É Verdade. Com Esse Aplicativo, Surdo Sente Música na Palma da Mão

Eduardo Martins*

Estudo feito pelo Instituto Locomotiva, em conjunto com a Semana da Acessibilidade Surda, indicou a existência de 10,7 milhões de deficientes auditivos no Brasil, dos quais 2,3 milhões têm deficiência severa.

A surdez atinge 54% de homens e 46% de mulheres e pessoas de todas as idades, com predominância da faixa de 60 anos de idade ou mais (57%). Nove por cento dos deficientes auditivos nasceram com a deficiência e 91% adquiriram ao longo da vida, sendo que metade foi antes dos 50 anos. Entre os que apresentam deficiência auditiva severa, 15% já nasceram surdos.

Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, afirma que oferecer condições de inclusão para os deficientes auditivos é cada vez mais importante, “porque o número dessas pessoas só vai crescer”.

Pensando em incluir deficientes auditivos no universo sonoro e musical, Rafael Zinni Lopes desenvolveu o Timbrasom, aplicativo capaz de traduzir as ondas sonoras em vibrações por meio do smartphone, como se o celular dançasse na palma da mão do usuário.

Possui duas funções principais: a primeira consegue traduzir o som ambiente em vibrações. Já a segunda permite a tradução do áudio de outros aplicativos do smartphone de forma simultânea, como YouTube e Netflix, por exemplo.

Timbrasom pode apresentar uma nova forma de consumir sons, mas também gerar inclusão na produção de arte. Segundo Rafael Zinni, já existem projetos para auxiliar, principalmente as crianças com algum nível de surdez, a tocar instrumentos musicais. Um exemplo é ajudar uma criança a tocar bateria, com o aplicativo no bolso, traduzindo em tempo real o som do instrumento.

A ferramenta pode promover também aulas de dança para deficientes auditivos, pois existe um ritmo musical sendo traduzido em ritmo vibracional, possibilitando uma nova expressão corporal para esse grupo.

Nessa entrevista exclusiva Rafael detalhou como o aplicativo funciona e como foi sua trajetória para o desenvolvimento. Explicou assim o que é o Timbrasom:

Rafael Zinni– Ele tem duas funções principais. Uma função é o microfone. Outra é o que a gente chamou de timbrar. Explicando primeiro o microfone.

Quando você clica nele, ele já começa a traduzir o som ambiente em vibração. Então o celular na minha mão já está vibrando, já está dançando. Já o microfone é inteligente. Então, se a gente estiver em um ambiente, por exemplo, uma orquestra musical, ele consegue ser inteligente o suficiente para se adaptar ao som ambiente em que está. Mas se eu estiver em um concerto musical, vai estar se adaptando ao próprio concerto, ou seja, vai variando os parâmetros sonoros até chegar em uma vibração ideal.

Já o timbrar funciona pedindo para ele ter acesso ao áudio interno do celular. Porque a partir do timbrar a gente vai sair do aplicativo e vai para outros aplicativos, como YouTube Music, um Deezer, um Disney Plus, aplicativos de mídia em geral. Tudo que tiver som em um aplicativo de mídia eu consigo traduzir em vibração.

Eduardo MartinsDê exemplos de como ele funciona.

RF – Quando a gente vai para o “timbre do seu jeito”, que é esse patinho aqui (mostra no celular), ele abre uma configuração específica. Nessa configuração ele tem algumas opções. Dentre essas opções temos de graves, médios, altos, que é o agudo, o foco no ritmo, foco na voz ou você customiza a vibração. Por que tem isso? Porque, dependendo do instrumento, eles são um pouco mais graves.

Por exemplo: um saxofone, ele é mais grave. Então ao focar no grave a gente tem uma vibração melhor do saxofone do que se a gente só focasse no ritmo. Ou quando tem uma música diferente… ele fica vibrando de forma diferente. Porque o ritmo da música muda. Outra coisa que muda é a voz da pessoa.

A gente consegue pegar a voz em um aplicativo de mídia e traduzir de forma rítmica. Ou seja, é igual quando alguns surdos colocam a mão nas cordas vocais para entender o que as pessoas falam. É o mesmo processo.

Então eles conseguem entender o que está acontecendo através desse foco na voz. E a customização do aplicativo permite que você possa variar os parâmetros de graves, médios, altos, duração e intensidade. Ou seja, você varia cinco parâmetros diferentes para poder encontrar uma forma que vibre melhor.

A gente consegue abranger praticamente qualquer instrumento musical variando esses parâmetros. E o que a gente tem de desafio hoje é poder encontrar os parâmetros ideais para cada um dos instrumentos musicais. Então, de forma resumida, o aplicativo funciona desse jeito.

Rafael Zinni no Young Leaders of American Initiative

EMComo você se inspirou para isso? Foi com o negócio do trote dos cavalos? Conta essa história.

RF – Essa história é um pouquinho longa, porque tem a ver com o meu propósito. Eu sou engenheiro de elementos de formação. Na segunda metade de 2019 eu tive que trancar meu curso, porque não teve nenhuma pessoa que acreditou no meu potencial. Eu fui lá, prestando estágio, estágio, estágio, e só não, não, não, não, não. E no ano de 2020, tem a pandemia.

Aconteceu que um pouquinho antes de entrar nessa pandemia, eu tinha conversado com um professor meu chamado Ricardo Vieira Ventura. Ele trabalha com a parte de programação aplicada à bioinformática. Basicamente, programar focado em animais. Ou seja, estrutura genética de animais, onde você poder fazer a gestão de rebanho usando Excel, Power BI, essas ferramentas de tecnologia. E eu notei que uma das áreas que eu gostava era a área de dados, a área de programação.

