Quem ainda não sentiu receio de expor seu projeto e vê-lo copiado justamente por aquele interlocutor que lhe disse não? Ou teve uma ideia tão boa que tem medo de confessa-la até em mesa de bar?
A criatividade da mente humana constrói coisas belas, como diz o poeta, mas também artifícios que permitem ao incapaz extrair do criador sua criação e, sem remorso, chamar de sua. Essa é uma lei de propriedade imaterial que ronda construtores de máquinas revolucionárias ou autores que causam impacto mesmo com histórias singelas ou, ainda, formuladores de projetos que um dia poderão fazer sucesso na TV aberta ou Netflix.
Mas essa lei se aplica aos incautos. Porque há mecanismos que podem garantir a autoria, e preservar direitos, de quase tudo o que a mente humana produz, em qualquer situação e em qualquer campo. E eles são simples (e baratos).


Para informar o que se deve saber para proteger suas ideias, seus projetos, suas patentes, fomos ouvir a Dra. Sabrina Rui, que há 21 anos mantém seu escritório em Curitiba (PR), onde, ao lado da sócia Paula Fernanda, entre outras atividades, atende clientes que foram lesados de sua propriedade intelectual, sem dó nem piedade.
E foram porque não tiveram o esmero de registrar sua obra, ou se escudaram apenas no Artigo 5º da Constituição, que garante que todo criador de uma obra intelectual possui os seus direitos autorais protegidos. E está provado que só isso não basta.
Nessa entrevista à Marketing Cultural, Dra. Sabrina detalha os cuidados – e alternativas nesses tempos de pandemia – que todos devem ter para proteger o que sua mente produziu, cita exemplos de casos que aconteceram com seus clientes, situações que envolveram plataformas digitais ou grandes empresas, e aconselha: prevenir custa barato – caro é mover ação judicial depois.
Na conversa, além de vários aconselhamentos, revela exemplos arrepiantes envolvendo grandes empresas – exemplos que só reforçam o conceito de que não basta ter a melhor ideia: é preciso protegê-la.
Leia a seguir resumo das perguntas e respostas:
Uma pessoa tem ideia de um projeto, mas tem receio de que lhe roubem a ideia quando for apresentá-lo a alguém. O que, exatamente, ele precisa fazer para garantir os seus direitos?
O primeiro passo é ele fazer o registro a sua ideia. Verificar o tipo de projeto, aí tem os locais próprios para fazer isso. Pode fazer na Biblioteca Nacional, mas ela está fechada então não tem como fazer o registro lá. Ele pode fazer através do INPI, que é um processo que demora mais, aí já no caso de patentes e marcas; ou através de uma forma bem simples também – ele pode ir num cartório, lavrar uma ata pública, contando essa ideia dele e fazendo esse registro. Há outras páginas também onde você pode fazer o registro de suas ideias e ficar protegido.
Que sites são esses?
Nós temos o registrodeobras.com, e então, pelo site, a gente inscreve toda a ideia que ele teve e o conselho é: quando for fazer o registro, colocar o maior número de detalhes possível porque isso resguarda quem teve a ideia. Então quanto mais detalhes você descrever no momento de fazer o registro, vai te assegurar mais. Ainda a gente fez dessa forma e ainda fomos num cartório, num tabelionato civil, e pedimos para lavrar uma notarial. Na nota consta toda a ideia dele. Então isso dá segurança para entrar em contato com alguém. Esse cliente, hoje, está em contato com a Globoplay, com a Netflix, com algumas plataformas para tentar divulgar a ideia.
A gente teve uma situação muito inusitada. Por se tratar de um reality show, um dos participantes que ele contratou para fazer o piloto para ele poder apresentar esse projeto, essa pessoa começou a se mostrar muito interessada e ele sentiu que essa pessoa tinha um contato e iria passar a ideia dele como se fosse própria. Então como ele já tinha o registro, isso assegurou ele, tanto que esse participante levou realmente a ideia para um terceiro e esse terceiro acabou vindo ter contato com meu cliente porque acabou descobrindo que essa ideia era do meu cliente. Então isso deu uma garantia pra ele, porque o difícil é ter a ideia e aí todo mundo quer se apropriar dela. É isso o que acaba acontecendo.
Termos de responsabilidade e segurança devem ser assinados. Que termos devem constar nesses contratos de confidencialidade?
