Conheça Quem Manteve e Quem Modificou Políticas de Diversidade (Parte 1)

Comparativo entre Relatórios de Sustentabilidade publicados por empresas em 2023 e 2024, demonstrou que assuntos como Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) tiveram, em vários casos, tratamentos diversos de um ano para outro. Esse fenômeno ocorreu, principalmente, em multinacionais norte-americanas e japonesas que se sentiram mais suscetíveis ao reordenamento político dos Estados Unidos quanto a essas questões.

Mas empresas genuinamente brasileiras aderiram a essa nova ordem, remodelando temas como raça, gênero, direitos das minorias que estavam no foco dos relatórios de anos anteriores?

Valor Cultural utilizou inteligência natural e artificial para detectar possíveis diferenças de abordagem de 16 companhias pesquisadas, entre nacionais e estrangeiras com filial no Brasil, tendo como base seus relatórios de Sustentabilidade publicados nos dois últimos anos.

Nessa primeira parte do diagnóstico mostramos o comportamento de quatro empresas que mantiveram ou até ampliaram suas políticas de diversidade, e outras quatro que preferiram dar menos ênfase, ou até omitirem, em alguns casos, o que estava mais explícito no relatório de 2023.

Nesta edição foram analisadas as empresas Amazon, Vale, Toyota, Gerdau, Microsoft, JBS, Samsung e Magazine Luiza.

Na segunda parte estão listadas Honda, Banco do Brasil, Coca-Cola, Ambev, Google, Eletrobrás, Ford e Itaú Unibanco.

Nos casos em que não houve publicação de relatório no Brasil, foi observado o relatório global de cada companhia.

O texto de abertura para esses relatórios pode ser lido por aqui. As primeiras oito empresas analisadas estão abaixo e para cada uma em que houve alterações foi gerado um gráfico atribuindo notas comparativas sobre sua transparência para essas questões.

AMAZON

Até 2023, a Amazon vinha desenvolvendo uma comunicação institucional sólida em torno dos princípios de diversidade, equidade e inclusão (DEI). O relatório global daquele ano — Amazon Global Diversity, Equity and Inclusion Report 2023 — apresentava metas claras, indicadores por gênero e etnia, e dados segmentados por país, com foco específico nos Estados Unidos.

Os compromissos declarados incluíam:

Aumentar a representatividade de mulheres e pessoas negras em cargos de liderança;
– Apoiar grupos de afinidade e redes internas (como Black Employee Network e Glamazon);
– Promover ações para inclusão de pessoas com deficiência e da comunidade LGBTQIA+;
– Investir em capacitação e inclusão de grupos sub-representados na cadeia de suprimentos e tecnologia.

Além disso, havia um esforço para relatar publicamente indicadores e avanços ano a ano, ainda que a maior parte dos dados estivesse centrada na operação norte-americana.

Mudanças de Linguagem

Comparado ao ano anterior, o relatório de 2024 adota uma abordagem mais contida. A linguagem institucional evita expressões ligadas a movimentos sociais ou compromissos explícitos. O espaço dedicado à apresentação de metas e resultados foi reduzido e a DEI aparece de forma transversal e difusa. As páginas anteriormente dedicadas a dados raciais, LGBTQIA+ e de gênero foram substituídas por blocos genéricos sobre “cultura interna” e “engajamento com colaboradores”.

Os programas continuam operando, mas a comunicação sobre eles tornou-se menos visível e engajada.

Relatório 2023

O relatório de 2023 da Amazon apresentava a DEI como eixo estratégico da cultura corporativa. Havia capítulos exclusivos dedicados à equidade racial e à inclusão de gênero, com indicadores públicos detalhados, metas explícitas e dados comparativos entre unidades geográficas. A empresa promovia abertamente a meta de aumentar a presença de negros e latinos em cargos de liderança nos EUA, detalhando percentuais de crescimento ano a ano. O programa Amazon Future Engineer era vinculado diretamente à meta de equidade educacional e mobilidade social, inclusive no Brasil. A presença de linguagem de justiça social era constante, com menções a justiça racial,  equidade racial, desigualdade sistêmica e inovação inclusiva.

