Esse segundo diagnóstico sobre empresas que alteraram suas políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI), e aquelas que mantiveram ou ampliaram suas ações em 2024, tendo como base informações de seus dois últimos Relatórios de Sustentabilidade, abrange as seguintes companhias: Honda, Banco do Brasil, Coca-Cola, Ambev, Google (Alphabet), Eletrobrás, Ford e Itaú Unibanco.
Alguns especialistas apontam que o discurso corporativo sobre diversidade está passando por uma fase de “reacomodação simbólica”: o conteúdo ainda existe, mas o tom mudou. O engajamento público dá lugar a mensagens mais discretas e padronizadas, e as campanhas de marketing de impacto cederam espaço a comunicações internas e dados técnicos. Isso pode reduzir o alcance transformador das ações, mas também proteger as marcas em cenários voláteis.
Com base em pesquisa de Valor Cultural, apresentamos os diagnósticos comparativos de 16 empresas — oito que mantiveram políticas públicas consistentes em diversidade e inclusão, e oito que modificaram substancialmente sua comunicação institucional de 2023 para 2024. A análise busca não apenas identificar alterações formais nos relatórios, mas interpretar as motivações estratégicas e as possíveis consequências desse reposicionamento.
A avaliação que se pode ter desses dois levantamentos é de que as empresas brasileiras mantiveram suas políticas de diversidade e, pelo menos com base nos Relatórios de Sustentabilidade 2024 de algumas das principais companhias nacionais, verifica-se que o novo olhar conservador dos Estados Unidos quanto a essas questões não teve influência por aqui, pelo menos por enquanto.
Essa é a segunda parte da pesquisa. Para cada empresa foi gerado um gráfico comparativo com base no diagnóstico de cada uma delas
HONDA
Contexto e Histórico
A Honda, tradicional empresa japonesa com forte presença global, adota uma comunicação institucional comedida em relação a temas de justiça social e identidade. Mesmo assim, nos últimos anos, sobretudo após 2020, ela incorporou em sua estratégia ESG temas como equidade de gênero, inclusão de pessoas com deficiência e diversidade etária.
Em 2023, os relatórios apresentavam uma narrativa emergente, conectando diversidade à inovação e sustentabilidade. Nos EUA e no Brasil, foram reportadas ações de inclusão de mulheres em áreas técnicas, programas de formação profissional para jovens e esforços discretos de apoio a grupos subrepresentados.
Relatório 2023
O relatório ESG de 2023 destacava ações regionais voltadas à inclusão, especialmente em filiais ocidentais. Citava a promoção da equidade de gênero como prioridade, com dados sobre evolução de mulheres em cargos de liderança, mecanismos de apoio à parentalidade e treinamentos de viés inconsciente.
No Brasil, relatava parcerias com ONGs e programas de capacitação técnica para jovens em situação de vulnerabilidade.
Embora sem linguagem ativista, havia menções a metas e a vocabulário institucional como “inclusão sustentável”, “respeito às diferenças” e “valorização da pluralidade cultural”.
Relatório 2024
No relatório de 2024, a estrutura narrativa foi reformulada. As menções a DEI foram reduzidas a um subitem dentro da seção de “Desenvolvimento de Recursos Humanos”.
Termos como “equidade”, “diversidade” e “inclusão” foram substituídos por expressões genéricas como “ambiente de trabalho saudável”, “melhoria contínua” e “construção de confiança”.
As metas de gênero e os dados regionais não foram atualizados no relatório global. A Honda manteve algumas menções a programas educacionais, mas sem referência direta a públicos vulneráveis ou marcadores identitários.
Mudanças de Linguagem
A linguagem adotada em 2024 é mais neutra e técnica, eliminando referências a políticas afirmativas ou causas sociais. As ações de inclusão são apresentadas como parte de estratégias de produtividade e bem-estar, não como resposta a desigualdades estruturais.
A estrutura editorial dilui a temática DEI em blocos amplos de gestão de pessoas, sem destaque específico. A ênfase institucional foi direcionada para competitividade, eficiência e inovação.
Interpretação e Considerações Finais
A Honda demonstra manter parte das ações de inclusão em nível operacional, mas evita reiterar publicamente compromissos que possam ser lidos como alinhamento a discursos politizados.
A despolitização do vocabulário e a reorganização editorial do relatório ESG de 2024 evidenciam um redirecionamento estratégico voltado à neutralidade institucional.
