, na verdade, ele não está falando especificamente de marketing. A ideia dele é usar as ferramentas do marketing, aqueles princípios dos 4Ps e tal, para alavancar causas importantes, como o combate ao consumo do cigarro, por exemplo.
Então, o problema que eu vejo, que muita gente não vê, é a expressão marketing. Acho que a gente devia encontrar uma outra nomenclatura para isso… porque marketing é marketing, foi criado para vender produto, para gerar lucro, para reposicionamento de marca, para alavancar imagem de uma pessoa. São as diversas vertentes do marketing.
Então, quando a gente fala, por exemplo, igual o marketing social, beleza, vamos estudar o marketing social, vamos tentar aplicar aí o que o Kotler fala, mas sem esquecer de que o que dá sustentação a esse galho chamado marketing social é o tronco, que é o marketing normal, não deixa de ser marketing.
RR – Sim, há os outros marketings também, marketing digital, marketing criativo, tu não podes esquecer, desfocar, o que não deixa de ser marketing. Aí eu tentei fazer essa analogia do Kotler no livro… Depois até eu vou tirar uma foto, vou botar no WhatsApp, para você ver (à direita).
Tem escrito lá marketing e os vários ramos do marketing. Eu não coloquei isso no livro, mas na minha cabeça, por exemplo, a pessoa faz medicina, depois ela vai se especializar em alguma coisa. Ela vai ser dermatologista, ela vai ser psiquiatra, mas a base dela continua sendo o que ela estudou: medicina. Ela só estava avançando um pouco mais no tema. Então eu entendo que o marketing é mais ou menos isso.
EM – Mudando um pouco de assunto. O senhor afirma que as mudanças climáticas e sociais exigem repensar estratégias de marketing em toda a cadeia de valor. Mas como o senhor enxerga setores cujo próprio modelo de negócio parece incompatível com a sustentabilidade — como combustíveis fósseis, por exemplo. O marketing desses setores pode ser considerado ESG marketing?
RR – Todos os setores deveriam repensar as suas estratégias de marketing conciliando-as com a agenda ESG. No entanto, as pressões são diferentes para cada setor. Alguns setores são mais pressionados por legislações, governos e consumidores e outros setores são menos pressionados. Ainda tem a questão cultural, o que faz com que a pressão por mudanças nas empresas aconteça com maior ou menor vigor dependendo do país ou mesmo região.
Em relação aos combustíveis fósseis, por exemplo, veja o caso da indústria automobilística. No Brasil, agora tem proliferado os carros elétricos, mas isso já era uma realidade na Europa há pelo menos 10 anos atrás. Daí vemos que a tecnologia mais limpa, por vezes, demora até chegar a outros cantos do planeta.
Nesse exemplo, empresas que apenas utilizam combustíveis fósseis não estão agindo pensando no ESG Marketing, mas empresas que estão nesta transição, já estão mudando o seu modelo de negócios buscando alinhamento com as práticas ESG.
EM – Na sua visão, o futuro do marketing será necessariamente integrado ao ESG, ou ainda haverá espaço para um marketing “tradicional” desvinculado de propósitos sociais e ambientais?
RR – Existem várias variáveis a serem consideradas. Uma delas é o componente cultural. Alguns mercados serão mais exigentes e os stakeholders irão pressionar políticos, empresas e governos, enquanto outros mercados serão menos exigentes. O nível de informação varia bastante entre os países do mundo e até dentro de países com dimensões continentais, como é o caso do Brasil. Além disso, as pessoas estão conectadas e interagem umas com as outras e também com empresas e governos.
Esse empoderamento atual também pode exercer pressão para que o marketing caminhe rumo às práticas ESG. Por fim, isso também depende do nível de informação e sensibilidade de empresários, políticos e governos em relação ao tema ESG. E se eles entendem, ou não, o ESG Marketing como algo estratégico para as suas empresas e países.
EM – Dentro dessa linha, como o Sr. avalia como deve ser tratado o marketing cultural, que é uma das várias faces do marketing? Que junções com os diversos conceitos sobre ESG podem ser feitas por um produtor, por exemplo, que deseja apresentar a potencial patrocinador um projeto cultural que não tenha ligação com área social?
Que artifícios ele pode utilizar para inserir sua proposta, de alguma forma, dentro dos princípios da agenda ESG?
RR – O marketing cultural, a exemplo das demais vertentes do marketing, pode (e deve) alinhas suas estratégias com as práticas ESG. De certa forma, já vemos alguns movimentos nesta direção.
Por exemplo, veja que a LIESA, liga das escolas de samba do Rio de Janeiro, já atua em direção a um carnaval mais sustentável. No caso específico do carnaval carioca, já existia toda uma questão social envolvida no engajamento de suas comunidades com a escola de samba, com projetos sociais voltados a pessoas com vulnerabilidade econômica, além de toda a organização do evento com um produto altamente rentável e com visibilidade mundial (governança).
Entendo que projetos culturais devem seguir um rumo parecido. Mostrarem-se como viáveis economicamente, mas pautados em questões ambientais, sociais e de governança. Isso certamente terá grande potencial para atrair patrocinadores que também estão vinculados à pauta ESG.
EM – E aí vai uma provocação final. Se o ESG é o “semáforo” e o marketing é o “carro”, quem deveria ser o motorista? A empresa, a sociedade ou os próprios consumidores?
RR – Achei bem interessante esta “provocação”, pois não tinha pensado nesta analogia. Agradeço a pergunta.
Os “motoristas” deste “carro” chamado marketing só podem ser os gestores, sejam eles da iniciativa privada ou da área pública, pois são eles que irão elaborar as estratégias de marketing (na esfera privada ou pública) e usar o percurso (estrada) parando no semáforo (práticas ESG).
Quando pensamos o ESG na iniciativa privada, os “motoristas” são os gestores das empresas; e quando pensamos no ESG na gestão pública, os “motoristas” são os governantes, seja os da esfera municipal, estadual ou federal. Eu acrescentaria, juntamente a estes últimos, também o poder legislativo e judiciário, pois suas decisões geralmente impactam as ações do poder executivo.
Mas, o “guarda que vai fiscalizar” se o motorista (seja da iniciativa pública ou privada) não está desrespeitando as “regras de trânsito” (neste caso, o ESG Marketing) são as partes interessadas (stakeholders) que é composta por todos nós, consumidores, mas também pela imprensa, fornecedores, clientes, ONGs, comunidade no entorno da empresa, dentre outros.
*É Editor-Chefe de VALOR CULTURAL/Marketing Cultural, que têm entre seus propósitos dar visibilidade a bons projetos ou ações, valorizar empresas que praticam patrocínios conscientes e apontar aquelas que fingem ser o que não são no campo da Responsabilidade Social.
SERVIÇO
O livro “ESG Marketing – Marketing como ferramenta e ESG como controle”, do autor Ricardo Ribeiro Alves, foi publicado pela Editora Alta Books, possui 256 páginas e pode ser comprado em livrarias ou ambientes digitais pelo preço de R$ 65,90.
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