“Vivemos uma nova era onde as engrenagens da economia são cada vez menos tangíveis, onde preferências se moldam a sucessivos choques e onde o ativismo estatal tem o potencial de modificar completamente estruturas produtivas previamente estabelecidas. O profissional criativo é essencial para navegar neste novo cenário, mapeando tendências, otimizando a experiência dos consumidores e promovendo uma maior sinergia entre inovação, desenvolvimento, produção, distribuição e consumo”.
Esse trecho faz parte do extenso e inestimável documento publicado neste mês pela Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) denominado Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil, referente ao período 2017-2020.
Por ele se sabe que, mesmo diante desse ambiente insalubre em que se vivia e ainda vivemos, em 2020 a Indústria Criativa empregou 935 mil pessoas, uma alta de 11,7% em relação a 2017. E, pasmem, naquele ano o PIB Criativo totalizou R$ 217,4 bilhões, valor comparável à produção total do setor de construção civil e superior à produção total do setor extrativista mineral. Sua participação no PIB do país cresceu de 2,61% para 2,91%.
O Mapeamento foi realizado com base em estatísticas oficiais do Ministério do Trabalho e Previdência. Ele analisa duas perspectivas do trabalho criativo: áreas de atuação dos profissionais criativos e o valor de produção gerado pelos estabelecimentos criativos – que não necessariamente empregam apenas trabalhadores criativos.
Entre os temas de artigos elaborados para o Mapeamento está Definições e Fronteiras da Economia Criativa, que apresenta uma discussão sobre o que é Economia Criativa. como as organizações se propuseram a entender o conceito? Como inserir as discussões alinhadas com este Mapeamento para o setor? Quais as interseções conceituais entre Indústria Criativa, Economia da Cultura e Economia do Conhecimento? Como esse debate pode auxiliar na elaboração de políticas e nas estratégias de negócio?
O estudo também cobre dados de postos formais de trabalho e remuneração em todos os municípios do Brasil. Neste ano o Mapeamento analisou mais detalhadamente a dinâmica da Indústria Criativa em cinco Estados (Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Amazonas e Rio Grande do Sul).
O Mapeamento da Indústria Criativa de 2022 analisa 13 segmentos da Indústria Criativa separados em quatro grandes Áreas Criativas: Consumo (Design, Arquitetura, Moda e Publicidade & Marketing), Mídias (Editorial e Audiovisual), Cultura (Patrimônio e Artes, Música, Artes Cênicas e Expressões Culturais) e Tecnologia (P&D, Bio tecnologia e TIC).
Duas óticas principais são discutidas: Ótica da Produção e Ótica do Mercado de Trabalho. Pela ótica da produção, é avaliada a riqueza total gerada pelos estabelecimentos criativos – que empregam tanto profissionais criativos quanto outros funcionários necessários para as suas operações. Pela ótica do mercado de trabalho, analisa-se todo o universo de profissionais criativos e sua remuneração, independente de atuarem diretamente na Indústria Criativa, na indústria clássica ou em outro ramo de atividade econômica.
Por ele é possível saber que as áreas de Mídia e Cultura sofreram bastante as consequências da pandemia de Covid-19, além de enfrentarem desafios institucionais ligados a novas legislações e políticas do governo brasileiro. A legislação trabalhista mais flexível, o impacto da tecnologia e as novas formas de consumo são fatores relevantes nos resultados de Mídia. Na área de Cultura, as mudanças na Lei Federal de Incentivo e o impedimento de eventos presenciais por conta da crise sanitária contribuíram para o resultado.
Consumo e Tecnologia cresceram de maneira significativa no período, com taxas de expansão de 20,0% e 12,8% entre 2017 e 2020, respectivamente. As duas áreas, por serem as maiores e representarem aproximadamente 85% dos empregos formais da Indústria Criativa, foram responsáveis pelo saldo positivo da Indústria Criativa como um todo.
Porém as áreas Cultura e Mídia, que representam os 15% de vínculos restantes, foram muito impactadas pela conjuntura do período e registraram fortes contrações, de -7,2% e -10,7%, respectivamente.
Pelo levantamento também se sabe que o rendimento médio do trabalhador criativo tem caído nos últimos anos (entre 2017 e 2020 essa queda foi de 10%, movimento também registrado no mercado de trabalho brasileiro como um todo). Ainda assim, os profissionais criativos são valorizados no mercado e registraram média salarial de R$ 6.926,00 em 2020, valor cerca de 24 vezes maior que a média salarial da economia brasileira.
IMPACTOS – Entre os temas está a questão da Propriedade Intelectual (PI). Em uma economia intensiva na venda de cópias e licenciamento de direitos autorais, são debatidas questões como o equilíbrio entre a proteção e o acesso, analisando o fato de que a Propriedade Intelectual pode estimular e eventualmente prejudicar a criatividade. O documento traz ainda elementos sobre a Digitalização e os Novos Modelos de Negócio envolvendo PI, incluindo dados e evidências que podem nortear Políticas Públicas sobre o assunto.
Apesar da resiliência observada nos dados agregados, o impacto da pandemia de Covid-19 sobre as diversas áreas da Indústria Criativa foi bastante heterogêneo. Segmentos dedicados às Artes (tal como espetáculos teatrais) e aqueles mais dependentes da interação física com o público (como, por exemplo, os ligados a bares e restaurantes) sofreram impactos consideráveis; por outro lado, áreas mais intensivas em tecnologia não foram tão afetadas e apresentaram, em alguns casos, avanços na comparação com 2019.
