Marketing Estratégico Para Captação de Recurso

Mario Margutti*

 

Quem deseja captar recursos de patrocínio empresarial para projetos culturais, sociais ou ambientais, precisa antes entender o contexto da mudança de mentalidade dos executivos nacionais e internacionais das grandes organizações. Tudo começou nos anos 90, quando o sociólogo e consultor britânico John Elkington, cofundador da organização não-governamental internacional SustainAbility, com grande visão de futuro, criou o conceito de Tripé da Sustentabilidade, advertindo as empresas de que elas teriam que expandir seus modelos de negócios tradicionais, direcionando-se não apenas para a obtenção de lucro, mas também para cuidar do desenvolvimento humano e social, além de agir no sentido de preservar os recursos naturais para as futuras gerações.

              John Elkington

Elkington foi descrito pela revista Business Week, como o “decano do movimento da sustentabilidade corporativa há três décadas”. Atualmente, como um dos diretores da consultoria SustainAbility, ele fornece consultoria para empresas focada e comprometida ao com a melhoria econômica, social e sustentabilidade ambiental, através da melhoria das práticas comerciais e mercados. O sociólogo criou também o termo consumo verde, para alertar as empresas sobre a emergência de clientes mais exigentes do ponto de vista da proteção ambiental. Suas ideias estão no livro Guia do consumidor verde, que se tornou best seller em diversos países: vendeu um milhão de cópias em 1988.

Em inglês, o conceito de Tripé da Sustentabilidade que foi criado por Elkington é chamado de Triple Bottom Line, e foi sintetizado em 3 Ps:  Profit (Lucro) | Planet (Planeta) | People (Pessoas).

O primeiro P, ligado ao Lucro, é um pilar óbvio, já que nenhuma empresa pode sobreviver no mercado sem ter resultados econômicos positivos. Os outros dois Ps já não são tão óbvios.

Já o P de Pessoas refere-se ao tratamento que a empresa dá aos seus próprios colaboradores, e também aos integrantes da sociedade em que a empresa atua, tendo o dever ético de auxiliar o Poder Público na promoção social dos grupos sociais de mais baixo poder aquisitivo, processo que, no conjunto, conduz ao desenvolvimento socioeconômico do país em que a empresa está inserida.

O terceiro P nos comunica a obrigação, igualmente ética, de não poluir o solo, as águas e o ar, de diminuir a emissão de resíduos e desperdícios, e de não dilapidar de modo intensivo os recursos naturais.

O gráfico abaixo mostra como, em termos ideais, uma empresa deve agir no mercado, a partir dos novos critérios éticos lançados:

Muitas grandes empresas aderiram voluntariamente às práticas que nasceram das novas diretrizes concebidas por Elkington. Estima-se que, na atualidade 68% das multinacionais fazem relatórios levando em conta o Triple Bottom Line. Nos Estados Unidos, a percentagem é menor (41%), mas o número de empresas que aderem à novas pautas de conduta crescem vertiginosamente.

Com o tempo, as leis de proteção ao meio ambiente foram aperfeiçoadas em diversos países, pressionando ainda mais a empresas a serem ecologicamente corretas. Os consumidores fizeram sua parte, tornando-se mais conscientes, passando a exigir informações sobre os impactos econômicos, sociais e ambientais que geram os produtos que eles compras. Empresas poluidoras ou socialmente irresponsáveis perderam mercado.

O processo se consolidou em 1987, quando a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada em 1983 pela Assembleia da ONU, produziu o Relatório Brundtland, trazendo à luz o conceito de desenvolvimento sustentável  que pode ser traduzido em um modelo de crescimento global que incorpora todos os aspectos de um sistema de consumo de massa, no qual a preocupação com a natureza, fonte de extração de matérias-primas, tem máxima prioridade. A definição mais usada para o desenvolvimento sustentável é:

O desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades, significa possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório de desenvolvimento social e econômico e de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos da terra e preservando as espécies e os habitats naturais.

Nessa perspectiva, uma empresa como a Vale, que cometeu crimes ambientais em Mariana e Brumadinho, que resultaram em mortes de centenas de pessoas, destruição de rios, fauna e flora, mais cedo ou mais tarde pagará um preço alto por sua irresponsabilidade, assim como os políticos e as autoridades ambientais que estão protegendo a empresa, ao invés de puni-la como ela merece.

A experiência comprova que nem todas as empresas atuam como deveriam no campo social e/ou ambiental. Algumas, por exemplo, acreditam que na área de responsabilidade social é suficiente praticam pequenas ações pontuais de filantropia, como campanhas de doação de agasalhos para pessoas pobres no inverno ou o fornecimento periódico de alimentos para a população de rua. Tais ações têm o seu mérito humanista, mas são criticadas porque não alteram a realidade das pessoas “beneficiadas”: os pobres continuam sem dinheiro para comprar roupas e a população de rua continua sem teto e sem uma proteção social maior. É preciso tomar consciência de que o bom projeto social é aquele capaz de elevar o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano – da comunidade por ele beneficiada. Como o IDH é composto por três fatores – nível de educação, condições de saúde (expectativa de vida) e renda, o projeto que melhora um desses fatores contribui para elevar os outros dois.

