Por que Pelé Foi o Maior Atleta da História do Esporte

Eduardo Martins*

Eu estava lá no dia em que Pelé se despediu da Seleção Brasileira, em 18 de julho de 1971. Minha função, como repórter da Folha de S. Paulo, era descrever sua atuação nos últimos minutos com a camisa amarela que ele contribuiu para que ostentasse três estrelas como País campeão do mundo.

Enquanto ele dava a volta olímpica, e o grito de “Fica” ressoava pelo Maracanã, talvez tenha sido o único no estádio que não olhava para a cena porque tinha uma missão a cumprir: assim que ele terminasse, entregar o relato a um officeboy para que o levasse, com urgência, à redação. Terminava ali minha função – e uma era.

“Fica”, “Fica” (Imagem da Agência Globo)

Sinto que as gerações posteriores têm dificuldade de compreender o que aconteceu e o impacto que aquele moço causou nos anos 60, década que provocou profundas transformações sociais e culturais. E ele foi uma delas.

Não houve (e dificilmente haverá) outro atleta que tenha reunido em si mesmo todos os atributos físicos, todos os atributos técnicos e todos os atributos mentais necessários para que um esporte seja exercido em sua plenitude máxima.

A união desse conjunto de fatores, potencializada em uma só pessoa, é que torna seu exemplo espantoso e quase inexplicável.

Mas por que isso aconteceu e o que disso resultou?

Por várias razões expostas abaixo, divididas por tópicos para facilitar a compreensão.

PRECOCIDADE

Ronaldo, apelidado depois de fenômeno, esteve na Copa de 1994 com 17 anos. Não jogou nenhum minuto porque o treinador o considerava jovem demais. A convulsão que sofreu pouco antes da final contra a França em 1998, confessou depois, foi causada pelo estresse que sentiu por ser a grande estrela da época. Tinha 21 anos.

Pelé jogou a Copa de 1958 com 17 anos, fez seis gols em quatro jogos, (um nas quartas de final, três na semifinal e dois na final), todos contra europeus, na casa deles, e foi ali que os franceses o apelidaram de Rei do Futebol.

Mas como e por que ele conseguiu isso?

FORÇA MENTAL

Aos 18 anos ele já estava com o corpo formado, o corpo de um adulto, e com um atributo que fez a diferença em toda a sua carreira: grau de ansiedade zero.

Foi esse atributo que lhe permitiu exercer com a máxima eficiência todas as qualidades técnicas e físicas que possuía. A mental potencializou seu rendimento.

A força mental o fez enfrentar, tão jovem, uma Copa do Mundo e pôr em prática as habilidades que o fizeram ser convocado em uma época que o Brasil tinha abundância de craques.

O nível de ansiedade zero o permitiu encontrar as melhores soluções em situação difícil, quando jogadores normais se precipitam.

QUALIDADES

Impulsão surpreendente para alguém com 1m71.

Além do aspecto mental, ele reuniu as qualidades físicas e técnicas que não se viu em qualquer outro atleta, entre elas:

> Execução perfeita de todos os fundamentos necessários que um esporte exige para definir um competidor completo. No caso dele incluiu cabeceio, controle da bola, habilidade, condução e definição eficiente com as duas pernas.

Há diversos jogadores que conseguem se utilizar das duas pernas para uma boa definição. Mas só ele conseguiu, em velocidade, conduzir a bola com ambas, com a mesma facilidade.

> Para exercer com eficiência as qualidades técnicas e mentais, ele tinha força física, potência, velocidade e impulsão surpreendente para alguém com apenas 1m71 de altura. E outra que até hoje também não vi em nenhum outro jogador: equilíbrio.

Esse atributo levou a revista argentina El Gráfico, em 1963, a contratar um especialista para explicar e desenhar como ele conseguia manter o equilíbrio em situações extremas.

FAMA

Talvez tenha sido, em todas as esferas das relações humanas, a pessoa mais preparada para lidar com a fama.

