Os sinais são claros. É muito provável, muito provável mesmo, que a Petrobras volte a assumir a ponta novamente da lista de maior patrocinador individual da cultura brasileira, sempre, claro, com uso do incentivo fiscal, posição que ela ostentou por muitos anos.
Sua Assessoria indica que novo edital será publicado em breve, mas que, “nesse momento, seguimos com as linhas de atuação para cultura, música, artes cênicas, audiovisual e múltiplas expressões”.
Mas os projetos já escolhidos em 2023 apontam para além dessas áreas e o volume aplicado, somente com utilização da lei Rouanet, nos três primeiros meses do ano, já chega a 62% do investido em 2022, sem publicação de nenhum edital por enquanto – e edital, assim como ocorre com a Vale também, representa percentual pequeno de apoio frente às escolhas diretas, incentivadas ou não.
Não é preciso ser nenhum gênio para encontrar os motivos que antecipam essa tendência. Em 2022 o lucro líquido da empresa foi de R$ 188.328 bilhões, o maior de sua longa história. O resultado ficou 76,6% acima dos R$ 106.668 bilhões reportados em 2021, até então o valor recorde. As cotações internacionais do petróleo impulsionaram o resultado.
Em termos de comparação, o ano em que ela mais utilizou verba para apoiar projetos culturais com lei Rouanet foi em 2006, quando aplicou R$ 262 milhões. O lucro líquido da empresa, em 2005, foi de R$ 23 bilhões, até então o maior já atingido. Foram 637 projetos patrocinados, de todas as áreas.
Em 2022 investiu R$ 16,7 milhões em 45 projetos, frente ao lucro líquido em 2021, já apontado acima, de R$ 106,6 bilhões. A Transpetro colabora com o programa proprietário chamado Cinema em Movimento – em 2022 aplicou R$ 332 mil e, em 2023, R$ 444 mil.
Nos três primeiros meses de 2023, a Petrobras já está no topo da lista com R$ 10,3 milhões direcionados para somente 20 projetos, sendo mais da metade na área de Música, o que não conta muito, já que, dos R$ 6,5 milhões aplicados, R$ 5,5 milhões foram para sua própria orquestra. Teremos, ainda, nove meses pela frente.
Casado com esse elemento financeiro, derivado de um lucro estratosférico, está a nova visão do Governo recém-eleito em relação à cultura, evidenciada na recriação de um Ministério que se transformara em penduricalho do Ministério do Turismo sob o nome de Secretaria Especial.
Não será mais um ex-capitão da PM que filtrará quem deve ter projeto patrocinado com a lei de incentivo. Nova Instrução Normativa será publicada até o final deste mês e aguarda-se regras mais favoráveis a produtores e proponentes.
APORTES – Em 2023, até março, a Petrobras já patrocinou quatro projetos de Artes Cênicas, um de Artes Visuais, sete de Audiovisual, um de Humanidades, seis de Música e um de Patrimônio.
Embora ainda não tenha publicado edital referente a cultura, a empresa lançou em fevereiro chamada pública para seu Programa Petrobras Socioambiental com o maior volume de verba total alocada para uma edição: R$ 430 milhões.
Afirma que o Programa “estrutura os investimentos socioambientais da companhia e tem por objetivo fomentar o desenvolvimento de novas parcerias, fortalecer vínculos e gerar benefícios mútuos, oportunizando o respeito aos direitos sociais, ambientais, territoriais e culturais das comunidades e populações locais, bem como gerar resultados positivos em temas socioambientais relevantes para o negócio e para a sociedade”.
Essa seleção pública visa oferecer oportunidades para projetos socioambientais incentivados e não incentivados.
Os projetos não incentivados devem ter duração de 36 meses, atuar no entorno das nossas operações e/ou com temáticas prioritárias para o nosso negócio, enquadradas nas ações elegíveis previstas nas linhas de atuação Educação, Desenvolvimento Econômico Sustentável, Florestas e Oceano, promovendo a transparência e igualdade de acesso aos proponentes dos projetos
Os projetos incentivados devem ter duração de 36 meses, atuar no entorno das nossas operações e/ou com temáticas prioritárias para o nosso negócio, e estar enquadradas nas ações elegíveis previstas na linha de atuação Educação. Concomitantemente ao enquadramento na linha de atuação de Educação do Programa Petrobras Socioambiental, as propostas de projetos deverão atender a manifestação de desporto educacional de forma protagonizada.
Para Projetos Não Incentivados, as inscrições estarão abertas até 18 horas do dia 11 de abril de 2023 (terça-feira).
Para Projetos Incentivados, estarão abertas até 18 horas do dia 30 de junho de 2023 (sexta-feira).
Acesse por aqui link para página de Inscrição
Veja, no final desse texto, matéria publicada em Valor Cultural com análise sobre esse programa.
