Renato Lepsch, graduado em cinema pela Estácio de Sá (RJ), produtor cultural, roteirista, fotógrafo, diretor de artes, criador de personagens 3D, 51 anos, bateu de porta em porta para sensibilizar alguma empresa a patrocinar seu curta-metragem de animação chamado Acolá. De tanto ouvir não, chegou a pensar que seu projeto era ruim.
Mas se aqui nada conseguiu, acolá amealhou quase uma dezena de prêmios, tendo de saída ficado em primeiro lugar na estreia mundial, no Texas, do Best Animation Award. De 32 inscritos, foi considerado o melhor.
“Aquele projeto que todo mundo achou que era uma porcaria foi premiado logo na estreia. É uma prova de que tinha valor, não é? Depois disso ele foi selecionado em mais de 50 festivais, exibido em 15 países, ganhou oito prêmios. Mas no Brasil ele não presta, porque não tem no orçamento responsabilidade social e nem meio-ambiente para ser apoiado por aqui”.
Renato se mostra revoltado e indica links para apontar que o orçamento federal de 2021 foi de R$ 4,18 trilhões, sendo 64% desse valor destinado para encargos especiais e reservas de contingência. E para a realização de arte e cultura foi destinado somente R$ 1,6 bilhão.
E argumenta:
“Nós fazemos entretenimento, arte e cultura; responsabilidade social e meio ambiente é outro departamento. Essa conta não é nossa. Nós somos artistas; não somos responsáveis por fazer assistencialismo. Eu já até ouvi falar em projeto social com verba de arte e cultura e parece que confundem projeto cultural com projeto social. Não tenho nada contra colocar em projeto cultural temas que valorizem as minorias, mas fazer disso critério para classificação e desclassificação dos “projetos culturais” é fugir um pouco do propósito das Secretarias culturais, que é entretenimento, arte e cultura. Isso limita o processo autoral e criativo do artista brasileiro”.
“Tem empresa que dá nome ao setor responsável pela avaliação dos projetos de Departamento de
Responsabilidade Social e Ambiental. Tem empresa que só está patrocinando projetos sociais sem fins lucrativos que envolvam suas comunidades ao redor. Teve uma dessas que eu cheguei a questionar e apareceu no edital depois: exceção para empresas com fins lucrativos para projetos de arte e cultura. Como assim?”.
Renato conta que tem mais sete projetos de arte e entretenimento em avaliação para patrocínio via lei do ISS do Rio de Janeiro e na época da entrevista já previa que não conseguiria patrocínio para nenhum. Dias depois informou que um deles, o Formas e Cores, já tinha sido desclassificado do edital FOCA da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro.
Um dos que foram aprovados para captação, ainda à espera de patrocinador, foi o curta de animação chamado O Cultivador do Amor, cuja concepção visual pode ser vista por aqui.
Mesmo com tantos prêmios, Acolá ainda não encontrou espaço para ser exibido em nenhum canal de televisão no Brasil.
Essa não é uma história isolada e há várias questões que precisam ser discutidas com urgência. Entre elas:
Por que as empresas só estão patrocinando com leis de incentivo?
Por que as empresas só estão dando preferência para projetos de “responsabilidade social?”
Por que empresas estão se vendendo como engajadas na agenda ESG e não dão transparência para a renúncia fiscal que utilizam?
Por que elas estão criando políticas de responsabilidade social baseadas em incentivo fiscal?
Por que estão contratando empresas terceirizadas para fazer um trabalho que deveriam ter a responsabilidade de desenvolvê-lo em casa e, em vários casos, pagando comissões indevidas?
Se querem utilizar dinheiro público para justificar suas Políticas de Sustentabilidade, por que, pelo menos, não usam dinheiro próprio para impulsionar a arte brasileira?
E, por fim,
Por que não está se discutindo tudo isso? (E.M.).
Ouça o depoimento de Renato Lepsch
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