Não havia canto desse Planeta onde fosse desconhecido, porque ele se tornara o primeiro mass media em um tempo em que pouco se via televisão, e não havia nenhuma das facilidades de comunicação existentes hoje.

Ter uma foto dele na carteira abria portas no exterior e até hoje ele não precisa mostrar passaporte em aeroporto.

Vai ser difícil achar alguma imagem dele negando autógrafo, tendo impaciência com multidões ou dando respostas atravessadas.

Tudo isso contribui para manutenção de sua imagem até hoje.

Com o ex-presidente Barack Obama

ATLETA DO SÉCULO

Esse título lhe foi oferecido por diversas entidades, inclusive pelo Comitê Olímpico Internacional, embora ele nunca tenha disputado uma Olimpíada.

Segue compilação de alguns títulos e homenagens que recebeu:

#Title of “Sir”, Honorary Knight of the British, awarded by the Queen Elizabeth II 1997

#Athlete of the Century, announced by the International Olympic Committee 1999

#Athlete of the Century, awarded by Reuters News Agency 1999

#Athlete of the Century, by DuPont Group world-wide survey 1996

#Athlete of the Century, French daily L’Equipe – World Wide Journalist 1981

#Professional Who Transformed Football, by Sports Illustrated magazine 1999

#Top Footballer of the Century, UNICEF, in Viena, Austria 1999

Estatueta oferecida pela revista francesa L’Equipe como Atleta do Século

#Football Sword of Honour, by the English Football Almanac 1966

#Cavalier of the French Legion of Honour, given by the French government 1963

#The Red Medal of Paris, by the Municipality of the French capital 1971

#Diploma of Merit as Citizen of the World, awarded by ONU 1999

#Honorary Citizen of Los Angeles, New York, New Jersey, Santos, Guadalajara

#Statue in India, inaugurated in Durgapur, Bengal State (1983)

#Order of the Cross of the Republic of Hungary, the highest Hungarian honour 1994

#Member of the Hall of Fame, city of Oneonta, New York

#Human Rights Medal – awarded by the Jewish B’nai for his work against racial discrimination 1995

#Pele Day, officially instituted by the Municipality of Santos

#Football Player of the Century, FIFA 1999

#King Pele Stadium, inaugurated in Maceio, Alagoas 1970

#King Pele Stadium in Tres Coracoes, presence or King from Sweden, Chile e Mexico ambassadors

#Medal of the Order of Champions Catholic Youth Organization, in New York 1978

NÚMEROS

Virou moda jornalista brasileiro copiar estrangeiros e encampar a ideia de que só valem gols marcados em partidas oficiais, quando a própria Fifa reconhece (e isso está no vídeo onde ela lhe concedeu uma Bola de Ouro) que ele fez 1.281 gols no total, e é isso o que deve prevalecer.

(VÍDEO NO YOUTUBE PODE SER VISTO POR AQUI)

Essa tese nasceu em abril de 2013, quando a revista argentina El Gráfico fez uma recontagem de gols, contabilizando apenas gols oficiais (não valeu jogos amistosos de clubes, partidas amistosas de seleções contra clubes, jogos de pré-temporada, duelos que não envolvessem o elenco profissional, torneios de verão e nem gols no exército). Também não foram considerados, segundo a revista, gols marcados em seleções de base, embora ele nunca tenha jogado na base do Santos ou da Seleção Brasileira.

Por esta contagem, Pelé teria realizado 812 partidas oficiais, nas quais assinalou 757 gols (a média continuaria sendo de 0,93 gols por jogo), e seria o terceiro maior artilheiro de todos os tempos, atrás de Josef Bican, atacante da antiga Tchecoslováquia, com 761 gols, e de Romário, com 762 tentos (até Romário acha graça quando dizem isso).

Jornalistas da mídia esportiva brasileira estão endossando a tese argentina em vez de se submeterem à realidade, quando se referem apenas a jogos oficiais.  Ele marcou 1.281 gols na carreira, sendo 95 pela Seleção Brasileira e não somente 77 como se tem repetido.

