As principais entidades responsáveis pela gestão coletiva dos direitos autorais no Brasil, publicaram segunda-feira, 21, um manifesto em defesa dos direitos dos autores e artistas brasileiros. O documento denuncia o uso não autorizado de criações musicais em plataformas e sistemas de Inteligência Artificial (IA), que se utilizam dessas obras para treinamento de algoritmos sem o devido consentimento ou compensação financeira aos titulares.
A Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus), Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes (Amar), Associação de Intérpretes e Músicos (Assim), Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música (Sbacem), Sociedade Independente de Compositores e Autores Musicais (Sicam), Sociedade Brasileira de Administração e Proteção de Direitos Intelectuais (Socinpro) e a União Brasileira de Compositores (UBC), além do ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), expressam preocupação com o crescente uso de Inteligência Artificial para gerar novas composições musicais, aproveitando-se de milhões de obras protegidas por direitos autorais, e alertam sobre a necessidade de transparência e regulamentação para coibir essa prática.
O manifesto defende a preservação do sistema de proteção dos direitos autorais no contexto do avanço das tecnologias de Inteligência Artificial, exigindo medidas que garantam a valorização da criatividade humana e a justa remuneração dos artistas.
O texto reforça a importância de iniciativas que responsabilizem legalmente os desenvolvedores de IA e ressalta que qualquer uso de obras protegidas deve contar com a autorização prévia dos seus autores.
As associações destacam que o autor, seja ele compositor, intérprete ou músico, é a pessoa física criadora da obra, e que o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor dessas criações é garantido pela Constituição Federal. No entanto, o avanço acelerado das tecnologias de Inteligência Artificial está colocando em risco esse direito fundamental, à medida que obras artísticas, literárias e científicas são utilizadas indiscriminadamente por sistemas de IA para o treinamento de seus algoritmos sem a devida autorização.
O manifesto pontua que, para que esses sistemas possam gerar novas obras, eles são treinados a partir de um vasto acervo de criações protegidas, muitas vezes sem que os autores sequer saibam que suas músicas estão sendo usadas como base para essas tecnologias. Essa prática, além de desrespeitar os direitos autorais, prejudica diretamente a justa remuneração dos titulares dessas obras, que são excluídos da cadeia de valor gerada pelo uso de suas criações.
Outro ponto de destaque no documento é a crescente utilização de músicas geradas por IA em serviços de sonorização ambiental, como trilhas para lojas e estabelecimentos comerciais. Segundo as associações, esses serviços utilizam composições geradas a partir de Inteligência Artificial, e, ao fazê-lo, acabam burlando a legislação de direitos autorais, uma vez que essas obras são criadas com base no treinamento não autorizado de músicas protegidas. Essa prática coloca os estabelecimentos em uma posição de violação solidária de seus direitos, sem que, muitas vezes, sequer tenham conhecimento disso.
As entidades de gestão coletiva reafirmam que a música é uma expressão única da cultura e da criatividade humana, resultado do talento e da dedicação de milhões de compositores, intérpretes e músicos. O manifesto alerta que permitir que sistemas de Inteligência Artificial utilizem essas obras sem qualquer tipo de regulação ou autorização coloca em risco conquistas históricas na proteção dos direitos autorais, ameaçando diretamente a subsistência de milhares de artistas que dependem dessa remuneração.
Diante desse cenário, o manifesto faz um chamado para que os desenvolvedores de sistemas de Inteligência Artificial adotem práticas transparentes e responsáveis, que respeitem a legislação vigente e os direitos dos autores. Além disso, as associações e o ECAD pedem que o Poder Público atue de forma rigorosa na fiscalização dessas plataformas, garantindo que as violações já ocorridas sejam responsabilizadas e impedindo novas infrações. A necessidade de incluir a proteção aos direitos autorais nas discussões sobre a regulação da IA é considerada uma prioridade, para que a criatividade humana continue sendo valorizada e protegida.
O documento conclui afirmando que a música, enquanto patrimônio cultural, não pode ser vista como um recurso livremente explorável por sistemas de IA, e que os direitos dos criadores devem estar no centro de qualquer debate sobre o uso de suas criações.
A íntegra do Manifesto está abaixo:
“As Associações de Gestão Coletiva de Direitos Autorais sobre obras musicais e fonogramas, ABRAMUS, AMAR, ASSIM, SBACEM, SICAM, SOCINPRO, e UBC, e o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), que representam mais de 5,3 milhões de titulares de direitos autorais e conexos, nacionais e estrangeiros, e reúnem 24 milhões de obras musicais e 24 milhões de fonogramas, tanto do Brasil como do exterior, vêm publicamente manifestar-se em defesa desses direitos, repudiando a utilização não autorizada de obras artísticas, literárias e científicas para o treinamento de sistemas de Inteligência Artificial.
Temos observado, com crescente preocupação, o surgimento de plataformas de geração de músicas por meio de sistemas de Inteligência Artificial – sistemas esses que, para serem capazes de gerar novas obras artísticas, foram treinados a partir de milhares de obras pré-existentes, sem a devida autorização dos titulares e sem qualquer forma de compensação por tal utilização. Também temos verificado, ainda que de forma incipiente, o uso de conteúdos musicais produzidos por IA para fins de sonorização ambiental por serviços que ludibriam os usuários de música, tornando-os, ao fim e ao cabo, solidários à violação dos direitos autorais, devido à disponibilização em seus estabelecimentos comerciais de conteúdos produzidos a partir do treinamento não autorizado de obras e fonogramas protegidos.
Nesse contexto, convém reafirmar: autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica, a quem compete o direito exclusivo, constitucionalmente garantido de utilizar, fruir e dispor de suas criações. Sistemas de Inteligência Artificial não são autores e a utilização de obras ou fonogramas protegidos em seu processo de treinamento sem a autorização prévia e expressa dos titulares é uma violação de direitos autorais e conexos.
A música é uma expressão da cultura e criatividade humanas, fruto do talento de compositores, intérpretes e músicos, cuja proteção é primordial. A forma como o desenvolvimento de ferramentas de Inteligência Artificial vem sendo realizado ameaça uma conquista civilizatória, que é a proteção e valorização dos titulares de direitos autorais e de sua justa remuneração.
Portanto, é essencial que sejam exigidas medidas de transparência por parte dos desenvolvedores de sistemas de Inteligência Artificial, que permitam ao Poder Público fiscalizar e coibir o uso não autorizado de obras protegidas, bem como promover a devida responsabilização pelas violações de direitos autorais já cometidas. Em um momento em que são discutidas iniciativas de regulação da Inteligência Artificial, é essencial que o sistema de proteção da Lei de Direitos Autorais seja preservado e que a proteção à criatividade humana norteie tais discussões.
Reiteramos que qualquer utilização de obras protegidas deve ter o consentimento prévio e expresso dos respectivos titulares, bem como a justa remuneração pela exploração dos seus direitos. Seguiremos sempre vigilantes e atuando em defesa da música e dos artistas, buscando proteger o que temos de mais valioso: nossa cultura”.
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