Isso seria num momento prévio. Por exemplo: esse meu cliente tinha de fazer os displays, o material gráfico para apresentar para as empresas as ideias do projeto dele. Então a gente fez um termo simples de confidencialidade, informando nesse termo que toda a ideia, todo um projeto, toda o material que estava sendo desenvolvido por aquela gráfica, no caso, já tinham sido registrados em data tal, em tal local, e no momento em que a pessoa tem contato com esse material, ele se compromete com essa confidencialidade.
Porque você fica numa situação assim: poxa, eu tenho que fazer um material de divulgação da minha ideia. Só que aí vou apresentar para uma gráfica ou pessoal de marketing e você fica desprotegido. Então até mesmo para quem vai lhe ajudar no desenvolvimento dessa ideia a gente usa esse termo de confidencialidade. São coisas simples, não precisa ser um contrato, mega elaborado, mas simplesmente onde você diz para a pessoa que esse projeto, essa ideia, já foi registrada, então a pessoa declara ter ciência disso, e que se ela comercializar sem o autor ficar sabendo, ou repassar a informação, ela pode responder judicialmente através disso. Então isso inibe a pessoa fofocando uma ideia por aí. É isso que a gente achou em interessante.
Mas se ela apresentou sua ideia para várias pessoas como ela vai saber quem não respeitou o termo de confidencialidade? Existe formas para isso?
Aí ela vai ter que pesquisar sobre isso. Nesse caso específico, de um outro cliente, teve um caso semelhante e o que aconteceu. Ele entrou em contato com uma grande empresa, também uma plataforma bem grande, o projeto já estava registrado, essa empresa se negou a assinar o termo de confidencialidade. Então a gente enviou um e-mail tentando suprir isso, dizendo que o projeto e as ideias já estavam registrados para dar uma certa garantia. Só que aconteceu que a pessoa que fez o contato, viu tudo e falou pra ele “não, não quero” e um ano depois essa empresa desenvolveu um projeto muito similar à ideia desse nosso cliente.
Então não é na hora que você descobre, pois geralmente quem se apropria da ideia não vai fazer isso logo na sequencia, mas na hora que ele viu o projeto sendo replicado na televisão, totalmente com base nas ideias dele, aí foi o momento em que ele pode acionar judicialmente. Então hoje está com uma ação judicial em relação a isso. Mas ele tem as garantias porque ele, lá atrás, já tinha feito o registro das ideias, do projeto, tinha o e-mail onde a própria pessoa que representava a empresa se negou a assinar o termo, mas a gente fez um e-mail colocando todas as condições. Então isso fez com que ele pudesse, hoje, acionar judicialmente. Então é nesse sentido, porque descobrir quem vazou é um trabalho mais investigativo.
Todas essas ideias estão resguardadas pelo Art. 5º da constituição federal, é o item 27 do artigo, aos autores pertencem os direitos exclusivos…
O seu escritório é especializado em direito autoral? Fale um pouquinho do seu trabalho.
A gente trabalha com várias áreas, uma das áreas é uma profissional especialista nessa parte.
E você atende muito essa área cultural ou foi um caso isolado?
Temos vários clientes mas um dos empecilhos que a gente sente é justamente é que as pessoas, primeiro, não precisam do advogado, e então pegam uma coisinha pronta na Internet, adaptam e acham que por ali tá ok, justamente para querer ter custo; e outras acham que colocar advogado a empresa vai achar que sou isso, que sou aquilo, então existe ainda um preconceito muito grande com relação a você contratar o advogado para esse tipo de serviço.
Então o que acontece: quando o cliente chega pra nós, ela já chega com um problema. Então é isso o que estamos mostrar, que se ele antever a isso, isso não vai ser um problema. Porque se ele tiver que entrar com uma ação judicial, aí já são anos, honorários caros, todo um custo muito grande e demora muito pra se resolver as coisas no nosso País. Então se você quebrar o preconceito e contratar o advogado como assessoria, antes, você consegue reverter.
Então o que a gente está tentando com essa reportagem começar a mostrar isso porque a gente vê que muito cliente que chega já está com um problema. Então o ideal é procurar o advogado antes pra que você não chegar aqui com esse problema. É muito mais barato, uma consultoria antes do que ter essa dor-de-cabeça futura.
Então mesmo com o exemplo que você vai mandar o conselho é contratar uma assessoria.
