O mercado da moda no Brasil comercializou R$ 6,5 bilhões de peças em 2023 e prevê-se faturamento global de 1 trilhão de dólares em 2025.
Por aqui foram gerados R$ 4,6 bilhões em vendas em 2022, contra R$ 5,2 bilhões em 2021.
O PIB da Cultura e da Economia Criativa (Ecic), elaborado pelo Observatório do Itaú Cultural, reforçou com outros números a pujança desse setor da indústria brasileira. Segundo ele, em 2020, dentre os setores culturais e criativos que compõem o PIB da Ecic, as maiores participações correspondem aos setores de: Tecnologia da Informação (50% do PIB da Ecic); Arquitetura (29%); e Publicidade (15%). Em 2020, o setor de Moda respondeu por 2,16% do PIB da Ecic e exportou US$ 4,8 bilhões (49% das exportações desse PIB).
E aconteceu em janeiro de 2024 um abalo sísmico dentro desse universo, anunciado como o “bing bang” da moda brasileira — a fusão entre os gigantes Arezzo&Co e Grupo Soma, que, juntos, faturaram R$ 12 bilhões em 2023.
A Arezzo, que ficará com 54% do novo negócio, vale hoje R$ 6,9 bilhões e ostenta marcas como Arezzo, Reserva (AR&Co), Alexandre Birman, Troc, Schutz, Anacapri, Oficina, Paris Texas, Briza, Vicenza, ZZ Mall, Alme, Baw Clothing, Vans, Brizza e Carol Bassi.
Já o Grupo Soma, que era o segundo maior grupo brasileiro desse setor em faturamento, superado apenas pela francesa VLI Multimodal, é avaliado em R$ 6,13 bilhões, com as marcas Cris Barros, Maria Filó, Hering, Dzarm, Animale, Fábula, NV, Off Premium e Foxton.
A fusão, já aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), torna o grupo o maior do País no setor. Mas, do ponto de vista de envolvimento de ambos com cultura ou ações sociais, eles têm alguma relevância?
Quanto a Sustentabilidade, o Grupo Soma afirma em seu site que “o SOMA acredita no poder transformador da moda para gerar impactos positivos para suas marcas, acionistas, colaboradores, fornecedores, parceiros, clientes, shareholders e sociedade, de modo a contribuir para o presente e o futuro das pessoas e do planeta, por meio de uma moda mais responsável”. Ver suas iniciativas por aqui.
Mas é em seu Relatório Anual 2022, atualizado para 2023, onde as ações sociais do Grupo podem ser avaliadas. Ali ficou explícito como ele utiliza suas marcas para atender a diversos objetivos dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) defendidos pela ONU, envolvendo comunidades, incluindo indígenas, periferias e mulheres em situação de vulnerabilidade socioeconômica e racial.
(Para compreender melhor uma empresa, sugerimos sempre a leitura de seus Relatórios Anuais. Eles, em geral, são chatos, mas esclarecedores quando não há “maquiagem”. O Relatório do Grupo Soma pode ser visto por aqui).
E A CULTURA? — Esse é um ponto que pode ser classificado de comum, ultimamente. Com o advento da “sustentabilidade”, a cultura tornou-se quase irrelevante no horizonte das empresas. O próprio relatório da Soma prova que outras questões sociais são consideradas mais interessantes, sem citar que, pinçando o extrato social publicado no documento, vê-se que ele possui somente seis páginas do total de 177 publicadas. (veja o extrato por aqui)
Em 2021 o Grupo Soma adquiriu a Cia. Hering, e esse é um dos poucos envolvimentos com a cultura em si (há algumas iniciativas socioculturais no relatório). E cita as seguintes ações:
► Fomos contemplados com R$ 100 mil, via edital do Prêmio Elisabete Andrele, de apoio à cultura, para o projeto Ações de Manutenção no Centro de Memória Ingo Hering;
► Patrocinamos o livro Museologia da moda — acervos e coleções no Brasil, organizado por Manon Salles. A FHH ainda foi responsável por um dos capítulos da obra;
►Lançamos o projeto ‘Vestindo Memórias: Legado e Identidade’, viabilizado pelo ProAC do governo do estado de São Paulo, com patrocínio da Cia. Hering e apoio da FHH, do Museu Hering e realização do Museu da Pessoa.