O principal destaque positivo da área de Consumo foi o segmento de Publicidade & Marketing, que representa mais da metade das vagas da área e expandiu 48,2%, entre 2017 e 2020 – maior avanço de vínculos formais dentre todos os 13 segmentos criativos, intensificando a tendência já observada no último Mapeamento da Indústria Criativa. Chama a atenção, também, a expansão significativa observada nesse segmento, mesmo durante o período de pandemia de Covid-19.
Por outro lado, o segmento de Moda é o único destaque negativo da área de Consumo. O número de vínculos formais mais associado a esse segmento apresenta tendência de queda há vários anos (-16,9% em relação a 2017), trajetória que foi acentuada durante a pandemia diante do isolamento social, das restrições para circulação de pessoas e organização de eventos. Em geral, vínculos associados a entretenimento ou a cadeias produtivas que dependem de exposição em eventos sofreram impacto considerável durante esse período. Além disso, já há alguns anos, a produção desse segmento tem se deslocado para países com custos mais competitivos, reduzindo o potencial produtivo local. Atividades como Joalheiros (-224%), Modelista de calçados (-19,1%) e roupas (-16,4%), Trabalhadores artesanais (-17,9%) e Desenhistas técnicos (-15,0%) registraram contração no número de trabalhadores.
A área de Tecnologia, que em 2020 respondia por 37,5% do total de vínculos criativos formais, expandiu 12,8% entre os anos de 2017 e 2020. Os três segmentos que compõem a área – Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), Biotecnologia e Pesquisa & Desenvolvimento – apresentaram crescimento nesse mesmo período (+18,5%, +22,7% e +6,4%, respectivamente). Além disso, foram também segmentos que sofreram pouco os impactos da pandemia de Covid-19.
A tendência global de digitalização e desenvolvimento de inovações tecnológicas, que promove maior competitividade para as empresas, já constitui um relevante vetor de crescimento econômico atualmente, mas ainda carrega um potencial ainda maior para o futuro. Nesse sentido, atividades de Bioengenheiro (+426,1%), Biomédico (+78,3%), Engenheiros da área de TIC (+26,4%), Gerentes de tecnologia da informação (+21,2%) e Programadores/Desenvolvedores (+15,8%) são exemplos de vínculos da área de Tecnologia que apresentaram crescimento robusto entre 2017 e 2020.
Dentre as quatro áreas que compõem a Indústria Criativa, Cultura foi a que mais sofreu as consequências das restrições impostas durante a pandemia. Somente na comparação entre 2019 e 2020, ela apresentou queda de -12%, com quedas observadas em todos os seus segmentos. Em geral os segmentos dessa área dependem diretamente da interação com o público e da promoção de eventos, não apenas para a divulgação, mas para a própria exibição do produto oferecido para o consumidor final. “Sob isolamento social e restrições à mobilidade, criou-se uma impossibilidade”, cita o documento.
A área contraiu -7,2% entre 2017 e 2020. Para esse mesmo período apenas Expressões Culturais – que também emprega um maior número de trabalhadores – registrou expansão, que ficou em 7,8%. Todos os demais segmentos acumularam contrações relevantes: Patrimônio e Artes (-20,6%), Música (-9,7%) e Artes Cênicas (-26,6%).
O levantamento identifica que “a emergência de novas tecnologias e a tendência de digitalização cada vez mais abrangente impactam diretamente os processos produtivos. Por um lado, esses processos têm se tornado cada vez mais eficientes e competitivos. Por outro, essa conjuntura tecnológica em constante transformação traz grande complexidade para os mercados, amplia as possibilidades de estratégias empresariais – em desenvolvimento, fabricação, distribuição e venda de produtos – e altera as preferências dos consumidores e os padrões de consumo”.
Por fim, o mapeamento mostra a importância do Soft Power e como o Brasil tem se aproveitado pouco desse mecanismo, que pode ser definido como “a habilidade de se conseguir o que se quer pela atração e não pela coerção ou pagamentos”.
Abaixo está o link para o arquivo completo do Levantamento, pois enxertamos aqui apenas um resumo que, mesmo longo, não faz jus à relevância dos dados revelados. Ao oferecer uma minuciosa fonte de informações, o Mapeamento da Indústria Criativa é um valioso instrumento para subsidiar a elaboração de políticas públicas mais específicas destinadas ao setor e para balizar estratégias para o crescimento dessa importante vertente de nossa economia.
Abaixo também está link para entrevista realizada com Leonardo Edde, vice-presidente da Firjan, que faz considerações importantes sobre a Indústria Criativa e esse levantamento.
*É Editor-Chefe de VALOR CULTURAL/Marketing Cultural e Perfil de Patrocinadores, que têm entre seus propósitos dar visibilidade a bons projetos ou ações, valorizar empresas que praticam patrocínios conscientes e apontar aquelas que fingem ser o que não são no campo da Responsabilidade Social.
ACESSE O MAPEAMENTO COMPLETO POR AQUI.
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Legenda para imagem da homepage: Biomimicry Shoes. Sapatos criados pelos designers Marieka Ratsma e Kostika Spaho (2011), inspirados em ossos de pássaros em 3D em filamento de nylon (Foto de Thomas von Schaik).