Fiquei interessado em discutir as reflexões de Vanessa Schabbel sobre eventos proprietários, expostas em artigo cujo texto pode ser visto por aqui.
Vanessa é especialista em branding e experiência de marca e diretora executiva da Bop Comunicação Integrada, uma das idealizadoras do Oasis Connection, que ela afirma ter o intuito de transformar o setor de eventos no Brasil por meio de novos elementos de inovação e conexões genuínas.
Ela deve saber sobre o que está falando pois, afinal, a Bop é uma agência especializada em eventos corporativos e proprietários e tem vários anos de atuação em Concepção, Diagnóstico e Planejamento, Produção de Eventos, acumula quatro Prêmios Caio nas Categorias Congressos Nacionais (2022) e Eventos de Incentivo (2023), e realizou ações com grandes marcas como Cyrela, Elopar, SulAmérica, Bexs, entre outras. Em 2025, a Bop se uniu ao The Town Learning Journey como parceira estratégica.
Em seu artigo ela destacou as vantagens estratégicas dos eventos proprietários, pois, enquanto o patrocínio de um festival existente garante alcance imediato, criar um projeto próprio permite às marcas controlarem narrativas, coletarem dados primários, inovarem em formatos e consolidarem territórios simbólicos exclusivos. “É um laboratório de inovação, um espaço de experimentação e de relacionamento direto com comunidades”, disse.
Nesta entrevista, à qual respondeu perguntas relativas às ideias expressas no artigo, Vanessa explica como o The Town desenha intencionalmente mecanismos para transformar espectadores em coautores da experiência, seja por meio de playlists colaborativas, votações digitais, ativações gamificadas ou pela participação em instalações e palcos que revelam novos talentos. Para ela, essa participação ativa é o que diferencia um festival de um acontecimento comum, criando um sentimento de pertencimento coletivo que permanece mesmo após o fim dos shows.
Outro ponto central abordado é a construção de conexão emocional. Vanessa afirma que a lembrança do festival não se esgota em ingressos vendidos ou nomes de artistas, mas se traduz em memórias significativas, vividas em um ambiente de energia positiva e convivência. Nesse processo, as marcas também ocupam papel fundamental: em vez de se limitarem a exposição de logos, oferecem experiências que se integram de forma orgânica à jornada do público, fortalecendo vínculos e gerando valor para além da visibilidade.
Para Vanessa, o festival se consolidou como um movimento cultural, capaz de criar narrativas contínuas, engajar comunidades e gerar legados duradouros que vão muito além do line-up.
Com olhar para o futuro, Vanessa projeta um crescimento do mercado brasileiro nesse campo, apontando que as marcas que entenderem eventos como plataformas contínuas de relacionamento e conteúdo sairão na frente.
“Casos como o The Town mostram que já existe maturidade para projetos desse porte, mas o desafio está em manter governança, consistência e engajamento mesmo nos intervalos entre edições”.
Acompanhe a íntegra da entrevista:
EDUARDO MARTINS – Você afirma que o The Town se destaca por ser um “movimento cultural” e não apenas um evento. Poderia nos detalhar o que diferencia um “evento” de um “movimento cultural” na prática? Quais elementos concretos nos bastidores – além da curadoria musical – sustentam essa transformação?
VANESSA SCHABBEL – Um evento é, em essência, um acontecimento pontual, com data marcada e entrega restrita ao momento de sua realização. Já um movimento cultural transcende essa temporalidade: ele cria uma narrativa contínua, estabelece rituais, conecta-se ao território e mantém a comunidade engajada antes, durante e depois das apresentações. O The Town não se limita a montar palcos e escalar artistas, ele estabelece um editorial próprio, dá espaço para vozes locais, constrói programas de impacto social e educacional e se ancora em parcerias que se prolongam no tempo.
Essa engrenagem dos bastidores, incluindo curadoria ampliada, governança editorial, programas de comunidade e projetos de legado, é o que transforma um festival em um movimento cultural vivo.
O The Town consegue reunir tribos que conversam antes e durante o evento. Presenciei recentemente no evento teste pessoas se conhecendo, perguntando há quanto tempo curtia aquele artista e saindo juntas, andando, para curtir o festival.