Relatório 2024

No relatório global de 2024, as mudanças mais significativas foram:

Ausência de metas numéricas públicas sobre raça, gênero ou identidade de gênero;
– Redução na quantidade de gráficos, dashboards e indicadores comparativos;
– Linguagem mais genérica e institucional, com menor ênfase em compromissos ativistas;
– Diminuição da visibilidade dos grupos de afinidade e suas ações;
– Foco reforçado em tópicos como “performance organizacional”, “resiliência de talentos” e “boas práticas internas”, com menor protagonismo para as temáticas raciais, LGBTQIA+ e de interseccionalidade.

Essas alterações se alinham à tendência de diversas grandes corporações norte-americanas em rever a exposição pública de suas políticas de DEI, em um ambiente político e jurídico mais conservador e crítico ao que se convencionou chamar de “agenda woke”.

Comparação 2023 vs. 2024

A comparação direta entre os dois relatórios evidencia uma mudança de estratégia institucional. Em 2023, a Amazon comunicava seus compromissos com convicção e transparência, apresentando dados públicos e narrativa afirmativa.

Em 2024, embora continue operando parte dos programas, opta por uma linguagem moderada, uma reorganização editorial que dilui a centralidade da DEI e uma redução da visibilidade pública sobre os compromissos anteriormente promovidos.

A retirada do vocabulário identitário e de justiça social indica um reposicionamento comunicacional mais conservador, em linha com o ambiente político de parte dos mercados onde atua.

Ausência de Relatório no Brasil

A Amazon Brasil não publica um relatório específico de DEI voltado à operação brasileira. As práticas, compromissos e indicadores locais não são sistematizados nem divulgados em português.

A única fonte acessível sobre diversidade no site brasileiro é a página institucional Diversidade, Equidade e Inclusão”, que:

Reitera princípios e valores da matriz global;
– Apresenta exemplos de iniciativas inclusivas e grupos de afinidade;
– Não oferece dados, metas ou indicadores quantitativos sobre a operação nacional;
– Não permite acompanhar a evolução local das políticas de diversidade ou aferir impacto real no Brasil.

Essa limitação reforça a dependência de análise sobre a matriz norte-americana, impossibilitando uma avaliação objetiva da situação no país.

Diante da redução substancial na visibilidade e detalhamento dos compromissos no relatório global 2024, somada à ausência de métricas ou relatório específico no Brasil, a Amazon passa a apresentar um cenário de baixa transparência sobre a continuidade de suas políticas de DEI.

Embora mantenha princípios institucionais em seus canais, há uma nítida mudança de orientação e um recuo em relação à política anteriormente mais proativa, tanto no discurso quanto na prática reportada.

VALE

Temas removidos ou reduzidos

Nenhum tema de diversidade presente no Relatório 2023 desapareceu em 2024. A Vale continua com metas ambiciosas, como duplicar a representatividade de mulheres na força de trabalho para 26% até 2025 (meta estabelecida em 2019), e não houve retrocesso nessa agenda. Não foram identificados tópicos sobre gênero, raça ou inclusão abordados em 2023 que tenham sido suprimidos em 2024.

Elementos mantidos ou aprofundados

A companhia manteve e ampliou suas políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I) entre 2023 e 2024. O relatório de 2023 já destacava que “diversidade, equidade e inclusão são valores inegociáveis” na Vale. Em 2024, esse compromisso permanece firme, com a Vale reforçando suas metas de inclusão.

Houve avanços quantitativos: por exemplo, o percentual de mulheres na força de trabalho vem crescendo gradualmente rumo à meta de 26% e a presença feminina na alta liderança também aumentou, atingindo 24% em 2023 (aproximando-se da meta de 26% até 2025). A Vale também manteve suas ações afirmativas para contratação de mulheres (foram mais de 7.500 contratadas desde 2019 até 2023) e ampliou a representatividade de negros em liderança no Brasil, que chegou a 35% em 2023.

A linguagem também ficou mais específica: em 2023 destacou-se o aprendizado da Vale em DE&I e a definição de compromissos na Política de Diversidade e Inclusão; em 2024, além de reiterar esses compromissos, a Vale evidencia novas parcerias (por exemplo, a entrada no Fórum LGBTI+ e campanhas internas de conscientização), indicando aprofundamento.

Comparação de abordagem 2024 vs. 2023

O relatório de 2024 aprofunda as questões de diversidade de forma similar ou mais detalhada que 2023. Não houve superficialidade – ao contrário, 2024 traz um relato robusto em ESG, com transparência e novas informações. A linguagem em 2024 permanece abrangente e detalhada, integrando DE&I às estratégias e destacando avanços mensuráveis (percentuais atualizados de mulheres e negros, adesão a iniciativas externas etc.), assim como fazia em 2023.

