Produtoras Reconhecem Dependência

A cultura não sabe se poderá tirar a máscara quando o mundo voltar ao “novo normal”! Mas uma coisa é certa. Quando, ao final da pandemia, o mundo estiver enquadrado nessa nova ordem, o que se espera é que já esteja bastante adiantado o processo de implantação do novo jeito de colocar produto cultural no mercado – o modelo digital, a modalidade que ocupará o lugar das ruidosas e tradicionais plateias, substituídas por lives, emoticons, chats e telas de cinema no lugar dos palcos.

Marilia Ennes

A aposta é a adoção do que está sendo chamado de “modelo híbrido”, onde nada mais existirá somente ao vivo. Afinal, o mundo virtual veio para ficar, assegura a produtora cultural Marilia Ennes, cofundadora e codiretora da ParaladosanjoS, companhia cênico circense com sede em Campinas (SP), que transita na fronteira imaginária entre diferentes linguagens artísticas como teatro físico e visual, circo, dança, música, performance e design.

Segundo ela, assim como não é possível a produção cultural “se virar” sem o “empurrãozinho” das leis de incentivo, a pandemia abriu as portas para projetos que mesclam manifestações culturais online com as linguagens tradicionais. “O híbrido veio para ficar”, pontifica Marília.

De uma forma ou de outra, porém, tanto o produtor cultural como as empresas que se beneficiam das leis de incentivo fiscal –  a lei Aldir Blanc, aprovada mais recentemente, ou a lei Rouanet, mais antiga e conhecida – todos concordam: a retomada presencial será gradual e até lá o mercado precisa se manter resiliente, resume Coraly Pedroso, que, junto com a publicitária Ilana Radetich, estão à frente da PRUMOPRO Projetos e Produções, especializada na gestão de projetos nos segmentos da cultura, educação, esporte, integração social, direitos humanos e sustentabilidade.

Coraly Pedroso e Ilana Radetich

O público está fora das plateias dos teatros e das casas de show desde março de 2020, com o início da pandemia, mas já dá os primeiros sinais de que está para voltar. E nem bem começou o segundo semestre de 2021, quem opera nesse mercado anunciou seus planos para 2022.

O Instituto Cultural Vale, por exemplo, lançou o Edital Apoia ao lado de seus museus e centros culturais – Museu Vale, Memorial Vale Minas Gerais, Centro Cultural Vale Maranhão e Casa da Cultura de Canaã dos Carajás. O edital de premiação direciona um total de R$1,6 milhão exclusivamente a projetos de profissionais de cultura de Espírito Santo, Minas Gerais, Maranhão e Pará, respectivamente. Cada um dos espaços destinará R$ 400 mil aos projetos dos estados em que estão inseridos. O Edital Apoia é realizado com recursos da lei Federal de Incentivo à Cultura.

Numa escala mais reduzida, outro que se adiantou foi o apresentador Fábio Porchat prometendo investir R$ 240 mil em três projetos de espetáculos teatrais. Ele aposta na aguardada retomada cultural em 2022 quando a próxima edição do seu Prêmio do Humor destinará R$ 80 mil a cada um daqueles empreendimentos.

INVESTIMENTO REDUZIDOQuem opera no segmento de produtos culturais reclama que o setor sofre com a “esmagadora” redução dos investimentos públicos, consequência direta da falta de políticas públicas consistentes.

“É como se fossemos o lado “descartável” na hora de uma crise”, observa Coraly Pedroso, para quem a economia criativa responde por mais de 10% do PIB mundial, a maioria de jovens.

“No Brasil representamos 2,64% do PIB, olha o tamanho que temos para crescer. O mercado cultural brasileiro já estava em declínio. A pandemia do covid-19 só intensificou o problema. Sem falar que perdemos muito espaço internacional. Mas acredito na força da cultura brasileira”, pontifica ela.

Como em outros segmentos, ainda não há clareza de quando a pandemia chegará ao fim. A única certeza é de que uma retomada relativa do mercado precisa estar associada a uma política de retomada do setor, investimento e internacionalização da cultura. “Não existe milagre, existe investimento e vontade política”, arremata.

Ilana Radetich, sócia de Coraly, conta que a pandemia não parou a PRUMOPRO. “Acho até que trabalhamos mais, readequando os projetos que tínhamos em carteira”, explica.  E acrescenta: “Nossa empresa não depende apenas das leis de incentivo, mas muita coisa parte delas, tanto no âmbito estadual quanto federal. São ferramentas para captação de recursos pensadas para dar espaço e favorecer os artistas e produtores menos conhecidos” declara. Isso, porém, mudou muito.

“Hoje funciona mais para artistas e produtores já consagrados. Do ponto de vista dos incentivos fiscais, há toda uma lógica de marketing cultural envolvida no contexto dos patrocinadores, que apenas logicamente se associam aos projetos de seus interesses”, destaca.

Quanto aos Fundos de Cultura, a produtora diz serem sempre uma loteria, e editais, com centenas de inscritos e apenas 20 serem selecionados. Além do quê, critica Ilana, as leis de Incentivos costumam ser lentas, levam meses ou anos para um projeto ser aprovado, captado e finalmente executado.

