Por Que Não se Deve Celebrar o Recorde de 5 Mil Patrocinadores Culturais?

Eduardo Martins*

Esta é uma matéria de suporte para nossas duas publicações sobre o perfil de 19 empresas que começaram a patrocinar cultura em 2025. (ver links no final do texto)

Para quem acha que é boa notícia o número recorde de 5.855 empresas que aplicaram em cultura durante 2024, convém analisar esse resultado sob os diversos prismas que detalhamos abaixo, que incluem informações sobre Lucro Real, investimento privado por Pessoa Jurídica e Pessoa Física com uso do incentivo, e também por doações a projetos sociais sem esse mecanismo.

É importante saber:

Dados atualizados da Econodata, empresa brasileira especializada em inteligência de dados corporativos, mostra que o Brasil possui 247.934 empresas que operam sob o regime tributário de Lucro Real.

Esse regime é conhecido por sua complexidade e detalhamento na apuração de impostos, sendo obrigatório para empresas com faturamento anual superior a R$ 78 milhões ou que atuam em setores específicos, como instituições financeiras, seguradoras, empresas de energia, telecomunicações e exportadoras.

Apesar de representar menos de 1% do total de empresas no país, o Lucro Real concentra uma parcela significativa da arrecadação tributária federal.

Empresas sob esse regime geralmente se enquadram nas categorias média ou grande, devido ao faturamento elevado ou à obrigatoriedade legal imposta a determinados setores.

Com base nos dados da Econodata, e em critérios de porte empresarial de empresas que operam com Lucro Real, estima-se que:

Entre 61.983 e 74.380 empresas sejam de porte médio ou grande (25% a 30% do total)

As demais 173.554 a 185.951 empresas são de pequeno porte ou obrigadas por legislação específica

Mas por que é importante conhecer esses dados quando se é proponente de projetos culturais ou sociais, ou captador de recurso para essas áreas? Porque o maior mecanismo de incentivo à cultura, ou ações socioculturais, baseia-se em oferecer benefícios somente para empresas que trabalham sob esse regime tributário.

Então, enquanto celebra-se como recorde o número de 5,8 mil empresas que aplicaram em cultura utilizando a lei Rouanet no ano passado, confronta-se com a crua realidade: somente 2% de quem poderia utilizar esse mecanismo o fizeram. E se espremermos ainda mais, levando em conta somente o máximo de companhias de médio e grande porte (74.380), nota-se que o número de empresas elegíveis, que utilizou a lei de incentivo, estacionou na faixa de não mais que 7% desse total.

Portanto, o número de empresas que patrocinam cultura (ou ações socioculturais) utilizando incentivo fiscal é muito baixo frente ao quadro real, mesmo tendo crescido 26,5% em relação a 2023.

Quando identificamos novas empresas que aderiram a esse mecanismo, levamos em conta que projeções otimistas elevam para 6.900 o possível número final para 2025. E os números ficam mais evidentes de que a margem de crescimento é gigantesca. O quadro abaixo mostra esse potencial, por Estados.

OUTRAS FONTES – Mas há comparações ainda mais escalofriantes diria eu, se estivesse escrevendo em espanhol, principalmente quando se trata de Pessoa Física.

Em 2024 a captação individual via lei Rouanet chegou a R$ 58.852.038,16 por meio de 12.484 Pessoas Físicas. Foi outro recorde batido, com crescimento de 12,1% em relação a 2023.

O crescimento em 2024 foi o mais expressivo dos últimos cinco anos, impulsionado por maior divulgação da lei e campanhas de incentivo à participação de pessoas físicas.

 

Porém, naquele mesmo ano (2024), foram direcionados R$ 24,3 bilhões em doação por Pessoas Físcas a projetos sociais no Brasil, segundo a Pesquisa Doação Brasil realizada pelo IDIS em parceria com o GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas). Esse foi o maior volume registrado na série histórica.

As causas sociais mais relevantes para os doadores brasileiros em 2024 foram: saúde, combate à fome e pobreza, proteção animal, educação e apoio a crianças e adolescentes. Essas áreas concentraram a maior parte das doações individuais, segundo a pesquisa. A cultura e a arte não ficaram muito bem na fita, mas o volume de investimento direto para esse setor, comparado ao que foi captado via lei Rouanet, foi assombroso.

 

 

 

 

 

Já no caso de Pessoa Jurídica, em 2024 foram captados R$ 3 bilhões via incentivo fiscal federal, recorde dos recordes. Desde 1992 foram R$ 32,6 bilhões.

Mas no caso de Investimento Social Privado, em 2023 (ainda não há números referentes a 2024), empresas brasileiras aplicaram cerca de R$ 4,8 bilhões em projetos sociais, de forma direta ou por meio de seus institutos e fundações, segundo o Censo GIFE 2022-2023.

O valor de R$ 4,8 bilhões representa o total mobilizado por instituições de origem empresarial, que fazem parte do GIFE. Esse montante inclui:

  • Doações diretas realizadas por empresas
  • Investimentos via institutos e fundações empresariais
  • Apoio a projetos de terceiros, como Organizações Sociais, coletivos e iniciativas comunitárias
  • Programas próprios de responsabilidade social e desenvolvimento local

Esse número mostra um crescimento de mais de 30% em relação ao levantamento anterior (R$ 3,6 bilhões em 2019), mesmo diante de um cenário econômico desafiador.

Do total de R$ 4,8 bilhões investidos em projetos sociais por empresas associadas ao GIFE em 2023, cerca de 70% foram aplicados em programas próprios, enquanto os 30% restantes foram distribuídos entre apoio a terceiros, doações diretas e investimentos via institutos e fundações.

  • Programas próprios continuam sendo a principal estratégia das empresas, pois permitem maior controle, alinhamento com valores corporativos e mensuração de impacto.
  • Apoio a terceiros cresceu em relação a edições anteriores, refletindo maior abertura para parcerias com organizações da sociedade civil.
  • Institutos e fundações empresariais atuam como braços estruturados de investimento social, com foco em educação, saúde, cultura e meio ambiente.
  • Doações diretas ainda representam uma parcela menor, mas são relevantes em situações emergenciais ou campanhas pontuais.

CONCLUSÃO – Esses dados revelam que a busca pela atração de mais empresas que se disponham a patrocinar cultura deve ser permanente e intensificada – há um grande universo a explorar.

Daí a importância que atribuo às nossas duas publicações que mostram o embarque de 19 empresas estreantes na lista de investidores que aplicaram pelo menos R$ 100 mil em projetos culturais.

São números pesquisados até meados de outubro – após o final do ano se saberá com certeza quem mais chegou no pedaço.

Mas, seja que volume for, mesmo assim será pequeno frente ao que poderia ser.

*É Editor-Chefe de VALOR CULTURAL/Marketing Cultural, que têm entre seus propósitos dar visibilidade a bons projetos ou ações, valorizar empresas que praticam patrocínios conscientes e apontar aquelas que fingem ser o que não são no campo da Responsabilidade Social.

LEIA TAMBÉM

Conheça 19 Empresas Que Começaram a Usar Lei Rouanet em 2025 (Parte I)

Conheça Outros Nove Patrocinadores Culturais Que Chegaram em 2025 (Parte II)

 

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