Conclusão é de que houve estabilidade com evolução positiva: os temas de diversidade e inclusão permanecem centrais, sem retrocesso, e com evidências documentais de progresso.

Não foi gerado gráfico para esse caso pois todos os comparativos se mantiveram no nível 5. 

TOYOTA

Contexto e Histórico

A Toyota, com sede no Japão e presença global, apresenta uma abordagem tradicionalmente cautelosa em relação a temas de diversidade e inclusão. Mesmo em mercados ocidentais, sua comunicação institucional evita vocabulário fortemente ativista, preferindo expressões ligadas a colaboração, respeito e diversidade cultural.

Em 2023, no entanto, o relatório ESG global da Toyota incluía menções claras à equidade de gênero e à diversidade sexual, com destaque para ações em países como EUA, Reino Unido e Brasil.

A empresa demonstrava compromisso com liderança feminina, inclusão geracional e respeito à identidade individual. Alguns mercados destacavam ainda a celebração do Pride Month (Mês do Orgulho, que homenageia a luta pelos direitos da comunidade LGBTQIA+), treinamentos internos sobre inclusão e o suporte a grupos de afinidade.

Relatório 2023

O relatório de 2023 da Toyota trazia blocos temáticos voltados à valorização da diversidade, com indicadores sobre mulheres em cargos técnicos e gerenciais em diferentes regiões. Em mercados como EUA e América Latina, havia destaque para iniciativas internas de conscientização e apoio à comunidade LGBTQIA+.

A linguagem era corporativa, mas ainda assim afirmativa: termos como “diversidade de talentos”, “liderança feminina”, “respeito à identidade individual” e “inclusão cultural” eram utilizados com recorrência.

No Brasil, a Toyota relatava apoio a iniciativas de formação profissional de jovens negros e periféricos e parcerias com instituições locais.

Relatório 2024

O relatório ESG de 2024 da Toyota global apresenta uma reformulação significativa. A antiga seção voltada à diversidade foi substituída por capítulos sobre “Human-Centered Management” e “Colaboração Intercultural”, onde os temas aparecem de forma difusa.

Os indicadores regionais sobre liderança feminina, antes visíveis, foram removidos ou realocados. Não há menções ao Pride Month, às ações afirmativas nos EUA ou à inclusão LGBTQIA+.

Expressões como “equidade de gênero”, “inclusão de minorias” e “identidade de gênero” desapareceram. A linguagem prioriza neutralidade: diversidade é abordada como “valorização da singularidade de cada indivíduo” e “respeito mútuo”.

Esse novo posicionamento ficou mais claro no início do ano, quando os fabricantes de automóveis Toyota nos Estados Unidos receberam uma reorientação dos programas de diversidade, equidade e inclusão (DEI), significando que a empresa não patrocinará mais eventos culturais e paradas como o Orgulho LGBTQ+ no país.

A decisão foi comunicada em um memorando enviado aos 50 mil funcionários dos EUA e a mais de 1.500 concessionários.

A empresa justificou que a decisão segue uma “discussão altamente politizada” em torno dos compromissos comerciais com a DEI. “Não patrocinaremos mais eventos culturais, como festivais e desfiles, que não estejam relacionados à educação Stem [ciência, tecnologia, engenharia e matemática] e à preparação da força de trabalho”, dizia o memorando.

Mudanças de Linguagem

A reestruturação de 2024 reflete essa mudança editorial clara. O vocabulário identitário foi substituído por conceitos amplos e neutros. A Toyota reorganizou suas referências à diversidade em estruturas genéricas voltadas a “colaboração multicultural”, “formação intergeracional” e “ambiente de confiança”. A exclusão de dados específicos sobre gênero e diversidade sexual reduz a transparência dos compromissos assumidos.

O foco desloca-se de correções históricas para eficiência organizacional e inovação colaborativa. A pauta LGBTQIA+, anteriormente citada em mercados como o brasileiro, foi dissimulado.

A Toyota permanece atuando em inclusão de maneira institucionalizada e silenciosa. Sua escolha de suprimir vocabulário identitário e remover dados públicos aponta para uma estratégia de neutralidade narrativa.