Essa escolha pode garantir estabilidade reputacional junto a públicos mais conservadores, mas também comprometer a evolução simbólica da marca enquanto agente de transformação social.
BANCO DO BRASIL
Temas removidos ou reduzidos
No Banco do Brasil (BB), nenhum dos temas ligados à diversidade presentes no relatório de 2023 foi suprimido no de 2024. A troca de administração no início de 2023 (governo federal e presidência do banco) fez com que assuntos “woke” ganhassem muito mais destaque no relatório do ano passado.
Em 2022, sob gestão anterior, as menções à diversidade eram mais genéricas; a partir de 2023/2024, passaram a ter metas explícitas. Portanto, não houve remoção de temas – houve adição. Por exemplo, tópicos como igualdade de gênero e inclusão racial, que já apareciam timidamente em 2023, foram expandidos e não reduzidos.
Elementos mantidos ou aprofundados
Todos os elementos de DE&I foram aprofundados significativamente. Com a nova presidente (Tarciana Medeiros, empossada em 01/2023), o BB estabeleceu metas públicas e concretas de diversidade, criou governança dedicada e aderiu a pactos, o que se refletiu claramente no relatório 2024.
Em 2023, havia iniciativas internas de inclusão, mas sem metas específicas divulgadas. Já no relatório 2024, o BB mostrou ter assumido o objetivo de alcançar paridade de gênero e raça na liderança até 2030 – iniciativas conhecidas como programas “Raça é Prioridade” (para equidade étnico-racial) e “Elas Lideram” (para elevar mulheres na liderança). Esses programas não existiam no relatório anterior e passaram a ser centrais no novo.
Além disso, em 2024 o banco informa que criou um Comitê de Diversidade interno e se tornou embaixador de compromissos da ONU (p.ex., aderiu aos Princípios de Empoderamento das Mulheres da ONU Mulheres). Os itens preexistentes – como adesão ao Pacto Global e políticas de responsabilidade social – foram mantidos, mas redirecionados para incluir recortes de diversidade.
Por exemplo, em 2023 o BB já divulgava ações de educação financeira e inclusão social; em 2024, essas ações continuam, porém integradas com metas de inclusão (p.ex., promover empreendedorismo feminino na cadeia de fornecedores, algo que rendeu ao BB reconhecimento da ONU).
Evidências de alterações
A mudança entre os relatórios é notória e documentada. O relatório 2024 apresenta declarações diretas da presidente enfatizando que “diversidade é questão central da nossa gestão”, linguagem ausente no relatório anterior. Além disso, reporta conquistas: Tarciana Medeiros recebeu o prêmio ONU Ambição 2030 justamente pelas iniciativas de raça e gênero implementadas, mostrando resultados já em 2023.
No âmbito interno, o BB de 2024 mostra dados de composição que evidenciam progresso: aumentou o número de mulheres em cargos diretivos (pela primeira vez o banco tem várias diretoras mulheres) e nomeou um executivo negro para liderar uma das subsidiárias (BB Asset) – fatos novos que não estavam no relatório de 2023.
Outra evidência é a participação do BB no Pacto pela Diversidade nas Estatais, coliderado pelo Ministério da Gestão em 2024, reforçando seu comprometimento colaborativo (essa iniciativa não existia em 2023). Observa-se também que em 2024 o BB passou a integrar índices e rankings de diversidade: o relatório menciona que o banco foi destaque na categoria “30% de pessoas negras ou indígenas em posição de liderança até 2025” e “apoio ao empreendedorismo de mulheres” em premiação da ONU, enquanto no relatório anterior não havia esse tipo de reconhecimento.
Em suma, os trechos confirmam uma virada positiva. Por exemplo, sob a nova gestão o BB incorporou as metas nos seus indicadores ESG e formalizou no relatório: “metas públicas e concretas em sustentabilidade e inclusão, criou um comitê de diversidade e tornou-se embaixador dos compromissos da ONU” – frase que sintetiza mudanças estruturais entre um ano e outro. Não se encontram frases análogas no documento de 2023, o que evidencia o salto.
Comparação de abordagem
O relatório de 2024 do Banco do Brasil apresenta uma abordagem muito mais detalhada e proativa que o de 2023. Enquanto no documento anterior as referências a diversidade eram breves, o de 2024 integra DE&I à estratégia corporativa de forma explícita.