Então entrei com ele para poder aprender um pouco mais. Aprender a programar, ter alguma experiência, ter algum portfólio e depois de um mês ele falou:  tenho um desafio aqui para você. É em Python. E aí, ele me passou – o desafio é entender trote de cavalo. Que a gente vai fazer uma classificação genética de cavalos a partir do som. Tem um artigo na Frontiers, em Animal Science, sobre esses trotes de cavalo. E como que a gente podia classificar dois padrões genéticos de cavalo usando o som. E eu fiz toda a parte de análise dos parâmetros.

Ou seja, peguei tempo, peguei bit, duração, grave, médio, intensidade, frequência. Eu, naquela época, tive muita dificuldade. Ele me deu duas semanas para fazer o primeiro resultado. E, na semana seguinte não tinha nada. Não tinha nada. Pensei: não está dando certo.

E aí comecei a estudar um curso em vídeo, de Python, lá no YouTube. Assisti, acho que 70 aulas para poder, pelo menos, aprender a noção básica de Python, conseguir entender como o Python funcionava na lógica. E aí, eu olhei a biblioteca do Librosa. Librosa é o pacote de tradução de música, processamento de música. Lá tem exemplos de código.

Eu peguei esses códigos, dei um Ctrl-C, Ctrl-V e pensei assim, está funcionando. Só que esse daqui é de saxofone. Como que eu faço agora para adaptar isso para cavalo? Aí, meu desafio foi entender a lógica para adaptar isso para cavalo. E consegui mudar as linhas de código para poder aceitar o meu som. E depois eu vi que eu tinha o quê? 180 áudios de cavalo para analisar. Não dava para você ficar rodando Python um de cada vez assim.

Aí, eu tive que aprender a falar assim, não, Python, você vai rodar tudo de uma vez agora. Tive que encontrar o código para poder adaptar o código, para poder montar esses 180 de uma vez só. E  consegui. Nessa uma semana que faltava, consegui analisar sete parâmetros diferentes, repassei na apresentação para o professor e aí deu origem ao trabalho.

EMMas vem cá, essa parte da arte aqui é interessante. A pessoa com deficiência auditiva pode aprender a tocar bateria com esse aplicativo?

RF – Pode. Ela não toca a bateria para você, mas ela entende a bateria e aí a pessoa que está com ele no bolso, ou em algum lugar no corpo, por exemplo, no colo, vai lá tocando bateria, vai estar vibrando aqui. E ela consegue entender, às vezes até aprender música com isso.

EMComo funciona?

RF – Funciona assim: na hora que ela pega e bate na bateria, gera um som. O som é captado pelo celular, pelo microfone. E ela vai estar no colo da pessoa, nesse caso aqui no meu ombro. Aí na hora que bate, vai chegar aqui e vai vibrar. Se ela bate mais forte, pega e vibra diferente. Se ela depois começa a batucar de outro ritmo, vai vibrando na forma como ela está batucando. Então muda conforme a intensidade e muda conforme ela está tocando. A tecnologia se adapta ao som. É inteligente.

EME o que mais vocês estão projetando para o futuro? O que vocês vão agregar mais?

RF – Nosso intuito é poder chegar até Coldplay, poder chegar até bandas famosas e ser o principal sistema de traduções para poder trazer pessoas surdas para essas bandas famosas. A gente quer chegar nesse nível.

EMVocês já estão comercializando? Quer dizer, já se pode fazer uma assinatura hoje?

RF – Já, a pessoa pode assinar. Em cima do aplicativo tem o Invista na Timbrasom. Na hora que você clica, ele abre uma landing page e vai para um campo onde a pessoa pode assinar por R$12,90 ao mês. Atualmente a gente tem 200 pessoas que já fizeram download do aplicativo. Entre esses 200, a gente tem 70 usuários diários, ou seja, que entra todo dia e 7 que são assinantes.

EM Vocês têm uma projeção de quantos assinantes podem ter? Qual é a meta de vocês?

RF – A meta é chegar até mais ou menos 4 mil assinantes em 2 anos.

EM Beleza, Rafael, muito bom conversar com você. Gostei muito dessa história.

RF – Tem um a mais aí para eu te colocar para você, tá?

EMPode falar

RF – Sabe quem acreditou no meu impacto? O Departamento de Estado dos Estados Unidos, pelo programa Young Leaders of American Initiative. Então eu tenho uma certificação do governo dos Estados Unidos sobre o meu impacto, o quão importante ele é e o quanto isso muda a vida das pessoas.

EMPerfeito. A foto que você tiver, todo material visual que tiver, manda também, tá bom? Parabéns pelo projeto. Obrigado e Grande abraço.

RF – Tudo de bom, Eduardo. A gente vai se falando. Tchau, tchau.

*É Editor-Chefe de VALOR CULTURAL/Marketing Cultural, que têm entre seus propósitos dar visibilidade a bons projetos ou ações, valorizar empresas que praticam patrocínios conscientes e apontar aquelas que fingem ser o que não são no campo da Responsabilidade Social.

SERVIÇO

Rafael Zinni Lopes é Mestre em Engenharia e Ciência dos Materiais pela Universidade de São Paulo.

Timbrasom: https://timbrasom.com.br/pt

E-mail: timbrasom.contato@gmail.com

Site da YLAI: https://ylai.state.gov/

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