Essa inflexão pode proteger a marca em mercados tradicionalistas, mas enfraquece a capacidade da empresa de engajar com públicos sensíveis à pauta da equidade. A retração comunicacional não implica em abandono total, mas sim em uma tentativa deliberada de despolitizar a abordagem institucional da diversidade.

GERDAU

Temas removidos ou reduzidos

A Gerdau não reduziu nem removeu nenhum tema relacionado à diversidade e equidade entre os relatórios de 2023 e 2024. Os assuntos de gênero, raça e inclusão que vinham sendo trabalhados, continuaram aparecendo.

O relatório anual 2023, por exemplo, enfatizava a meta da Gerdau de ser uma das empresas industriais mais inclusivas e de refletir a sociedade no conjunto de seus colaboradores – e esse compromisso não foi abandonado em 2024.

Elementos mantidos ou aprofundados

A empresa manteve integralmente suas iniciativas e objetivos de diversidade, com leve evolução. Ela já possuía diretrizes claras: promoção de diversidade, inclusão e igualdade de gênero fazem parte de sua estratégia de sustentabilidade e RH. Isso permaneceu inalterado – a visão de “empoderar pessoas que constroem o futuro, promovendo ambiente diverso e inclusivo” continua sendo um princípio declarado pelos líderes da empresa.

Entre 2023 e 2024, a Gerdau seguiu implementando políticas e medindo progresso. Por exemplo, há alguns anos a empresa aderiu voluntariamente a iniciativas globais: assinou os Princípios de Empoderamento das Mulheres da ONU em 2019 e aderiu ao Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+ em 2022 – essas adesões continuaram válidas e foram consolidadas no período.

Em termos de metas, a Gerdau persegue aumento de mulheres na força de trabalho industrial (tradicionalmente masculina). Em 2024, a empresa continuou relatando avanços graduais nesse indicador (por exemplo, incrementou contratações femininas em operações específicas e manteve programas de capacitação para mulheres em áreas técnicas). Adicionalmente, todas as empresas do grupo Gerdau compartilham políticas unificadas de gênero e trocam práticas bem-sucedidas isso estava no relatório 2023 e permaneceu em 2024.

Portanto, nenhum elemento foi diminuído; houve, sim, reforço das metas pré-existentes.

Evidências de alterações

A Gerdau divulgou dados estáveis ou levemente melhores.

Em 2024, empresa atingiu 20% de mulheres no quadro de empregados (consolidado) – um progresso em relação aos 18/19% de 2022, mostrando avanço contínuo. Na liderança, também houve melhora: a proporção de mulheres na alta liderança da Gerdau subiu para 30% em 2024, frente a 28% em 2022-2023. Esses números (extraídos do relatório anual) evidenciam que de 2023 para 2024 a empresa aumentou a diversidade de gênero nos cargos-chave.

Comparação de abordagem

A abordagem do relatório 2024 segue muito similar à de 2023 em profundidade, com leve incremento de resultados a reportar. Ambos os relatórios enfatizam a ambição de inclusão e trazem indicadores e práticas. A linguagem permaneceu institucional e compromissada, sem sinais de superficialização.

Conclusão é que a Gerdau apresentou estabilidade e leve evolução positiva nas políticas de diversidade entre 2023 e 2024.

Não foi gerado gráfico por todos os indicadores permanecerem no nível 5. 

MICROSOFT

Contexto e Histórico

A Microsoft se posicionou, nos últimos anos, como uma das líderes globais em diversidade, equidade e inclusão (DEI), apresentando relatórios consistentes e detalhados desde 2020. O Relatório Global de Diversidade 2023 refletia esse compromisso por meio de metas públicas, linguagem afirmativa e dados segmentados por raça, gênero, identidade de gênero e orientação sexual.

Entre os principais destaques do relatório de 2023, estavam:

  • A meta de dobrar o número de lideranças negras até 2025;
  • Transparência com dashboards públicos atualizados de diversidade;
  • Investimentos robustos em programas de formação interna e grupos de afinidade (ERGs);
  • Participação em acordos multilaterais como o CEO Action for Diversity & Inclusion.

A estratégia global da Microsoft estava fortemente ancorada no compromisso com equidade racial, justiça social, acessibilidade e acolhimento da pluralidade de identidades.