A linguagem de 2024 é assertiva, focada em metas e resultados (paridade, comitês, prêmios), demonstrando transparência. É mais aprofundada, não apenas semelhante. Por exemplo, 2023 mencionava alguns programas de inclusão social de forma generalista; já 2024 dedica uma seção para destacar diversidade na gestão, com metas quantificadas e ações (como treinamento de liderança para viés inconsciente, políticas de tolerância zero a discriminação, etc.).
A ausência de menções explícitas em 2023 e a abundância delas em 2024 sugerem que a abordagem deixou de ser superficial para se tornar central.
COCA-COLA
Contexto Geral
Coca-Cola mostrava-se como uma das corporações globais mais engajadas em ações voltadas para diversidade, equidade e inclusão (DEI). Até 2023, seus relatórios globais apresentavam um conjunto robusto de iniciativas, metas específicas e linguagem institucional explicitamente afirmativa sobre justiça racial, gênero, acessibilidade e direitos LGBTQIA+.
O Relatório de Sustentabilidade 2023 reforçava esse compromisso por meio de indicadores claros e iniciativas como:
– Metas de ampliação de lideranças femininas e negras;
– Apoio explícito a grupos de afinidade e coalizões sociais;
– Uso de expressões como “equidade racial”, “interseccionalidade”, “antirracismo” e “representatividade”;
– Inclusão de dashboards com dados detalhados por gênero, etnia e região.
A atuação era acompanhada de compromissos multilaterais e campanhas públicas que fortaleciam o posicionamento institucional como uma empresa ativista no campo da diversidade.
Alterações em 2024
O Relatório de Sustentabilidade 2024 da Coca-Cola apresentou uma inflexão importante em relação ao documento anterior. Embora mantenha menções gerais a diversidade e inclusão, houve uma significativa redução na profundidade, visibilidade e especificidade dos compromissos DEI. As mudanças mais notáveis incluem:
– Remoção de expressões como “equidade racial”, “antirracismo” e “interseccionalidade” em todas as seções;
– Substituição por termos genéricos como “ambiente inclusivo”, “respeito às diferenças” e “valorização da pluralidade”;
– Eliminação dos indicadores desagregados por raça e identidade de gênero que estavam presentes no relatório anterior;
– Redução na quantidade de gráficos e dados quantitativos relacionados à diversidade;
– Silenciamento de programas específicos antes destacados, como iniciativas voltadas à comunidade LGBTQIA+ ou a mulheres negras;
– Maior foco em ações ambientais, com deslocamento de centralidade das políticas sociais internas.
Em 2023, o relatório global apresentava uma seção específica sobre Equidade Racial, com compromissos de longo prazo e dados sobre progresso por região.
Em 2024, essa seção foi suprimida. O termo “equidade racial” aparece uma única vez, diluído em um parágrafo sobre diversidade de maneira ampla. As iniciativas com HBCUs (Historically Black Colleges and Universities — instituições de ensino superior nos Estados Unidos que foram historicamente criadas para atender estudantes negros durante períodos de segregação racial) e fornecedores negros não foram mencionadas.
Em contrapartida, destaque foi dado a temas como inovação, clima organizacional e sustentabilidade ambiental, com diversidade tratada como parte do engajamento interno e não como eixo estratégico autônomo.
Essa mudança reflete um movimento estratégico mais cauteloso diante do crescente escrutínio que empresas têm enfrentado em relação à agenda “woke”. A nova abordagem prioriza uma linguagem menos comprometida e reduz o protagonismo de ações afirmativas institucionais.
Ausência de Relatório DEI no Brasil
Apesar das reduções no discurso público, a Coca-Cola manteve ações estruturais como o programa “Empreenda como uma Mulher”, que atua no Brasil com foco na formação e apoio a empreendedoras periféricas. O “Coletivo Jovem”, voltado à empregabilidade de jovens em situação de vulnerabilidade, segue ativo. Além disso, a meta global de atingir 50% de mulheres em cargos de liderança até 2030 foi reafirmada, com o percentual de 47% reportado em 2024.
Mas a operação brasileira da Coca-Cola não apresenta um relatório específico de diversidade, equidade e inclusão, tampouco um suplemento local do relatório global. O site institucional da Coca-Cola Brasil faz menção à importância da inclusão e ao respeito à diversidade, mas não publica dados locais, metas regionais nem ações específicas para o público interno ou comunidades brasileiras.
