O Brasil tem perdido ultimamente grande número de vidas importantes nos campos da música e do teatro, mas suas obras têm o mesmo destino de tantas outras que também nos deixaram, mas sem a mesma visibilidade – porque o direito é igual para todos.
Assim explica o dr. Jossan Batistute, especialista em sucessão familiar e patrimonial, provocado por Valor Cultural para detalhar quais são os cuidados que futuros herdeiros podem tomar com o detentor dos direitos ainda em vida, ou como encontrar as melhores soluções após sua morte, de forma a garantir uma transição de bens pacificada.
“Os herdeiros têm direito sobre os lucros gerados pelas músicas, pela venda de livros, pelas composições, por qualquer projeto que possa ser lançado após a morte do artista”, ele diz, observando que se, porventura, a divisão de bens não foi definida ainda em vida por meio de um planejamento sucessório (o que pode envolver testamento, formação de uma holding e cessão dos direitos sobre as obras), é no inventário que se deve formalizar a partilha desse patrimônio, incluindo o direito autoral sobre a obra do artista falecido.
Batistute também classifica como lenda a expressão comum de que “os herdeiros herdaram apenas dívidas” e explica: “se o passivo for maior do que o ativo (bens da herança) os credores nada receberão, pois dívida não é transmissível por herança”.
O advogado cita como exemplo a cantora Rita Lee, que compôs diversas canções juntamente com o marido, que também terá parte no direito autoral.
“Nesse caso, o direito autoral que cabe à cantora e compositora é que será partilhado. E tudo isso também se aplica aos influencers, cujos herdeiros (ou empresa), quando organizado um planejamento sucessório, poderão continuar a explorar a imagem e os conteúdos rentáveis de tais profissionais em diversas redes sociais e mídias”, explica.
Nessa entrevista Jossan Batistute esclarece questões no caso em que não há testamento, qual é a melhor solução para gerir herança com muitos herdeiros e a importância do planejamento sucessório e como se deve dar a distribuição dos direitos autorais.
Acompanhe:
Eduardo Martins – Está claro que os herdeiros ficam com os direitos autorais dos artistas. Mas quem pode ser herdeiro? Viúvo é herdeiro, filhos são herdeiros. Essa divisão é como de uma propriedade física, por exemplo? Metade é do cônjuge e metade dividida entre os filhos?
Jossan Batistute – A distribuição dos bens aos herdeiros será feita pelo juiz ao analisar diversos aspectos e requisitos, porém, aqueles somente receberão algo depois de quitadas as dívidas do Espólio (ente despersonalizado titular do patrimônio do falecido) – inclusive, é lenda ou mesmo ditado popular a expressão de que “Os herdeiros herdaram apenas dívidas”, afinal, se o passivo (dívidas) for maior do que o ativo (bens da herança), então os credores nada receberão já que a dívida não é transmissível com a herança.
Muito pode ser feito em um inventário, seja quanto à distribuição e organização dos bens aos herdeiros, análises para economia com impostos no momento do inventário, mas também estudo e projeção posterior do que cada herdeiro fará com os bens que receber – podendo aqui também haver economia com tributos se bem feito o inventário, etc.
Fora a possibilidade de modificação (em parte ou total, a depender do caso) via testamento, a definição de quem é herdeiro e a ordem de recebimento é feita pela lei (art. 1.829 do código civil), que estabelece assim:
I – Descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens; ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – Ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – Cônjuge sobrevivente;
IV – Colaterais.
EM – O testamento em vida pode definir quem fica ou não fica com os direitos?
JB – Sim, este é o objetivo de se fazer um testamento, ou seja, redefinir a distribuição da herança conforme a vontade do testador (isso é, o autor da herança). Todavia, deve-se respeitar a legítima, que é o virtual direito dos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes ou companheiro(a)/cônjuge) à metade da herança. Não havendo esta categoria de herdeiros, então o testador pode redefinir a ordem de vocação hereditária da totalidade dos seus bens.
EM – Se não houver testamento, em geral quanto tempo dura a tramitação do processo até a liberação do uso dos direitos?
JB – Um processo de inventário, se for todo consensual, pode ser feito de maneira extrajudicial, isso é, sem precisar ir ao Judiciário. Nesse caso costuma-se demorar de 1 a 3 meses, muito embora o tempo varia de estado para estado.
Por outro lado, se houver litígio (briga) entre os herdeiros sobre os direitos de cada qual ou mesmo discussões sobre validade ou não de testamento, ação de doação inoficiosa, ação de sonegados, interdição de cônjuge do(a) falecido()a, muitos bens, etc., daí o processo de inventário pode durar anos e anos. Na média no BR um processo de inventário dura 10 anos (enfim, 10 longos anos da vida dos herdeiros em discussões e prejuízos!)