Relatório 2023

O relatório de 2023 incluía uma seção dedicada exclusivamente à Iniciativa de Equidade Racial, com indicadores específicos, metas de longo prazo e apresentação de resultados. Havia também dados públicos sobre a composição racial e de gênero da força de trabalho global, com destaque para o mercado norte-americano. A linguagem institucional utilizava termos como “systemic inequality”, “racial justice”, “equity commitments”, e “representation goals”.

O relatório fazia menção a iniciativas educativas voltadas à população negra, parcerias com HBCUs (Historically Black Colleges and Universities), e relatava investimentos financeiros para reduzir disparidades no acesso à tecnologia.

Relatório 2024

O Relatório Global de Diversidade 2024 marca uma mudança perceptível de postura e linguagem em relação ao documento anterior. Embora ainda mantenha o compromisso institucional com diversidade, o relatório apresenta redução significativa de ênfase, detalhamento e visibilidade sobre os temas centrais de DEI. As principais alterações incluem:

  • Substituição de expressões afirmativas (como “antirracismo”, “interseccionalidade” e “justiça racial”) por termos genéricos como “diversidade ampla” e “visões plurais”;
  • Eliminação de gráficos comparativos e metas segmentadas por raça e identidade de gênero;
  • Redução do número de programas de referência citados, especialmente aqueles voltados a comunidades LGBTQIA+ e pessoas negras;
  • Atenuação na linguagem de compromisso com causas sociais anteriormente destacadas;
  • Foco mais difuso e narrativo, sem o mesmo nível de sistematização técnica e acompanhamento de indicadores.

Essas mudanças acompanham o cenário político norte-americano, no qual temas como diversidade e inclusão passaram a ser alvos de críticas públicas, especialmente por grupos conservadores. A Microsoft parece ter adotado, assim, uma linha mais cautelosa e menos ativista em sua comunicação institucional global.

Mudanças de Linguagem

A Microsoft promoveu uma inflexão importante na forma como comunica sua política de inclusão. A linguagem de justiça social foi substituída por expressões de gestão de cultura organizacional. A seção de DEI, anteriormente autônoma, foi diluída em meio a tópicos genéricos sobre experiência dos funcionários. Os dados sobre diversidade foram realocados e reduzidos no relatório principal. O foco simbólico deixou de ser a promoção de transformação social e passou a ser a construção de ambientes colaborativos e produtivos, sem o mesmo nível de intencionalidade.

Comparação 2023 vs. 2024

Em 2023, a Microsoft comunicava seus compromissos com representatividade, reparação histórica e justiça racial com vocabulário engajado e narrativas estruturadas em torno da mudança sistêmica. Em 2024, a empresa mantém programas estruturantes e continua medindo indicadores internos, mas opta por uma forma de comunicação mais neutra e menos politizada. A retirada da “Racial Equity Initiative” como frente destacada e a diluição da linguagem afirmativa representam um reposicionamento editorial com impactos simbólicos claros.

Interpretação e Considerações Finais

A Microsoft, embora continue promovendo inclusão e mantendo seus compromissos internos, optou por reduzir a visibilidade pública de temas potencialmente polarizadores, como raça e identidade de gênero. A estratégia parece visar à proteção da reputação da marca em contextos geopolíticos mais sensíveis. No entanto, ao suprimir o tom ativista, a empresa compromete parte do capital simbólico que havia construído como referência em DEI. A mudança sugere uma reconfiguração narrativa, onde a inclusão deixa de ser pauta de transformação social e passa a ser tratada como componente de gestão organizacional. Essa transição pode limitar o poder de mobilização da marca junto a públicos engajados com justiça social e equidade estrutural.

A análise crítica sobre a Microsoft em 2024 se baseia predominantemente no conteúdo do relatório global, uma vez que:

  1. O Brasil não conta com um relatório específico de DEI;
  2. O documento “Mais Brasil” não cobre indicadores internos de diversidade e inclusão;
  3. A página brasileira oficial de diversidade apenas replica os dados do relatório global, sem fornecer dados complementares da operação nacional.

Diante disso, a queda de pontuação atribuída no comparativo DEI 2023 x 2024 é justificada pelo enfraquecimento das políticas e da linguagem DEI na comunicação institucional global, somada à ausência de transparência local.

JBS

Temas removidos ou reduzidos

No caso da JBS, empresa do setor alimentício, não se observam supressões de temas de diversidade entre os relatórios de 2023 e 2024. Os assuntos “woke” – como inclusão de mulheres, combate à discriminação e diversidade no quadro de funcionários – permaneceram presentes. Nenhum tópico abordado no relatório de Sustentabilidade 2023 deixou de aparecer em 2024.