Dessa forma, a análise crítica da política da empresa depende integralmente do conteúdo publicado pela matriz global, sem possibilidade de triangulação com dados locais.
Considerações Finais
A comparação entre os relatórios de 2023 e 2024 revela uma inflexão clara no posicionamento da Coca-Cola. A empresa deixou de explicitar termos e compromissos associados ao discurso afirmativo de DEI, substituindo-os por uma abordagem genérica e menos mensurável.
Essa alteração impacta diretamente a capacidade de monitorar avanços, identificar lacunas e reforçar o papel institucional da marca como promotora de equidade.
A ausência de relatório local agrava o cenário, dificultando a avaliação da consistência entre o discurso global e a prática regional.
AMBEV
Temas removidos ou reduzidos
A Ambev não retirou nenhum tema relacionado à diversidade e inclusão em seu relatório 2024 em comparação com 2023. A pauta ESG da companhia historicamente inclui pilar “Inclusão” em sua estratégia (conforme Relatório 2022), e isso permaneceu. Não houve sinal de que assuntos como equidade de gênero, apoio a grupos minorizados ou diversidade na cadeia de valor tenham sido reduzidos – todos continuam presentes.
Elementos mantidos ou aprofundados
A empresa manteve e deu sequência a suas iniciativas de diversidade nos dois anos, com abordagem consistente. Em 2023, a Ambev já tratava diversidade como prioridade interna, afirmando que “a diversidade vai além de rótulos (PCDs, LGBTQI+, etnias, gêneros)” e perpassa valores e culturas. Em 2024, essa filosofia persiste. Elementos como o Censo da Diversidade – pesquisa interna periódica – foram mantidos (o relatório 2023 citava a realização a cada 2-3 anos, próxima edição em 2025), indicando continuidade do monitoramento.
A Ambev também manteve seus compromissos na cadeia de suprimentos: já em 2022 registrara que fomentava a diversidade entre fornecedores, realizando 935 contratações de serviços de empresas pertencentes a grupos diversos (ex.: negócios liderados por mulheres, negros, PCDs etc.). Esse dado ilustra a prática de inclusão econômica, e em 2023/2024 essa linha se manteve.
Além disso, programas internos continuaram: o Grupo de Afinidade e treinamentos sobre viés inconsciente, mencionados em anos anteriores, seguem no radar. A comunicação em 2023 enfatizava a incorporação da sustentabilidade (inclusive social) na estratégia de negócios, e em 2024 esse discurso permanece: a empresa destaca “geração de valor compartilhado” envolvendo inclusão em toda a cadeia.
Evidências de alterações
Em 2023 e 2024, os relatórios da Ambev exibem indicadores muito semelhantes, com leve evolução em alguns. Por exemplo, no relatório anual base 2022, a empresa já estruturava suas ações sob o pilar “Inclusivo” (focado em gente e comunidades). Já no relatório de 2023, reforçou o conceito de valor compartilhado, mostrando projetos concretos na área social. Um dado específico de 2022 que se manteve na prática em 2023: a contratação de fornecedores diversos – “935 contratações de serviços de empresas de grupos subrepresentados”.
Em 2024, embora o número atualizado não esteja citado na fonte, a Ambev continuou a destacar seu compromisso em fomentar diversidade na cadeia e internamente. Podemos inferir continuidade também pelos reconhecimentos: a Ambev permaneceu figurando em rankings de melhores empresas para trabalhar com diversidade (a exemplo da pesquisa Ethos/Época de Inclusão 2023, na qual a companhia foi destacada entre as 74 organizações reconhecidas).
Isso evidencia que as práticas não retrocederam em 2024 – a empresa se manteve no patamar de destaque. A mensagem corporativa também não se alterou negativamente: em ambos os relatórios, a linguagem reforça que diversidade é tratada de forma abrangente, não limitada a cumprir cotas, mas sim integrando-se à cultura (“atravessa pensamentos, ideias e culturas” – discurso de 2022 válido até hoje).
Ou seja, a narrativa se manteve coerente. No relatório 2025, espera-se (pela coerência com anos anteriores) a divulgação do novo Censo da Diversidade que será feito naquele ano, confirmando planejamento contínuo.