Não importa se ele marcou em jogos oficiais ou amistosos. Todos os gols devem ser computados e discriminados.

Primeiro, porque a realidade dos anos 60 era muito diferente da de hoje e as excursões do Santos duravam de dois a três meses viajando por vários continentes. E as vítimas eram Barcelona, Milan, Inter, Borussia Dortmund, Hannover e tantos outros desse nível ou aquém.

Segundo, porque será difícil explicar a quem pagou ingresso em partida não oficial que ele viu um jogo fantasma, pois não se reconhece que ele existiu.

Terceiro, deve-se atribuir a quem os 525 gols restantes – ao Espírito Santo?

Na Wikipedia, o quadro de gols marcados por ele é o seguinte:

Jogos oficiais: 812 jogos – 757 gols

Jogos não oficiais: 551 jogos – 525 gols

Total jogos: 1.363 partidas – 1.282 gols (ela atribui um a mais).

Essa página da Wikipedia é a mais completa sobre os números reais da atividade do jogador de 1956 a 1997. Vale a pena conhecer.

De acordo com a International Federation of Football History and Statistics (IFFHS), Pelé marcou em sua carreira 1.281 gols em 1.363 partidas, incluindo amistosos e excursões.

https://www.iffhs.com/legends/2

A IFFHS foi fundada em 1984 em Leipzig (Alemanha) e hoje está registrada em Zurique (Suíça). É a mais respeitada instituição de estatísticas ligadas ao futebol, além da FIFA.

E também está listado no Guiness World Record como Pelé sendo o jogador que mais fez gols na história do futebol.

https://www.guinnessworldrecords.com/world-records/most-career-goals-(football)

BOLA DE OURO

Em 2015, quando fez 60 anos, a revista France Football reviu todos os seus prêmios anteriores com base nas regras atuais e reconheceu: Pelé teria sete Bolas de Ouro.

Na lista revisada, lançada pela France Football em 2016, o maior vencedor do prêmio era Pelé, com sete títulos de melhor do mundo (1958, 1959, 1960, 1961, 1963, 1964 e 1970). Messi se igualou ao brasileiro em 2021. Ele recebeu Bola de Ouro em 2009, 2010, 2011, 2012, 2015, 2019 e 2021.

Pelé teria recebido o prêmio nas idades de 18, 19, 20, 21, 23, 24 e 30 anos.

Messi recebeu com 22, 23, 24, 25, 28, 32 e 34 anos.

Messi fez sua estreia aos 17 anos em outubro de 2004, pelo Barcelona, e demorou cinco anos para ganhar esse prêmio.

Pelé estreou com 15 anos em setembro de 1956, pelo Santos, e demorou dois anos para merecer sua primeira Bola de Ouro.

A carreira de Pelé durou 21 anos (18 pelo Santos e três pelo Cosmos).

A de Messi já dura 28.

Diferentemente do que fez El Gráfico em 2013, tentando diminuir os feitos de Pelé, nada dos méritos de Messi deve ser retirado, pois sua genialidade merece ser reconhecida.

Mas cada um no seu lugar.

EPÍLOGO

Resolvi fazer esse artigo porque hoje Pelé completou 82 anos e sua saúde não está boa.

Nos anos 60 você tinha duas alternativas – quem ia ao estádio, via; que não ia, só ouvia.

Eu vi, pessoalmente, o que aconteceu nos campos durante aquele período auge em que ele fez jus a todas as Bolas de Ouro.

Se há um brasileiro que merece reconhecimento eterno, é ele.

Para aqueles que só se lembram do caso da filha quando se cita o nome dele, deixo a frase bíblica que não pode ser esquecida: quem nunca pecou que atire a primeira pedra.

Porque não há ninguém imaculado.

*É Editor-Chefe de VALOR CULTURAL/Marketing Cultural e Perfil de Patrocinadores, que têm entre seus propósitos dar visibilidade a bons projetos ou ações, valorizar empresas que praticam patrocínios conscientes e apontar aquelas que fingem ser o que não são no campo da Responsabilidade Social.

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