Elementos mantidos ou aprofundados

A JBS manteve seus compromissos de diversidade e inclusão de forma semelhante nos dois anos. A governança do tema permaneceu: a companhia continuou a contar com um Comitê de Sustentabilidade no conselho que supervisiona questões de diversidade e inclusão entre outros aspectos ESG. Esse comitê, já mencionado em 2023, persistiu em 2024 ajudando a garantir que a diretoria mantenha o assunto em pauta.

Em termos de políticas, a JBS seguiu prezando “a diversidade e a inclusão, a fim de proporcionar igualdade de condições a todas as pessoas” – declaração institucional que constava em relatórios anteriores segue válida. A empresa continuou, por exemplo, com sua política global de tolerância zero à discriminação no Código de Conduta e manteve programas de treinamento sobre direitos humanos para funcionários (incluindo conteúdo de diversidade).

Houve também continuidade nas metas globais: a JBS se compromete a refletir a diversidade das comunidades onde atua e relata avanços regionais. Embora a JBS não divulgue metas numéricas específicas de diversidade publicamente, ela permaneceu integrando índices e pesquisas externas.

Em 2023, por exemplo, foi destacada em pesquisas de inclusão (Ethos/Época) como uma das empresas referência, e essa reputação se manteve em 2024 (a companhia continuou a figurar pelo terceiro ano consecutivo entre as empresas reconhecidas pela premiação Melhores Empresas em Práticas de Diversidade).

Em resumo, todos os elementos foram mantidos; se houve algo, foi leve aprofundamento natural da estratégia ESG, mas sem grandes alterações de rumo.

Evidências de alterações

Os relatórios de 2023 e 2024 da JBS apresentam linguagem e iniciativas consistentes. Por exemplo, o relatório 2023 nota que a JBS realiza pesquisa de diversidade a cada dois ou três anos, indicando preocupação em medir a evolução interna, com próxima edição prevista para 2025.

Em 2024 esse compromisso com monitoramento permaneceu (a pesquisa de diversidade está programada para acontecer conforme o cronograma citado). Outro sinal de estabilidade é a manutenção de adesões voluntárias: em 2022, a JBS assinou a Carta de Adesão ao Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, integrando-se a um movimento coletivo por direitos LGBT – em 2023 e 2024 essa participação continuou válida, sem indicações de recuo.

Apesar de enfrentar mais atenção em temas ambientais, não negligenciou o social: o relatório 2024 manteve seção dedicada a Gente & Diversidade, similar a 2023, reforçando iniciativas de bem-estar, segurança e diversidade dos colaboradores.

Não houve indicadores-chave mostrados em 2023 que tenham desaparecido em 2024.

Comparação de abordagem

A abordagem permaneceu semelhante e consistente. O foco da JBS, tanto em 2023 quanto em 2024, foi mostrar iniciativas ao longo da cadeia produtiva e metas globais, com diversidade sendo um componente da dimensão social. Em ambos os anos, a linguagem enfatiza igualdade de oportunidades e compromissos éticos (o Código de Conduta com cláusulas antidiscriminação).

Não se nota diferença de tom; o relatório 2024 continua abrangendo diversidade de forma estruturada, embora com o mesmo nível de detalhe do anterior. A JBS tende a comunicar suas ações de diversidade de modo resumido (menos páginas dedicadas do que empresas de outros setores), mas isso já era característica em 2023.

Portanto, não houve retrocesso nem avanço dramático na forma de reportar – houve sim a manutenção da pauta. Em suma, o quadro é de estabilidade: a JBS sustenta suas políticas de diversidade e as reporta de maneira parecida nos dois anos, sem sinais de descontinuidade ou omissão de informações.

SAMSUNG

Contexto e Histórico

A Samsung, como uma das principais conglomeradas tecnológicas da Ásia, tradicionalmente adota uma postura comunicacional mais reservada e centrada na eficiência operacional, com ênfase em inovação, crescimento sustentável e gestão global.

Apesar disso, nos últimos anos, especialmente após 2020, a empresa passou a incorporar temas de diversidade e inclusão em seus relatórios ESG, sobretudo para alinhar-se às expectativas de stakeholders ocidentais.