Comparação de abordagem
O relatório de 2024 tem abordagem semelhante ao de 2023, com estrutura integrada (Relatório Anual + ESG combinados) e foco em casos de impacto positivo.
A linguagem de ambos os anos reforça o caráter prioritário do tema – em 2022/23 dizia-se que “diversidade é prioridade” e vai além de categorias específicas, e em 2024 isso não mudou. Portanto, não houve superficialização nem omissão em 2024; a Ambev segue tratando os temas de forma estratégica.
GOOGLE (Alphabet)
Contexto e Histórico
A Alphabet é referência global na divulgação de políticas de diversidade, equidade e inclusão no setor de tecnologia. Desde 2014, publica relatórios de diversidade anuais, detalhando indicadores raciais, de gênero, LGBTQIA+ e acessibilidade. Em 2023, a empresa mantinha uma estrutura sólida de comunicação sobre DEI, com presença destacada em seus relatórios ESG e institucionais. Termos como “equity”, “justice”, “intersectionality” e “inclusive leadership” figuravam com naturalidade na comunicação da marca. Os relatórios traziam metas quantitativas para aumentar a representatividade em cargos técnicos e de liderança, bem como detalhamento de ações como programas de recrutamento afirmativo, apoio a grupos internos (ERGs), parcerias com organizações comunitárias e patrocínio de eventos LGBTQIA+ em várias regiões do mundo.
Relatório 2023
O relatório de 2023 apresentava uma seção robusta dedicada à DEI. Os dados eram desagregados por região, raça e gênero, com metas claras para 2025. A narrativa era construída em torno da responsabilidade corporativa com justiça social, inovação inclusiva e redução de desigualdades. Havia destaque para parcerias com instituições educacionais voltadas a populações sub-representadas, ações afirmativas de contratação e liderança diversa. O tom institucional era engajado, assumindo posicionamentos públicos em defesa da equidade e da pluralidade identitária.
Relatório 2024
Em 2024, a Alphabet mudou substancialmente a estrutura de divulgação da pauta DEI. O relatório ESG passou a tratar a inclusão apenas de forma periférica, alocando os dados e programas em relatórios técnicos separados, de acesso mais restrito. A terminologia utilizada foi suavizada: expressões como “racial equity” e “intersectionality” foram substituídas por “cultura de pertencimento” ou “diversidade de experiências”. O vocabulário de justiça social desapareceu. Os compromissos continuam ativos, mas foram retirados da centralidade editorial. A ênfase discursiva passou para bem-estar no trabalho, performance e segurança psicológica, esvaziando parte da intencionalidade crítica e afirmativa que marcava os relatórios anteriores.
Mudanças de Linguagem
A principal mudança foi na exposição simbólica da pauta. Os dados de diversidade seguem sendo mensurados e publicados, mas sua visibilidade institucional foi minimizada. Os relatórios que antes dedicavam dezenas de páginas ao tema, agora o apresentam como subtema de cultura corporativa. A linguagem foi despolitizada: “equidade” deu lugar a “respeito”, “justiça racial” foi substituída por “ambiente acolhedor”. Não há menção a interseccionalidade, e os compromissos públicos com grupos minorizados foram transformados em metas internas, não enfatizadas externamente.
Comparação 2023 vs. 2024
A comparação revela uma retração institucional. Em 2023, a Alphabet utilizava seu capital de marca para liderar o discurso corporativo em prol da diversidade. Em 2024, mantém a base programática, mas abandona a postura de protagonismo público. A escolha por relatórios separados, menos promovidos, e por linguagem neutra, marca uma mudança editorial com consequências simbólicas significativas. A política de inclusão permanece, mas deixa de ocupar o mesmo espaço simbólico na identidade institucional da empresa.
Interpretação e Considerações Finais
A reconfiguração da estratégia comunicacional da Alphabet em 2024 pode ser lida como tentativa de proteção reputacional diante da crescente crítica a posicionamentos considerados “woke” em setores conservadores. Trata-se de uma escolha por discrição, que não interrompe os compromissos internos, mas que reduz a potência mobilizadora externa da marca. A consequência dessa inflexão pode ser a perda de liderança simbólica em DEI, especialmente entre públicos engajados e comunidades que se viam representadas nos posicionamentos anteriores. A questão que se impõe é se essa nova postura neutra será suficiente para manter a credibilidade da Alphabet em mercados que ainda valorizam marcas engajadas em transformação social.