Empresa também mantém um canal para encaminhamento de propostas para esse programa fora dos prazos do edital. O caminho é esse.
TRANSPARÊNCIA – Mas, nos estertores do Governo Bolsonaro, um fato surpreendente aconteceu. Foi inserido no site da Petrobras uma página chamada Portal da Transparência, lançada em 14 de dezembro de 2022, com a relação dos contratos de patrocínios a projetos sociais e ambientais, além dos patrocínios de negócio, ciência e tecnologia, esportivo e cultural, celebrados pela empresa.
A lista com os contratos públicos, incluindo patrocínio a projetos culturais e esportivos, vai de 2015 a 2023 (com atualização mensal).
Essa lista é importante porque, por ela, é possível saber quais foram os aportes feitos pela Petrobras, incluindo valor aplicado por projeto, nome do proponente, nome do objeto e prazo de início e encerramento do contrato. Seu defeito é não identificar quais foram patrocinados com leis de incentivo ou verba direta.
E todos são tratados como Convênio.
É possível saber que em 03 de março de 2023 foram firmados quatro convênios para a temporada artística da Sala Cecília Meireles, no Rio de Janeiro, propostos pela Associação Amigos da Sala, no valor total de R$ 4.347.000,00. Mas, pela lei Rouanet, pelo menos até abril de 2023, o valor utilizado para a temporada artística foi de R$ 297 mil.
O mesmo se pode dizer do plano plurianual da Focos Companhia de Dança, proposto pela Neoral Garcias Produções Artísticas, a Razão Social da companhia. No dia 13/02/2023 foram firmados quatro convênios com valor total de R$ 3.550.000,00, mas as únicas referências, com utilização da lei Rouanet, para essa companhia, foram em 2021, com R$ 778.250,00, e em 2022, com R$ 495.250,00. Entretanto, no Portal da Transparência, há convênios firmados em 2018 (R$ 595 mil), e 2017 com o mesmo valor e os dois dados como concluídos.
Outro problema da lista publicada é que o contrato não traz resumo do projeto patrocinado – se ele não estiver especificado no nome, não é possível saber do que se trata.
Por exemplo: há um convênio chamado PATROCÍNIO: TIME PETROBRAS 2022, no valor total de R$ 12,5 milhões e vigência de 20/06/2022 a 04/01/2025, proposto por Adriana Del Negro Eventos.
Do que se trata? Pelo Portal não é possível saber, mas ele mostra que em anos anteriores foram firmados vários convênios com esse título.
Questionada sobre isso, a Assessoria de Imprensa esclareceu que é um programa que patrocinará 45 atletas que buscam a primeira medalha nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos.
Informou que “o investimento previsto para este ciclo é de R$ 12,5 milhões, cobrindo o período de competições importantes como os Jogos Pan-Americanos e Parapan-Americanos de Santiago-2023 e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris-2024. O valor do patrocínio poderá ser usado para custear despesas necessárias ao treinamento e preparação, visando o melhor desempenho do atleta”.
Pronto, agora todos sabemos. Mas não seria mais produtivo, e esclarecedor, se pequeno resumo dessas informações estivessem disponíveis também no Portal da Transparência? Não tornaria o Portal ainda mais transparente?
Para as demais dúvidas elencadas acima foram solicitados esclarecimentos à Petrobras, que serão incluídos aqui quando enviarem.
Entre as grandes companhias, a Petrobras é uma das que mais oferecem informações sobre sua atuação nas áreas cultural, esportiva e socioambiental, que abrange também desenvolvimento e a inclusão social de crianças e adolescentes por meio do esporte educacional. Sua página Sociedade e Meio Ambiente está repleta de indicações sobre o envolvimento da companhia com diversas áreas. Para ver a página siga por aqui.
Desde que começou a utilizar lei federal de incentivo, em 1996, o grupo Petrobras já aplicou mais R$ 1,7 bilhão em projetos culturais, sem contar o que era utilizado via BR Distribuidora, agora privatizada e que tinha excelente programa de incentivo ao Teatro. Sua inclusão elevaria os investimentos do Grupo a cifra superior a R$ 2 bilhões.
Será que a companhia vai tornar a ser o que era no campo do patrocínio?
Veremos em pouco tempo.
*É Editor-Chefe de VALOR CULTURAL/Marketing Cultural, que tem entre seus propósitos dar visibilidade a bons projetos ou ações, valorizar empresas que praticam patrocínios conscientes e apontar aquelas que fingem ser o que não são no campo da Responsabilidade Social.
LEIA TAMBÉM
Por Que Edital da Petrobras Só Favorece Grandes Instituições?
Maior Patrocinador da Cultura Brasileira Garante: “Não Somos Apenas Um Cofrinho”