Relatório 2023

Em 2023, a Samsung incluía seções sobre DEI com destaque para equidade de gênero, inclusão de pessoas com deficiência e parcerias educacionais voltadas para jovens em situação de vulnerabilidade social. A linguagem institucional começava a incorporar termos como “diversidade geracional”, “ambiente de trabalho equitativo” e “responsabilidade social corporativa orientada por valores humanos”.

O relatório ESG de 2023 da Samsung apresentava blocos específicos sobre diversidade de talentos, gênero e acessibilidade. Havia menções à meta de ampliar a presença feminina em posições técnicas e de liderança, além de incluir indicadores sobre contratações, treinamentos e ações internas para garantir um ambiente inclusivo.

Algumas filiais, como Samsung Brasil e Samsung América, destacavam suas iniciativas de formação de jovens em tecnologia, com foco na inclusão de perfis subrepresentados.

Embora a linguagem fosse mais técnica que engajada, havia intenção de demonstrar alinhamento com os princípios da diversidade corporativa global.

Relatório 2024

No relatório de 2024, a Samsung alterou significativamente a abordagem comunicacional. A expressão “diversidade” aparece com menos frequência e os temas de gênero, raça ou identidade deixaram de figurar como eixos estruturantes. As seções foram reorganizadas sob o título “Desenvolvimento de Pessoas e Cultura Corporativa”, com foco na segurança psicológica, clima organizacional e treinamento contínuo.

Os dados sobre equidade de gênero e inclusão foram suprimidos do relatório principal. As iniciativas locais seguem em execução, mas sem visibilidade editorial significativa. O tom do texto é voltado à performance, inovação e estabilidade institucional.

Mudanças de Linguagem

Houve uma inflexão nítida na linguagem e na estrutura narrativa. O vocabulário identitário e afirmativo foi substituído por expressões genéricas como “respeito mútuo”, “desenvolvimento profissional” e “qualidade de vida no trabalho”.

A estrutura que anteriormente destacava diversidade como valor passou a tratá-la como uma variável de bem-estar interno. Os temas que tratavam diretamente de identidade social e representação foram retirados.

A reorganização do conteúdo sugere uma escolha editorial deliberada por neutralidade cultural e distanciamento simbólico das pautas politizadas.

Comparação 2023 vs. 2024

Comparando os dois relatórios, nota-se uma retração importante. Em 2023, havia uma tentativa de consolidar a pauta DEI como componente institucional em crescimento. Em 2024, essa trajetória foi interrompida, com redução significativa da exposição pública dos compromissos.

A empresa manteve parte dos programas internos, mas optou por não enfatizá-los em sua comunicação estratégica. O conteúdo foi diluído, os dados eliminados e o vocabulário suavizado.

Interpretação e Considerações Finais

A retração discursiva da Samsung em 2024 parece responder a uma orientação estratégica de preservar a neutralidade institucional e evitar exposições públicas que possam gerar controvérsia em mercados polarizados. A postura da matriz asiática, tradicionalmente mais conservadora, provavelmente influenciou a decisão de reduzir a visibilidade da agenda identitária.

Embora os programas internos continuem, a despolitização do discurso público indica um deslocamento da diversidade como valor estratégico para um papel funcional, limitado ao campo da gestão de talentos. O risco dessa transição pode ser a desconexão com públicos engajados, além da perda de posicionamento como marca global conectada a valores contemporâneos.

MAGAZINE LUIZA (Magalu)

Temas removidos ou reduzidos

Nenhum tema ligado à diversidade, inclusão ou equidade foi removido do relatório 2024 do Magazine Luiza em relação ao de 2023. Magalu tem um histórico forte de promoção da diversidade e isso se manteve inalterado – não houve qualquer recuo na defesa dessas pautas.

Por exemplo, o programa de trainee exclusivo para talentos negros (iniciado em 2020) continuou a ser parte da estratégia de recrutamento afirmativo nos anos seguintes, e as referências à inclusão de minorias permanecem nos relatórios.

Não foi identificada ausência em 2024 de nenhum tópico que estivesse presente em 2023; a empresa seguiu abordando gênero, raça, PCD e LGBT+ consistentemente.

Elementos mantidos ou aprofundados

Magalu manteve todos os elementos de suas políticas de diversidade e até os ampliou em certas frentes. A visão estratégica de representar a pluralidade demográfica do Brasil em todos os níveis hierárquicos permaneceu guia central.