ELETROBRAS
Temas removidos ou reduzidos
A Eletrobras não reduziu a cobertura de diversidade e inclusão em seu Relatório Anual 2024 em relação a 2023. Apesar da mudança de controle (privatização em mid-2022), a empresa manteve – e até intensificou – o relato desses temas. Nenhum tópico antes presente (equidade de gênero, raça, programas de inclusão) foi suprimido no novo contexto; pelo contrário, continuaram todos presentes.
Elementos mantidos ou aprofundados
A Eletrobras sempre teve compromisso com igualdade de oportunidades, e isso permaneceu intacto. A política de não discriminação e direitos humanos do grupo continua declarada nos códigos e relatórios – “busca por oportunidades iguais para todas as pessoas, independentemente de gênero, cor, orientação sexual etc., é um dos nossos compromissos”.
Entre 2023 e 2024, a empresa aprofundou algumas metas, especialmente de gênero. Por exemplo, todas as empresas Eletrobras já tinham políticas unificadas de equidade de gênero e compartilhavam boas práticas desde antes, mas após a privatização notou-se uma aceleração em indicadores: o percentual de mulheres na alta liderança subiu para 28% em 2023 e 30% em 2024, frente a 25-27% em anos anteriores. Isso indica que a nova gestão manteve a meta anterior do governo (a Eletrobras, quando estatal, já perseguia 30% de mulheres na liderança até 2025) e atingiu essa marca antes do prazo, sem abandonar a iniciativa.
Da mesma forma, a empresa manteve a adesão a programas como os Princípios de Empoderamento das Mulheres da ONU, aos quais aderiu desde 2010, e continuou integrando índices internacionais como o Bloomberg Gender-Equality Index. Esses reconhecimentos foram mantidos anualmente (em 2022 e 2023 o grupo figurou no índice, e em 2024 novamente).
Adicionalmente, práticas de valorização das mulheres e combate ao assédio permaneceram em vigor – por exemplo, o relatório destaca que a Eletrobras possui políticas robustas contra assédio sexual, um dos pilares avaliados pelo índice Bloomberg, e não há indicação de retrocesso nessa área na nova gestão.
Evidências de alterações
Dados comparativos dos relatórios mostram avanços de 2023 para 2024. Por exemplo, em 2022 a força de trabalho da Eletrobras tinha 19% de mulheres; ao fim de 2023 caiu levemente para 18% (reflexo de saídas no PDV após privatização), mas em 2024 subiu para 20% de mulheres no quadro de empregados, recuperando e superando o nível prévio. Isso indica que a empresa retomou contratações focadas na diversidade. Mais notável, nos cargos de gerência júnior, o salto foi grande: de 14,5% de mulheres em 2022 para 20% em 2023, e chegando a 29% em 2024 – ou seja, sob a nova gestão, houve promoção intensa de mulheres a posições de gestão média, mudança claramente evidenciada nos indicadores.
Comparação de abordagem
A abordagem do relatório 2024 da Eletrobras permaneceu muito detalhada e orientada a dados, assim como em 2023, porém agora destacando avanços rápidos pós-privatização. Ambos os relatórios dedicam seção específica à “Equidade de Gênero, Raça e Diversidade” e incluem extensos indicadores e explicações de iniciativas.
A linguagem continua técnica e compromissada, sem superficialidade. O que mudou positivamente foi poder reportar metas atingidas antes do prazo – o relatório 2024 fala em conquistas (ex.: atingiu 30% de mulheres na liderança) com tom de satisfação. Mas a estrutura de prestação de contas permaneceu: o relatório 2024, assim como 2023, exibe gráficos históricos e detalha participação feminina por nível hierárquico, algo que demonstra consistência e profundidade na comunicação.
Em 2024, a linguagem talvez esteja até mais confiante, pois a empresa, agora no setor privado, destaca a unificação de políticas e a troca de experiências de gênero entre suas subsidiárias – sinal de que a cultura interna de diversidade sobreviveu à transição e até se fortaleceu, sem ser deixada de lado.
Não há ausência de temas: o relatório 2024 cobre desde não discriminação no Código de Ética até iniciativas de empoderamento e indicadores – tudo que havia antes, atualizado. Portanto, a Eletrobras apresentou evolução positiva nos resultados e continuidade na profundidade do relato de diversidade entre 2023 e 2024, com evidências de que a linguagem permaneceu comprometida e, se algo mudou, foi para mais detalhe e transparência sobre os progressos alcançados.