Exato, porque o custo de uma assessoria é muito baixo. Esse cliente que comentei é uma ação que já está há um certo tempo e, sinceramente, é uma ação que vai levar de 12 a 15 anos pra se resolver. Até lá é muito chão pela frente, ele já perdeu o dinheiro, é uma série de coisas. Se a pessoa se precaver antes é muito melhor pra ela.
De 12 a 15 anos… se o sujeito tem uma boa ideia aos 40 anos dificilmente ele vai ver o final dessa demanda.
Tem muita gente que não faz isso. Faz muito na boa fé, na confiança e nem todo mundo é confiável infelizmente.
Essa pessoa que quer se antecipar e contratar esse serviço advocatício, é uma demanda cara, média ou barata?
É uma demanda barata. Eu não posso valores, mesmo porque do Código de Ética da OAB – se divulgar qualquer valor eu respondo a processo, mas é uma coisa bem direta. O valor de uma consulta, um contrato, é um valor bem razoável, bem fácil de pagar, justamente porque a gente acredito nisso, em ajudar as pessoas, e mostrar que você se precavendo é muito melhor. Eu viro sua parceira, não só para esse projeto, mas trabalho, do que você contratar mais à frente, com um problemão que vai demorar muito para resolver.
Quando a pessoa quer apresentar um projeto, não é melhor ela fazer um resumo desse projeto, criar o interesse do interlocutor, e fazer com que ele assine esse termo de confidencialidade, em vez de mostrar o projeto todo.
Seria, mas algumas plataformas, algumas empresas grandes… Por exemplo, eu tenho um cliente que chegou no SBT com um projeto e o pessoal foi categórico: ou você me apresenta tudo ou não tem reunião agenda. Então o que acontece: os grandes veículos têm um poder de barganha muito grande em cima de uma pessoa, ali, sozinha, que teve uma única ideia. Elas exigem que você mostre o conteúdo e explique tudo, de todas as formas.
Então aí é que o termo de confidencialidade é importante….
Exatamente. Porque se você não faz isso, eles falam então a gente não marca nem reunião. A coisa já queima na largada. Você não consegue ter acesso à empresa. Muita vezes a gente não consegue, principalmente com grandes empresas.
E essas grandes empresas, elas aceitam assinar o termo de confidencialidade? Você tem exemplo disso?
Tenho sim. Tem empresas que assinam e tem empresas que se recusam. Vai muito assim da forma de abordagem com o diretor, ou com a pessoa responsável da mídia, então na conversa, com jeitinho, e com essa nossa assessoria a gente acaba fazendo também. Entra com esse contato direto com a pessoa que vai fazer a reunião. Quando você contrata um advogado, você joga a culpa em cima do advogado, que está enchendo a paciência porque tem de assinar isso, ou então a gente entra em contato direto dizendo que é até uma segurança para a empresa, tentando mostrar que o termo acaba sendo uma segurança para a empresa porque lá dentro escuta e resolve fazer isso, você vai estar sendo prejudicado. Então no momento em que você assina sendo uma garantia para sua empresa também. É bom para as duas partes e é isso o que a gente mostrar.
Você vai à reunião ou depois que a pessoa relata o encontro você liga a plataforma, vamos dizer assim.
Depende. É muito variável. Tem cliente que já me pediu para acompanhar na reunião de demonstração do projeto; tem cliente que prefere que não; que só ligue e entre em contato depois com o jurídico deles.. então é muito variável, é muito de cliente pra cliente e até da empresa, da forma que a empresa prefere atuar. Não há um padrão, mas o cliente querendo a gente acompanha.
Você tem alguma que queira acrescentar à nossa conversa?
Gostaria de acrescentar que principalmente agora, com esse momento de pandemia, há muito reunião virtual, então tem muita gente dizendo que “não tenho como assinar porque não estou saindo de casa”… então a gente ensina que existem plataformas, pelo PDF e em que você faz a assinatura, então tem formas de você fazer essa assinatura online pra dar essa garantia, vale a pena, vale a segurança. Acho que toda boa ideia, se ela for protegida é uma garantia muito maior. Sei que aqui a gente está fazendo de direito autoral, mas vou dar um exemplo: temos um cliente que desenvolvia equipamentos para curso na Electrolux, compressores de ar, refrigeração, ele é um físico e muito bom nessa área. E ele entrou com um projeto no INPI só que o INPI demorou mais de 10 anos para fazer o registro e a Electrolux, na hora em que dominou essa tecnologia, simplesmente dispensou o físico e fechou contratos milionários com uma empresa no Japão em cima do projeto desse meu cliente.