Em 2023, o relatório anual já trazia indicadores claros: dos 36.900 colaboradores, 48,5% eram mulheres, mostrando equilíbrio de gênero, e havia menção explícita à ambição de refletir a demografia do país em todos os cargos. No relatório de 2024 (cobrindo ano-base 2023), esses números e compromissos permaneceram: Magalu continuou próxima da paridade de gênero no quadro (indicando estabilidade nessa proporção) e prosseguiu suas ações afirmativas.

Por exemplo, seguiram em prática ações para atrair mais mulheres para posições de liderança e para áreas de tecnologia (campo historicamente masculino), algo enfatizado no relatório 2023 e reforçado em 2024.

Adicionalmente, a empresa manteve postura firme contra assédio e discriminação: a política de tolerância zero ao assédio, com previsão de demissão por justa causa para assediadores, foi reiterada – não houve abrandamento dessa regra em 2024, evidenciando continuidade do rigor. Magalu também aprofundou benefícios e programas inclusivos: já em 2023 destacava benefícios exclusivos para colaboradores PCD (bolsas de estudo, auxílio-cuidador) e licenças parentais estendidas para funcionários com filhos.

Em 2024 todos os pilares – gênero, raça, PCD, LGBTQIA+ – permaneceram prioritários e as ações se fortaleceram.

Evidências de alterações

A comparação dos relatos mostra estabilidade com leve evolução em resultados e reconhecimento. Por exemplo, em 2023 o Magalu foi reconhecido como líder na categoria Mulheres em Grandes Empresas pelo Great Place to Work, e esse reconhecimento se repetiu e se manteve em 2024 (indicando que continuou figurando entre as melhores empresas para mulheres).

Internamente, os indicadores demográficos do relatório 2024 (ano-base 2023) ficaram praticamente no mesmo patamar de 2022: cerca de 48% do quadro composto por mulheres e 51,5% por homens, mostrando que a diversidade de gênero permaneceu equilibrada.

Já em cargos de liderança, Magalu historicamente já tinha muitas mulheres; continuou investindo nisso e colhendo resultados – embora o relatório não traga um percentual exato de mulheres em liderança, o prêmio GPTW citado sugere que se manteve entre as top empresas em representatividade feminina.

Em relação à raça, embora os relatórios Magalu não divulguem percentuais exatos de colaboradores negros (o que também é uma falha), a ambição de refletir a demografia nacional sinaliza que eles continuam implementando medidas (como o recrutamento focado e o programa de trainee negro) para aumentar essa participação. A seriedade do compromisso fica evidente em trecho do relatório 2024: “o Magalu promove treinamentos sobre diversidade, viés inconsciente e inclusão, alcançando milhares de colaboradores” – isso indica que em 2023 e 2024 mantiveram a capacitação interna, sem pausa.

Comparação de abordagem

A abordagem do Magalu em 2024 é tão detalhada e comprometida quanto em 2023, embora lhe faltem dados mais consistentes como os mencionados acima.

Ambos os relatórios exibem seções extensas sobre Cultura e Valores, integrando diversidade como valor central (“Gente que gosta de gente” é um dos valores fundamentais, ressaltando colaboração, respeito e inclusão). O tom continua pessoal e engajado, refletindo o legado da fundadora Luiza Trajano de priorizar inclusão e ética.

Não houve superficialidade – na verdade, em alguns pontos, o relatório 2024 é bastante minucioso, chegando a listar percentuais de gênero no quadro, descrever ritos internos semanais de alinhamento e destacar ações sociais (como o edital de combate à violência), assim como o de 2023 já o fazia.

A principal diferença é a atualização de dados e a menção de que em fevereiro de 2024 faleceu Luiza Trajano Donato (“Tia Luiza”), mas mesmo isso é usado para reafirmar os valores de inclusão que ela instituiu. Ou seja, o relatório 2024 reforça que a missão de inclusão permanece guiando a empresa mesmo após a partida da matriarca – um sinal claro de continuidade cultural.

LEIA TAMBÉM

Empresas Recuam no Discurso da Diversidade: Nova Tendência ou Posicionamento Estratégico?

Conheça Quem Manteve e Quem Modificou Políticas de Diversidade (Parte 2)

ESG Deixou de Ser Teoria – Já Faz Parte do Negócio

Itaú Unibanco Abraça Causa e Vai Apoiar Projetos da Comunidade LGBT+

Shopping cart close
Pular para o conteúdo