No campo do meio ambiente, há empresas que preferem pagar pesadas multas a investir em equipamentos antipoluição e outras que danificam seriamente os ecossistemas, sem ligar para as consequências. Outras se contentam em fazer ações internas, como a coleta seletiva do lixo e o reaproveitamento do óleo de cozinho ou dos resíduos orgânicos de seus refeitórios. São boas iniciativa, mas se a empresa é de grande porte, precisa ampliar o seu olhar ecológico e cuida dos ecossistemas da região em que está inserida ou mesmo de ecossistemas distantes.

Em 2018, uma pesquisa realizada pela Akatu[1] classificou os consumidores brasileiros em quatro categorias: indiferente, iniciante, engajado e consciente. Foram entrevistadas 1.090 pessoas, homens e mulheres, com mais de 16 anos, de todas as classes sociais e de 12 capitais e/ou regiões metropolitanas de todo o País, entre 9 de março e 2 de abril do ano passado. O resultado da pesquisa mostrou um crescimento significativo no segmento do consumidor “iniciante”, de 32%, em 2012, para 38% – indicando que o momento é de recrutamento dos consumidores indiferentes para hábitos mais sustentáveis de consumo.

A pesquisa aponta que são 76% os menos conscientes (“indiferentes” e “iniciantes”) em relação ao consumo e que o maior nível de consciência tem viés de idade, de qualificação social e educacional: 24% dos mais conscientes têm mais de 65 anos, 52% são da classe AB e 40% possuem ensino superior.

O segmento de consumidores mais conscientes (“engajados” e “conscientes”) é majoritariamente feminino e mais velho. Já o segmento dos “indiferentes”, o grupo menos consciente de todos, é majoritariamente mais jovem e masculino.

A pesquisa revelou ainda que os consumidores brasileiros valorizam mais as empresas que cuidam mais das pessoas. Entre as oito principais causas que mais mobilizam o consumidor a comprar um produto de determinada marca, cinco estão ligadas ao cuidado com pessoas: combate ao trabalho infantil; tratamento equânime dos funcionários forma, independentemente de raça, religião, sexo, identidade de gênero ou orientação sexual; investimentos em programas de contratação de pessoas portadoras de deficiência; contribuições para o bem-estar da comunidade onde a empresa está radicada; e oferta de boas condições de trabalho.

Outra revelação: provocar problemas de saúde ou ferimentos e denúncia de concorrência desleal são os principais detonadores de reputação dos produtos de uma empresa. Em tempos de fakenews, a credibilidade da fonte da informação é tão relevante quanto a empresa que divulga suas ações. Segundo a pesquisa, 32% dos brasileiros confiam na informação que é divulgada pela própria empresa; mas 31% afirmam que a confiança depende de onde veio a notícia. Como um posicionamento mais geral, 59% das pessoas entrevistadas acreditam que as empresas deveriam fazer mais do que está nas leis e trazer mais benefícios para a sociedade.

A cultura também entrou nesse contexto, desde que o australiano Jon Hawkes passou a considerar a vitalidade cultural como o quarto pilar da sustentabilidade. Assim ele ampliou de três para quatro o número de pilares do desenvolvimento sustentável, conforme mostra o gráfico abaixo:

O novo conceito introduzido por Jon Hawkes está no seu trabalho de 2001 intitulado O quarto pilar da sustentabilidade – o papel essencial da cultura no planejamento público. Não existe ainda uma versão em português dessa obra, mas o arquivo pdf em inglês pode ser acessado no link The_Fourth_Pillar_of_Sustainability_esse.pdf

                                               Jon Hawkes                                                                                                                         

Hawkes analisa as diversas formas pelas quais a cultura afeta e se relaciona com os padrões da vida humana e as políticas públicas. Invocando a política cultural da Suécia como exemplo a ser seguido pelo mundo, Hawkes mostra como as atividades culturais enriquecem as vidas de todos os cidadãos, de muitas formas diferentes, além de fazer uma defesa dos direitos das pessoas à liberdade de expressão e ao acesso a informações e recursos.

O conceito de Hawkes foi adotado pela ONU, e amplamente debatido no encontro da Agenda 21 para a Cultura, que teve seu primeiro encontro realizado na capital gaúcha, Porto Alegre, em setembro de 2002.

Os argumentos de Hawkes devem ser usados pelos captadores de recursos junto às empresas que se orientam apenas pelo Triple Bottom Line.

Além de todas essas considerações, as grandes empresas passaram a patrocinar projetos que estejam alinhados com um ou mais dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável preconizados pela Organização das Nações Unidas. Os objetivos estão resumidos no infográfico abaixo e as Metas de cada um deles podem ser encontradas no link https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/

 

* É presidente do Instituto Cultural Cidade Viva, Mestre em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da UFRJ, autor de 10 manuais técnicos para Artistas e Produtores Culturais e 17 livros de arte.

[1] A pesquisa completa está neste link: https://www.akatu.org.br/arquivos/Pesquisa_akatu_apresentacao.pdf

A imagem da homepage é de Alexandr Podvalny

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