FORD
Contexto e Histórico
A Ford possui uma trajetória longa de envolvimento com políticas de inclusão, com histórico de investimentos sociais e práticas corporativas voltadas à valorização de minorias, sobretudo nos EUA. Desde os protestos por justiça racial em 2020, a empresa assumiu compromissos públicos com diversidade racial, inclusão de gênero e apoio à população LGBTQIA+, além de publicar relatórios de DEI com dados específicos. Em 2023, esse histórico foi reforçado com comunicação afirmativa nos relatórios ESG, detalhamento de indicadores e ações regionais em diversas unidades, incluindo América do Sul e Brasil. A empresa buscava associar seus princípios de engenharia e mobilidade a valores sociais como equidade e justiça.
Relatório 2023
O relatório de 2023 continha seções dedicadas à equidade racial, com metas claras, dados desagregados e compromissos públicos de transformação. Incluía expressões como “inclusive leadership”, “supplier diversity”, “racial equity action plan” e relatava parcerias com ONGs, universidades e comunidades locais. A representatividade interna era apresentada com transparência e acompanhada de metas progressivas. A Ford também destacava programas de capacitação voltados a mulheres e jovens negros no Brasil e nos EUA, além de apoio a redes de afinidade dentro da empresa (Employee Resource Groups).
Relatório 2024
No relatório ESG de 2024, a Ford reduziu substancialmente a exposição dos temas ligados à diversidade. As seções específicas desapareceram e o conteúdo foi reorganizado em blocos de cultura corporativa e clima organizacional. A linguagem se tornou mais neutra, e expressões como “racial equity” e “justice” deixaram de aparecer. O termo “diversidade” foi mantido, mas com foco em inovação e colaboração interna. Os dados desagregados foram removidos do relatório principal e realocados em páginas técnicas externas. Houve uma mudança perceptível no tom e na priorização simbólica do tema dentro do documento ESG.
Mudanças de Linguagem
A linguagem de 2024 prioriza estabilidade, produtividade e bem-estar. As expressões anteriormente ativistas deram lugar a termos como “ambiente positivo”, “acolhimento” e “colaboração entre equipes”. O conteúdo de DEI foi diluído e perdeu centralidade narrativa. A estrutura que antes apresentava metas e dados desagregados agora agrupa todos os temas sob tópicos genéricos de cultura. A visibilidade editorial da pauta foi drasticamente reduzida, mesmo que parte das ações tenha sido mantida nos bastidores operacionais.
Comparação 2023 vs. 2024
A Ford passou de uma comunicação afirmativa e engajada em 2023 para uma abordagem mais conservadora e neutra em 2024. A presença de termos politizados foi eliminada, as metas deixaram de ser detalhadas e a estrutura editorial passou a evitar a exposição explícita das iniciativas identitárias. O que antes era símbolo de transformação e compromisso social agora é apresentado como parte da gestão interna de talentos e cultura.
Interpretação e Considerações Finais
A mudança na comunicação institucional da Ford reflete um reposicionamento diante do ambiente político polarizado, especialmente no mercado norte-americano. A retração discursiva parece buscar neutralidade e segurança reputacional. Contudo, ao reduzir a visibilidade pública de compromissos de inclusão, a Ford compromete parte da credibilidade que havia conquistado junto a comunidades e colaboradores engajados.
Os programas internos permanecem em operação, mas a ausência de narrativa afirmativa sinaliza uma reconfiguração estratégica: de uma empresa socialmente engajada para uma empresa cautelosa, que evita embates ideológicos públicos.
ITAÚ UNIBANCO
Temas removidos ou reduzidos
Não houve remoção de temas de diversidade ou equidade no relatório de 2024 do Itaú Unibanco em comparação a 2023. O banco já era conhecido pelo engajamento em diversidade e manteve todos os pilares (gênero, raça, PCD, LGBTQIA+) em seu relato. Nenhum tópico presente no relatório anual integrado de 2023 deixou de aparecer em 2024.
Elementos mantidos ou aprofundados
O Itaú manteve e ampliou suas iniciativas. Os quatro pilares estratégicos de diversidade – gênero, raça, pessoas com deficiência e LGBT+ – permaneceram em destaque. Em 2023 o banco já divulgava metas e progressos, e em 2024 esses elementos foram aprofundados com novos resultados.
