Gerente da Shell Revela Por Que Empresa Aplicou 70 Milhões em Patrocínio

Eduardo Martins*

O negócio da Shell é explorar petróleo e gás e desenvolvimento de energias renováveis. O nosso é mostrar como as empresas atuam no apoio à cultura, esporte e ações sociais e fazer com que sejam mais transparentes com o dinheiro público que utilizam. O que você vai ler agora é o Raio X e o diagnóstico de por que essa companhia se transformou, de um ano para outro, na segunda maior patrocinadora da cultura brasileira.

Assim, de repente, a Shell saltou de um investimento de R$ 13 milhões em patrocínio em 2021 para ser a segunda empresa individual que mais aplicou em cultura incentivada durante 2022. E só considerando a utilização da lei Rouanet, porque o investimento total somou R$ 70 milhões com apoio a projetos ligados também ao esporte. Só perdeu para a Vale.

A história e motivação que impulsionaram a empresa a seguir por esse caminho, e outras questões relevantes que podem servir de embasamento para a atuação de outras companhias, foram reveladas por Glauco Paiva, Gerente Executivo de Comunicação e Responsabilidade Social da Shell Brasil, em longa entrevista à Marketing Cultural/Valor Cultural, onde muitas perguntas foram feitas e todas respondidas.

E a principal foi: o que levou a empresa a alterar sua política e espalhar esse “tsunami” de patrocínio até ao ponto de quintuplicar sua aplicação em projetos culturais e esportivos durante 2022?

“Em 2020 e 2021 a gente aportou US$ 3 milhões em cultura e esporte. Em 2022 a gente viu que tinha apetite e fechou a verba em 14,7 milhões de dólares”, afirmou Glauco.

E que apetite! Entre os destaques na área de cultura estão a revitalização do acervo do Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, com investimento de R$ 5,7 milhões; a reforma do Armazém da Utopia (R$ 10 milhões), também no Rio; patrocínio à Cinemateca (R$ 4 milhões) e Pinacoteca (R$ 3,1 milhões), ambos em São Paulo, área estratégica para a companhia.

Em Minas Gerais, onde a Shell desenvolve projetos de energia solar, é a mais nova patrocinadora do Instituto Inhotim, com aporte de R$ 3,5 milhões. No Distrito Federal, o Complexo Cultural do Choro ganhou patrocínio exclusivo, de cerca de R$ 1 milhão. Já a exposição CowParade, realizada em 33 países, chegou ao Espírito Santo apresentada pela companhia, que está investindo R$ 2 milhões. Em Pernambuco, a Shell aplica mais de R$ 2,5 milhões na reforma do Portomídia.

No âmbito do esporte, cerca de R$ 15 milhões serão investidos em iniciativas voltadas, prioritariamente, para a inclusão e diversidade. Apresenta com exclusividade projetos como a Casa Rio Surf, Jogaremos Juntos e Urece Ippon nos Obstáculos, todos no Rio de Janeiro. Em São Paulo, a companhia tornou-se patrocinadora exclusiva da Escola de Tênis para Meninas e da iniciativa Elas no Futebol. No Espírito Santo, os projetos Atividades Físicas Adaptadas e Inclusão, ídolo Social e Esporte Paralímpico e Inclusão compõe a lista de investimentos esportivos. A companhia ainda aportará R$ 4,5 milhões no patrocínio ao circuito de surf Dream Tour, com etapas em diferentes regiões.

Grandes eventos também estão na lista como a Bienal Internacional do Livro no Rio de Janeiro (R$ 3 milhões), da Festa Literária das Periferias (R$ 2,5 milhões) e do Back 2 Black (mais de R$ 1 milhão), além do patrocínio ao Festival do Rio pelo segundo ano. No segmento de música clássica, houve incentivo ao Festival Sinfônico de Brasília, na temporada 2023 da Orquestra Parassinfônica de São Paulo, e no 11° Festival de Música Erudita do Espírito Santo.

Festival do Rio, um dos grandes eventos patrocinados pela empresa. (Divulgação).

Respondendo à pergunta principal, explicação de Glauco foi essa:

“A gente que ser uma empresa de Impacto Social Positivo, a gente quer gerar valor para provocar desenvolvimento social e econômico e isso nos dá um lastro estratégico para impulsionar algumas ações. Se for olhar a maior parte do investimento, seja voluntário ou projeto proprietário, e também os nossos patrocínios, com dinheiro bom ou incentivado, a gente sempre busca que o patrocínio tenha por trás um projeto social, uma ajuda, uma capacitação, um desenvolvimento da cidadania através do esporte”.