A união que o The Town provoca como se as pessoas estivessem vivendo um mundo paralelo, de energia boa, sem violência (e até algumas vezes dizendo frases que tenham a ver com o nosso momento político) nos mostra como não é “só” um evento. Além disso, as marcas embalam na mesma sintonia, não oferecendo somente brindes ou exposição do seu logo, mas tudo é pensado para que os participantes vivam uma experiência e que de lá, possam lembrar para sempre do que viveram juntos.
EM – A cocriação com o público é um ponto central do seu artigo. Você menciona que espectadores se tornam “coautores da experiência”. De que forma a marca The Town, de maneira intencional, estimula essa participação? Poderia nos dar exemplos de mecanismos, sejam eles digitais ou presenciais, que incentivam essa coautoria?
VS – A coautoria no The Town não acontece por acaso. A marca desenha intencionalmente mecanismos para que o público se sinta parte da construção da experiência. No ambiente digital, isso se expressa em playlists colaborativas, votações de ativações, missões gamificadas via aplicativo e desafios de conteúdo em redes sociais. No ambiente físico, o público encontra murais interativos, instalações que dependem da participação coletiva, palcos que dão espaço a novos talentos e experiências gamificadas com tecnologia RFID (Identificação por Radiofrequência, é uma tecnologia sem fio que usa ondas de rádio para identificar e rastrear objetos através de etiquetas com microchips e antenas) ou NFC (Near Field Communication). O resultado é um espectador que deixa de ser apenas audiência para se tornar coautor da narrativa, construindo memórias que são tanto pessoais quanto coletivas.
As pessoas que não conseguem ir ao festival, ao que vejo, darão audiência na TV e continuará a interação nas redes sociais. Já tive oportunidade de estar em outros Learnings e Academy do The Town e Rock in Rio e pude ver como a área de Marketing mede a temperatura das pessoas e o que elas querem ouvir no festival.
EM – Em um mercado saturado de grandes festivais, você argumenta que o The Town se diferencia por valorizar a conexão emocional em detrimento do foco exclusivo no line-up. Como se mede essa “conexão emocional”? Quais seriam os indicadores de sucesso para um evento proprietário que prioriza esse valor?
VS – Quando a lembrança do evento vai além do line-up e passa a ser contada como uma experiência significativa, a conexão emocional está estabelecida. E o The Town claramente entrega isso. Medir conexão emocional é um desafio, mas já existem parâmetros claros. Mais do que contar ingressos vendidos, é preciso avaliar sentimentos, comportamentos e recorrência. Isso passa por pesquisas de percepção de marca, análise de sentimento nas redes sociais, monitoramento do tempo de permanência em ativações e da adesão a experiências interativas. Indicadores como intenção de retorno também.
EM – A questão dos projetos proprietários é o eixo central do seu texto. Por que uma marca deve investir na criação de um evento do zero, em vez de patrocinar um já existente com público consolidado? Quais as vantagens estratégicas a longo prazo que justificam esse esforço e investimento?
VS – Claro que os dois formatos são muito importantes para o mercado, para a economia e geração de resultados como um todo. Um não substitui o outro, pois são propostas diferentes. Mas entre as diferenças (e o foco da estratégia da marca), patrocinar um evento já existente pode ser eficiente para gerar visibilidade, mas criar um evento proprietário é uma estratégia de construção de ativos duradouros.
Ao ter seu próprio projeto, a marca controla a narrativa, coleta dados primários dos participantes, cria formatos e rituais que se tornam exclusivos e estabelece um território simbólico que passa a ser associado a ela. Além disso, um evento proprietário se torna laboratório de inovação, espaço de experimentação de produtos e relacionamento direto com comunidades. A longo prazo, essa autonomia garante relevância, consistência e um valor de marca que nenhuma cota de patrocínio pode entregar.

EM – O The Town Learning Journey 2025 é um exemplo de como o festival se estende para além do entretenimento, atuando como plataforma de conhecimento. Como uma marca-evento consegue equilibrar sua imagem de “diversão e espetáculo” com um posicionamento de “autoridade e educação”? Existe o risco de confundir o público ou diluir a essência da marca?