Por exemplo, a meta de ter 50% de mulheres em cargos de liderança foi atingida e superada antes do previsto: o relatório 2024 revela que o banco chegou a 52,1% de mulheres em posições de gestão (dado superior ao de 2023). Essa conquista reflete continuidade e avanço da política de equidade de gênero.
Também no pilar racial, o Itaú manteve seu compromisso público de representar a demografia do Brasil internamente; o relatório 2024 apresenta 28,9% de empregados negros em cargos efetivos e 39,1% das contratações feitas em 2024 foram de pessoas negras – indicadores semelhantes ou ligeiramente melhores que os de 2023, o que mostra progresso.
Ademais, o banco seguiu com programas emblemáticos iniciados antes, sem retroceder: houve a continuidade do Programa de Mentoria para profissionais negros em 2024 (cobrindo dezenas de analistas e gerentes), assim como do +Mulheres em Liderança e +Inclui (foco em PCD) e +Blacks (foco em negros) – iniciativas permanentes de recrutamento afirmativo divulgadas em ambos os anos.
Avaliação mostra que nenhuma dessas ações foi descontinuada, sendo algumas ampliadas: em 2024 o Itaú adicionou, por exemplo, uma regra formal de participação feminina em comitês de sucessão para assegurar mulheres na lista de sucessores dos principais cargos, reforçando sua governança inclusiva (medida mencionada no relatório 2024 e não detalhada no de 2023).
Igualmente, o banco passou a reportar novos reconhecimentos externos: em 2024 foi novamente incluído em rankings de melhores empresas para profissionais LGBTQIA+. Em 2023 esses reconhecimentos já existiam, mas foram reiterados com mais ênfase (o Itaú citou ter sido reconhecido pela Human Rights Campaign e Instituto Mais Diversidade como empregador destaque LGBT+ em 2024).
Evidências de alterações
A comparação dos relatórios mostra incrementos sutis. Em 2023, o Itaú divulgou que 51% dos funcionários eram mulheres e 50% dos cargos de liderança imediata eram ocupados por mulheres, atingindo a paridade de gênero. Já no relatório 2024, lê-se que esse número subiu para 53,9% de colaboradoras mulheres no quadro total e 52,1% de mulheres em cargos gerenciais, evidenciando ampliação da presença feminina na liderança.
O relatório 2024 também traz exemplos concretos da manutenção/expansão das práticas: destaca que o banco participou de programa da WILL (Women in Leadership in Latin America) para desenvolver mulheres negras líderes e teve mentoradas e mentores envolvidos – ação que complementa o que já faziam, mas agora com foco interorganizacional.
Outro exemplo é a continuidade do Edital LGBT+ Orgulho, cujo relatório 2024 menciona estar na 7ª edição apoiando projetos de empreendedorismo LGBT+ (mostrando persistência anual). No pilar PCD, evidência da intensificação: o Itaú aplicou uma metodologia de “emprego apoiado” para incluir pessoas autistas, chegando a 300 colaboradores autistas em 2024 – o dobro do ano anterior, um salto quantitativo relevante que não aparecia no relatório anterior com esse destaque.
Comparação de abordagem
A abordagem do Itaú em 2024 permanece tão detalhada quanto, ou mais, que em 2023. Ambos os relatórios estruturam a seção de diversidade por pilares, com metas e resultados. Entretanto, o de 2024 inclui reflexões adicionais de que “objetivos são construídos com os funcionários e sociedade”, indicando uma postura madura de cocriação das metas.
A linguagem de 2024 mostra o Itaú já colhendo resultados das políticas (por exemplo, enfatiza que foi novamente destaque em premiações de diversidade e que realiza pesquisas anuais de clima sobre respeito no ambiente de trabalho, com 30 mil colaboradores respondendo e 13% se autodeclarando LGBT+). Isso sugere um relato até mais aprofundado, incluindo percepções internas.
Em suma, não houve superficialidade ou lacunas em 2024; o tema continua intrinsecamente ligado à cultura corporativa do banco, assim como em 2023. A diferença principal é celebrar metas atingidas e elevar as ambições, sinalizando estabilidade com melhoria contínua nos compromissos de diversidade.
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