De qualquer forma, a liberação do uso dos direitos pode ser feita em caráter liminar por ordem do juiz ou mesmo serem administrados os direitos pelo inventariante (pessoa responsável pelos bens do espólio) e os ativo disso decorrentes devem ser depositados no processo do inventário para o juiz posteriormente determina para quem e em qual percentual serão distribuídos os lucros/resultados.
EM – Quando há muitos herdeiros, o que é ideal? A formação de uma holding, por exemplo? E se houver divergência entre os herdeiros? Quem resolve?
JB – O ideal é que os donos dos bens (patriarca/matriarca – podendo estes ser os pais, avós, bisavós, etc.) em vida organizem e decidam sobre isso. O Planejamento Sucessório é algo que muitas famílias (ricas ou não) têm feito justamente para minimizar os riscos de brigas homéricas entre os herdeiros, com consequente desvalorização de bens ou ainda a fragmentação do patrimônio da herança, sendo que muitos também buscam o Planejamento Sucessório para realização de Blindagem Patrimonial, Economia Lícita com Impostos em vida e Economia com despesas do inventário.
Este planejamento sucessório pode-se dar pela via Cível ou mesmo pela via Empresarial (quando então se utiliza uma ou mais Holdings, dentre outras ferramentas de alocação, proteção e organização dos bens).
EM – No material a nós enviado se fala também em influencers. Se o influencer morre, que tipo de herança fica? Um herdeiro pode passar a utilizar aquele canal que era pessoal? Canal no YouTube por exemplo?
JB – Seja influencer ou não, todos os bens (materiais ou imateriais) da pessoa falecida compõe a herança, assim, os herdeiros podem incluir em um inventário tanto patrimônio físico convencional (casa, carros, apartamentos, terrenos, contas bancárias, etc.), como também direitos autorais, titularidades de contas/domínios, dentre outros para poder administrar após o falecimento do influencer, sendo que, na maioria dos casos, é melhor (e mais fácil) que o influencer conduza sua carreira e patrimônio a partir de uma empresa, vez que isso facilitará muito a gestão pelos seus herdeiros. Interessante apontar que deve-se ter uma especial atenção em vida à Marca relacionada ao influencer e seus produtos, recomendando-se que tudo seja registrado no INPI da forma correta e dentro de um programa de Planejamento Sucessório, como dito anteriormente.
EM – No caso de música, há muitos casos em que a composição pertence à editora e não ao autor. Como fica essa questão?
JB – Os direitos autorais podem ser codivididos ou mesmo cedidos. Neste caso, os herdeiros não receberão herança já que os direitos terão sido transmitidos à editora, por exemplo. Isso serve para direitos autorais de músicas, quadros, livros e qualquer outro incluído naquela categoria e que tenha sido cedido integralmente a terceiros.
Tal situação acontece porque os direitos autorais não são extintos com o falecimento, mas sim sobrevivem e, quando ainda pertencente ao seu autor/compositor, seguem o fluxo hereditário definido na lei, no testamento ou conforme planejado pelo próprio artista/influencer.
Por conta disso os herdeiros titulares dos direitos autorais sobre as músicas, livros, etc., é que passam a deter o direito de autorização de gravação, uso em propagandas ou campanhas. Mas este direito autoral se encerra 70 anos após o falecimento do seu titular originário, quando o conteúdo cairá em domínio público.
Por sinal, é comum disputas em cima de tais direitos autorais, sendo que na mídia há diversas notícias ao redor deste tema e artistas famosos que faleceram, tais como: Renato Russo, Chorão, Marília Mendonça, dentre outros.
No mais, não há que se confundir os direitos autorais sobre composições, criações, etc., com os direitos de personalidade da pessoa falecida, sendo que caberá aos herdeiros a defesa do nome, da imagem, etc., da pessoa falecida – não podendo assim qualquer pessoa fazer uso dela (especialmente do ponto de vista comercial ou se tiver um contexto ou potencial de denigrir o/a falecido/a).
EM – Tenho um conhecido que teve os rendimentos de músicas do pai falecido suspensa porque seu nome estava no SPC. Isso pode mesmo? Era a única fonte de renda dele.
JB – Não é possível apenas com estas informações saber o que de fato ocorreu e o motivo da interrupção do pagamento dos direitos. Todavia, pode-se dizer que, regra geral, o fato de estar com o nome negativado ou protestado não impede o recebimento de direitos, mas estes podem acabar sendo penhorados ou bloqueados caso os credores tenham tomado alguma medida cabível na Justiça.
Jossan Batistute é sócio do escritório Batistute Advogados, especializado em questões societárias, gestão patrimonial e imobiliárias. Formado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), também é mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina, sendo ainda professor em programas de graduação e pós-graduação.
*É Editor-Chefe de VALOR CULTURAL/Marketing Cultural, que têm entre seus propósitos dar visibilidade a bons projetos ou ações, valorizar empresas que praticam patrocínios conscientes e apontar aquelas que fingem ser o que não são no campo da Responsabilidade Social.
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