O que Glauco chama de “dinheiro bom” é o aporte direto a projetos proprietários da companhia, que não necessariamente envolvem cultura ou esporte (ver lista de projetos proprietários desenvolvidos pela companhia atualmente).

Pausa para reflexão

(Essa estranha utilização do termo “dinheiro bom” remeteu-me à lembrança de, muitos anos atrás, quando estava em uma fila no Sebrae e ouvi uma senhora impaciente dizer, referindo-se a outra fila, para idosos, que fluía mais rapidamente: “e para nós, os normais, quando vão liberar?”.

A associação Normais=Não idosos e Dinheiro Bom=Não Incentivado, saído do bolso da empresa, surge em momentos de inconsciência semântica, e seria injusto o vínculo ser interpretado intencionalmente. Mas deve haver uma expressão melhor para “dinheiro bom”).

POWER PROGRESS – Em 2022, com lei Rouanet, foram investidos R$ 54 milhões via Shell Brasil e mais R$ 4 milhões via Shell Energy. No cômputo geral, a marca de R$ 70 milhões foi ultrapassada, distribuídos por 32 projetos.

Até 2021, com a lei federal de incentivo, a empresa havia feito um aporte de R$ 5,5 milhões no plano anual do Museu do Amanhã durante 2018, e as únicas aplicações antes dessa foram R$ 3,5 milhões em 2011, envolvendo dança, peças teatrais comunitárias, difusão de acervo audiovisual, edição de livros, obra de referência e Música Erudita e Instrumental.

Qual foi o vetor responsável por esse novo olhar para a cultura brasileira e a consequente busca por projetos com retorno social envolvendo também esporte?

A origem veio de fora, da matriz, decorrente de uma estratégia global lançada em 2021 denominada Power Progress (traduzida pela expressão “Impulsionando o Progresso”), baseada em quatro pilares detalhados por Glauco durante a entrevista (acesse no final dessa matéria), sendo um deles pertinente ao assunto abordado aqui, que se chama “Impulsionar Vidas”.

Glauco, durante apresentação do Prêmio Shell de Teatro

“Vamos colocar a marca, vamos ter nossa contrapartida, mas a gente faz curadoria e seleciona projetos que, de fato, vão conversar com esse pilar Impulsionar Vidas e nos ajudar a provocar o impacto social positivo”, afirma Glauco.

No ano (e mês) em que a Shell completa 110 anos no Brasil, o Gerente Executivo se diz um apaixonado pela empresa e se mostra ainda mais apaixonado pelo cargo que ocupa. Seus olhos brilham quando se refere ao método que considera único entre as grandes companhias, quando reúne todos os proponentes patrocinados em um coffee break para buscarem sinergias entre si e “criarem algum barato de trabalho conjunto, onde vai sair uma soma atípica em que 1+1 não some dois, mas some três, quatro, cinco, seis, sete temas de geração de valor. O resultado, diz ele, é uma coisa linda de se ver.

Glauco não fugiu às perguntas sobre métodos e critérios de escolha, sobre prazo para recebimento de propostas e caminho para envio, sobre transparência e a provocações sobre as poucas escolhas socioculturais na lista de patrocínio com lei Rouanet.

Um mérito da Shell, que valorizamos muito, é a transparência que dá para as aplicações que utiliza em projetos culturais e esportivos. Por meio de sua página Sociedade e Meio Ambiente, visível em seu website, é possível saber quais foram as ações apoiadas, com um dado adicional não encontrado em outras empresas: o número do Pronac (Programa Nacional de Cultura), com o qual pode ser pesquisado no site do Ministério da Cultura todos os detalhes sobre o projeto, inclusive valor aplicado. Foi sugerido a Glauco que informasse o valor já no resumo dos projetos, o que ficou de estudar, mas falta também colocar o nome do proponente. Empresa disponibiliza também campo para encaminhamento de proposta, que também pesa a favor de méritos sobre transparência.

Já fizemos um Raio X completo sobre condutas e desejos da Vale, a maior patrocinadora brasileira.

Você vai saber agora por que a Shell se tornou a segunda e se pretende permanecer assim ou não.

ACESSE A ENTREVISTA POR AQUI

*É Editor-Chefe de VALOR CULTURAL/Marketing Cultural, que tem entre seus propósitos dar visibilidade a bons projetos ou ações, valorizar empresas que praticam patrocínios conscientes e apontar aquelas que fingem ser o que não são no campo da Responsabilidade Social.

LEIA TAMBÉM

Entenda Por Que a Vale Não Quer Ser Só Patrocinadora

Empresa de Banco de Dados Adota Cultura Por Impacto Positivo

CRÉDITO: A imagem da homepage é do Museu Nacional de Belas Artes, Galeria do Século XIX (Divulgação)

Shopping cart close
Pular para o conteúdo