O ProAc foi citado, mas com lei Rouanet a participação da empresa é quase nula. Em 2023 ela destinou R$ 20 mil para o Museu Hering e sua única participação anterior havia sido em 2015, quando aplicou R$ 140 mil no livro fotográfico Bloom Brasil Gold.
E A AREZZO? O Grupo Arezzo&Co é líder no setor de calçados, bolsas e acessórios, e está entre os principais representantes nos setores de acessórios e vestuários no Brasil, com presença nos 26 estados e Distrito Federal, assim como no exterior.

De seu Relatório de Sustentabilidade pode-se extrair pouca coisa relativa à cultura. Cita, por exemplo, que o Grupo patrocinou o projeto ecoAR, um concurso de soluções inovadoras sustentáveis para os desafios do setor da moda, dirigido a estudantes, profissionais e empreendedores de todo o Brasil, com quatro vencedores que ganharam R$ 10 mil. Reconhece que essa iniciativa foi realizada com uso da lei federal de incentivo à cultura no valor de R$ 400 mil. O projeto também rendeu duas exposições e um livro.
Também menciona o apoio à divisão de natação do Minas Tênis Clube (MG) desde o pré-mirim até a seleção principal. “O apoio financeiro da Companhia incentiva práticas esportivas, subsidiando todos os custos de treinamento, viagens, alimentação de atletas da agremiação sediada em Belo Horizonte (MG). Em 2023, foram investidos + de R$ 1 milhão que impactaram 352 atletas.” (se quiser conhecer o Relatório da Arezzao, siga por aqui).
Quanto aos seus interesses na área social, afirma o seguinte:
O Grupo Arezzo&Co entende seu papel como promotor de mudança na sociedade e atua na mitigação de desigualdades e injustiças sociais e no fomento de ações de formação.
Quatro temas têm destaque para a Companhia:
- Pessoas em vulnerabilidade social
- Combate à fome
- Esporte
- Empoderamento de mulheres.
O Grupo investiu + de R$ 9 milhões em ações de responsabilidade.
Não é muito para quem teve uma receita bruta de R$ 6,1 bilhões em 2023, com lucro líquido de R$ 419 milhões.
O Comitê de Sustentabilidade é composto por quatro membros do Conselho de Administração e realiza encontros bimestrais com o presidente da Arezzo&Co, o presidente do Conselho de Administração, os diretores-executivos e a gerência da área. Ele é responsável por orientar a sustentabilidade da operação da Companhia e analisar os tópicos relacionados à estratégia ESG, incluindo temas como: mudanças climáticas, aprovação da remuneração variável dos executivos atrelada ao desempenho ESG e definição das metas, entre outros. O Comitê de Sustentabilidade também é responsável pelo gerenciamento de riscos ambientais e climáticos e pelas ações de responsabilidade socioambiental, alinhados à matriz de materialidade.
Cultura, portanto, passa longe dos objetivos.
LEI ROUANET – A companhia tem histórico de utilização da lei federal de incentivo desde 2008, mas suas aplicações são pontuais, limitando-se a planos anuais como os do Instituto Tomie Ohtake e Pinacoteca, passando por eventos natalinos.
Em 2022 e 2023 utilizou o total de R$ 440 mil para bancar sozinho o SustentArte – Arte produzida de forma Sustentável, que previu produção de um livro e duas exposições apresentando a produção de arte e design na linha da moda de forma sustentável no mundo e no Brasil. Foi uma proposta da Quattro Projetos e Serviços.
Mas e agora, no que essa fusão poderá contribuir com a cultura brasileira?
A governança da futura empresa será compartilhada entre Alexandre Birman no papel de CEO, Roberto Luiz Jatahy Gonçalves como CEO da business unit de vestuário feminino, Rony Meisler (ex-presidente do grupo Reserva) no comando executivo da business unit AR&Co e Thiago Hering na função de CEO da business unit Hering.
Caberá aos produtores elaborarem projetos que seduzam essas pessoas.
E convencê-los de que a cultura nunca deveria ter saído de moda.
*É Editor-Chefe de VALOR CULTURAL/Marketing Cultural, que têm entre seus propósitos dar visibilidade a bons projetos ou ações, valorizar empresas que praticam patrocínios conscientes e apontar aquelas que fingem ser o que não são no campo da Responsabilidade Social.
SERVIÇO
As duas primeiras fotos dessa página foram retiradas do Relatório do Grupo Soma.
Homepage: Imagem retirada do relatório do Grupo Soma.
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