E isso, na época, eu não era advogada dele, hoje briga judicialmente sobre isso, mas ainda há várias decisões dizendo que como ele não tem o registro, ele não teria o direito sobre essa patente. Mas posteriormente a isso ele teve uma outra ideia, de um outro equipamento, então nós fizemos um registro do cartório, de obra. E isso assegurou que a Consul o colocasse em uma negociação, com esse equipamento dele, com uma empresa da Alemanha , só pelo simples fato de ele ter feito o registro no cartório, que nem é o lugar próprio, mas ele tem registrado. Então a Consul, que é uma empresa gigante, teve que colocar ele na negociação com essa empresa alemã. Por isso é importante esse registro. Ah, mas não é o lugar, mas tudo bem já é alguma prova que a ideia é sua, isso é o mais importante pra pessoa.
O INPI realmente demora décadas para fornecer o registro definitivo, mas não existe uma norma de ancestralidade, onde quem registra primeiro já tem uma garantia?
Mas no nosso País cada um entende uma coisa. Por exemplo, o primeiro juiz entendeu que ele teve a ideia, mas não registrou. Quem não registra não é dono, então outra pessoa poderia reproduzir.
Mas ele registrou….
Mas ainda não tinha saído, quando a Electrolux deu pra empresa japonesa ainda não tinha saído o registro dele ainda. É isso que estão discutindo. É um processo que vai levar anos, a gente tente resguardar o cliente de todas as formas, mas estou repassando uma situação que hoje ele existe. O projeto foi vendido por milhões para uma empresa japonesa e ele não recebeu um real. Sabe lá Deus quando ele vai conseguir receber isso.
O poder do dinheiro tem muita influência nessas coisas também….
Claro. Você veja, o SBT também teve um problema muito sério. Ele pegou negociou com a Embemol (?) o Big Brother, teve acesso que não queria mais e aí fez a Casa dos Artistas. Era exatamente a cópia. É um processo que leva mais de 12 anos e até hoje não tem uma sentença de 1º grau!
A Justiça no Brasil, realmente… a Sra. como advogada deve saber muito mais do que eu. Às vezes a gente ver um Tribunal dar uma sentença, e aí recorre para o próprio Tribunal e é dada outra sentença. É de acordo com a circunstância. A letra da lei, o espírito com que se criou a lei não é levado em conta, não é? Só se leva em conta a circunstância, política, econômica, financeira…
Exato, então foi por isso que, em parceria com essa advogada que trabalha comigo, a gente não queria mais que o cliente procurasse a gente quando já está nessa situação, porque aí muito frustrante, até pra você, como advogado, profssional, fico frustrada por não poder ajudar meu cliente, porque não adianta nada eu ficar 15 anos com um processo. Eu vou receber? Ótimo, mas meu cliente não está satisfeito, não está feliz, porque eu não resolvi o problema dele. Por isso é que a gente pensou em mostrar estratégias de mostrar que vale a pena contratar um profissional que lhe dê uma assessoria, que tire uma dúvida, isso evita tanta dor de cabeça. Não que vai zerar, porque isso pode acontecer, mas que vai reduzir bastante a tua dor de cabeça futura.
Quem é a sócia?
Paula Fernanda. Tem escritório há 21 anos ela está comigo há seis e hoje atua basicamente com essa área.
E vocês atendem o Brasil inteiro ou só aí na região de vocês?
Temos muitos clientes de São Paulo, alguns no Rio Grande do Sul, mas onde a gente tem maior demanda é São Paulo.
E a demanda maior e por direitos industriais, culturais.
É a industrial, até porque envolvem valores altos. Mas sinto que na parte autoral, de obra, há muito medo de brigar judicialmente, o autor tem medo, “essa editora vai me querer e vai me queimar com as outras, vão falar que eu sou um autor encrenqueira, então é melhor perder essa ideia do que fechar todas as portas. A gente vê muito isso.
**É Editor-Chefe de VALOR CULTURAL/Marketing Cultural e Perfil de Patrocinadores, que têm entre seus propósitos dar visibilidade a bons projetos ou ações, valorizar empresas que praticam patrocínios conscientes e apontar aquelas que fingem ser o que não são no campo da Responsabilidade Social.