“Se eu tiver uma ideia para executar no mês que vem, não poderá ser por lei de incentivo que, sem dúvida, limita o processo criativo de muitos artistas. Acho as leis de incentivo no Brasil têm problemas, precisam melhorar, mas são de grande ajuda aos que ainda resistem ao mercado”.

ADAPTAÇÃO DO MERCADOA expectativa é que a retomada presencial do mercado acontecerá de forma gradual. Mas quando isso acontecerá é difícil saber.

“O quadro é inconstante e incerto. A perspectiva é complicada”, declara Marília Ennes, cofundadora e codiretora da ParaladosanjoS, companhia cênico circense com sede em Campinas (SP), que transita na fronteira imaginária entre diferentes linguagens artísticas como teatro físico e visual, circo, dança, música, performance e design.

Nos últimos dois anos, Marília diz que apesar do cenário inconstante e incerto, a aprovação da lei Aldir Blanc representou um respiro para um mercado que, em São Paulo, também conta com o ProAC. Isso, de acordo com ela, mostra como “não dá pra se virar sem as leis de incentivos culturais”.

No entanto, algumas mudanças são perceptíveis. “Os editais já adotam novos critérios, indo além da clássica divisão entre o popular e o erudito. O leque de opções reconhece a diversidade cultural”, destaca.

Também dá para perceber que, nesse período, as empresas, por sua vez, apresentam algumas mudanças que visam uma adaptação aos novos tempos. “Elas estão contratando plataformas digitais utilizadas para a divulgação de seus editais, criar oportunidades de encontros entre os envolvidos no seu projeto”, conta Marília Ennes.

Mas para a diretora da Paraladosanjos, da mesma forma que a pandemia abriu as portas aos projetos híbridos, mesclando manifestações culturais online com as linguagens tradicionais, também está mais do que claro não ser possível “se virar” sem as leis de incentivo.

A cultura, comenta ela, tem sido um setor muito afetado pela crise sanitária, crise política, crise econômica, crise poética, crise estética, além da crise da narrativa. Ainda assim, pondera, é necessário reconhecer que fatores muito positivos surgiram em meio a toda essa crise como, por exemplo, a lei Aldir Blanc, que possibilitou os recursos chegarem às mãos dos artistas, contemplando o Brasil inteiro, quase todos os municípios e todos os Estados nesse período de tempo bem sombrio.

“A Aldir Blanc pode servir de lição para nortear outras iniciativas nessa direção, como a lei Paulo Gustavo e outros projetos em tramitação no Congresso, além da lei de Fomento da cidade do Rio de Janeiro, um grande polo cultural, mas que esteve super abandonado em relação às políticas culturais nos últimos governos”, analisa Marília.

Daniela Torres

INVESTIMENTOS PULVERIZADOSO mercado está muito difícil e o Brasil não entende a importância estratégica da cultura porque o momento político demoniza a atividade cultural, na opinião de Dani Torres, diretora e sócia das empresas Companhia da Cultura e Cultura e Mercado.

“Mas a Arte vai sobreviver a esse caos sanitário no qual fomos jogados. O Fundo Nacional de Cultura foi assassinado e a lei Rouanet está viva, mas em coma. Falta investimento, mas a gente continua aí. O fazer cultural está na tapioca que a gente come”, pontifica ela.

Mesmo com a política cultural retalhada, Dani acha que as leis de incentivo melhoraram o sistema de doação e de investimento pessoa física em programas culturais.

É preciso entender, diz ela, que cultura não é somente o Cirque de Soleil e que é necessário concentrar recursos também em projetos de menor porte já que as empresas tendem a pulverizar seus investimentos na área do marketing cultural.

A executiva concorda que a empresa privada não deixou de investir em atividades culturais onde os pequenos e médios projetos concentram a maioria dos recursos. “Só não vejo elas, as empresas, se mobilizarem firmemente em favor da cultura”, acrescenta.

Raquel Lucat

Apesar das limitações das principais ferramentas legais de incentivo, o mercado tem à sua disposição outras opções. Dani Torres destaca as leis estaduais e municipais, a lei Aldir Blanc e a lei Paulo Gustavo, ainda em discussão.

Por vislumbrar pinceladas sombrias para o cenário dos negócios da cultura, Raquel Lucat, da Lanc Comunicação, agente cultural especializada em captação de recursos, acha difícil “se virar sem lei de Incentivo. Todos os setores da economia se beneficiam de incentivos fiscais. Por que a cultura, que é uma atividade essencial, não pode se beneficiar também?”, pergunta Raquel.

Para a agente cultural da Lanc Comunicação, cultura é inclusão, depende de políticas públicas, e o profissional da área tem que se adequar a novas formas de financiamento, como o Crowfunding, por exemplo.

“Não sei se isso vai se manter no curto prazo, mas a cultura ficou um pouco mais dependente da tecnologia”, decreta Raquel Lucat.

SERVIÇO

Contatos: Cultura e Mercado (culturaemercado.com.br); PRUMOPRO Projetos e Produções (www.prumopro.com); Paraladosanjos (http://www.paraladosanjos.com)

 

 

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