VS – Equilibrar o espetáculo com a autoridade de conhecimento exige clareza de propósito. O The Town conseguiu expandir sua atuação para a esfera educativa sem perder sua essência de entretenimento ao criar o Learning Journey (assim como fez no RiR, com o Rock in Rio Academy), como uma vertical complementar. A chave está em tratar cada frente com identidade própria, mas conectada pelo mesmo manifesto. Enquanto o festival é pura celebração e diversidade cultural, o Learning Journey traduz essa energia em aprendizado estruturado, compartilhando bastidores, metodologias e gestão. Assim, em vez de confundir, a marca amplia sua força: mostra que é capaz de entreter multidões, mas também de inspirar líderes e formar profissionais. O mercado de eventos só ganha com tamanha exposição do que acontece nos bastidores, além de ouvir os grandes profissionais que atuam no festival.
EM – Você menciona que eventos proprietários “conquistam relevância” em vez de “disputar atenção”. Isso nos leva à questão do legado. Como um evento que dura apenas alguns dias pode gerar um legado duradouro para a marca e para a comunidade? Quais são os pilares essenciais para que um evento seja mais do que uma experiência efêmera?
VS – O legado é quando a comunidade continua engajada depois que os palcos se desmontam. Quando o público carrega consigo não apenas a memória de um show, mas a sensação de fazer parte de algo maior, o evento deixa de ser apenas um breve momento, e passa a ser um marco cultural e social. Se conseguir ainda dar continuidade em programas sustentáveis, melhor ainda.
EM – Seu texto ressalta a inspiração que o The Town oferece para o mercado corporativo. Poderia nos apresentar dois ou três exemplos práticos e aplicáveis a empresas de outros segmentos, como tecnologia, varejo ou serviços financeiros? Que lições cruciais elas podem extrair desse case para aprimorar suas próprias estratégias de branding e eventos proprietários?
VS – O case do The Town oferece aprendizados aplicáveis a qualquer setor. Uma empresa de tecnologia pode criar seu próprio encontro proprietário, convidando clientes e desenvolvedores a cocriar soluções em tempo real. Um varejista pode montar festivais locais que valorizem gastronomia, arte e criadores da região, fortalecendo laços com a comunidade e o entorno. Um banco ou fintech pode usar a lógica de festival para traduzir educação financeira em experiências interativas e inspiradoras, gerando aprendizado e relacionamento duradouro. A lição central é que quando a marca assume a autoria de sua plataforma de experiências, ela constrói vínculos mais profundos do que aqueles possíveis em ações pontuais de patrocínio. Ou ainda buscar parceiros patrocinadores para esses encontros segmentados.
EM – Olhando para o futuro, qual a sua previsão para o mercado de eventos proprietários no Brasil nos próximos anos? O que as marcas precisam entender hoje para se posicionar com sucesso nesse cenário em constante evolução? Acredita que teremos mais cases como o The Town ou ainda falta maturidade no mercado?
VS – Acredito que o mercado de eventos proprietários no Brasil tende a crescer nos próximos anos, como já estamos vendo várias marcas se consolidando com seus eventos. O que importa, no final de um evento, é a criação de relacionamentos diretos e fiéis, e a construção de comunidades ainda mais estratégicas. As marcas que entenderem que evento não é apenas uma data, mas uma plataforma contínua de conteúdo, relacionamento e dados, sairão na frente. Veremos uma proliferação de formatos híbridos, que combinam grandes celebrações com ativações menores ao longo do ano. Casos como o The Town mostram que já existe maturidade para projetos desse porte, mas o grande desafio para as marcas será investir em governança, consistência narrativa e capacidade de manter a comunidade ativa no intervalo entre as edições. E tudo isso não seria possível sem os patrocinadores que acreditam no projeto. Mas, ao mesmo tempo, vejo eventos corporativos diminuindo cada vez mais as verbas destinadas aos seus eventos, deixando passar a chance de uma entrega com propósito e engajamento.
*É Editor-Chefe de VALOR CULTURAL/Marketing Cultural, que têm entre seus propósitos dar visibilidade a bons projetos ou ações, valorizar empresas que praticam patrocínios conscientes e apontar aquelas que fingem ser o que não são no campo da Responsabilidade Social.
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