Coordenadora de Instituto voltado para educação explica os processos que levam a escolha de projetos por meio de votação popular.
Alguns fatores incentivaram a realização dessa matéria que, embora não aborde diretamente a cultura, se encaixa dentro do escopo de O Que é Valor Cultural, que não a enxerga apenas como expressão da arte e entretenimento. Valor Cultural vai além – é um campo de exame para o comportamento das empresas em relação à cultura de responsabilidade social, ambiental e de governança, que hoje se aglutinam sob a sigla ESG. Esse é o verdadeiro valor cultural que cada empresa deve cuidar atualmente e nosso olhar está diretamente voltado para o S dessa sigla.
Quando um projeto coloca entre seus objetivos fazer com que o aluno seja o próprio protagonista de seu aprendizado, nosso olhar do S pousou sobre ele. E verificou que processos, mais do que empurrão financeiro, como acontece na maioria dos casos, podem oferecer transparência, escolhas democráticas e, principalmente, amparo.
Inicialmente o que mais chamou a atenção foi o formato de escolha – por votação popular. O que poderia ser apenas a busca por cliques, revelou–se uma forma de estreitar relações com seu público ao dividir com ele a responsabilidade por definir quais seriam os cinco projetos escolhidos que, durante dois anos, estariam aptos a receber capacitações e acompanhamentos, contemplando comunicação, gestão, pessoas, comercial e social, e aporte financeiro no valor de R$ 200 mil cada.
O programa chama–se Educar Para Transformar e é realizado pelo Instituto MRV, cujo mantenedor é a MRV&CO, holding que agrega também a MRV Construtora.
Após votação popular, os cinco projetos vencedores da 8ª edição do chamamento público Educar para Transformar, foram: Educando e Transformando com a Horta (São José/SC), Escola Verde com Afeto (Salvador/BA), InteliGENTES (Maracanaú/CE), Juventude Code: Clube de Programação para jovens em situação de vulnerabilidade social (Recife/PE) e Trilha Tech: Letramento Digital para decodificar o mundo e reprogramar trajetórias (São Paulo/SP). Ver mais informações por aqui.
Nesta edição, o Educar para Transformar recebeu quase 300 inscrições de Organizações da Sociedade Civil (OSC) de todo o país que possuem iniciativas que impactem positivamente o ambiente escolar nos mais diversos contextos, promovendo a escola como comunidade de aprendizagem e fortalecendo as práticas pedagógicas dos professores por meio das Metodologias Ativas, que destaca o estudante como protagonista do seu próprio aprendizado. Diante disso, os cinco projetos vencedores propõem desenvolver suas atividades com os professores e os estudantes das redes públicas de ensino fundamental II e médio, que juntos identificarão problemas na escola ou comunidade, buscando desenvolver soluções que gerem transformações efetivas e que estimulem aprendizados e mudanças culturais.
Mais do que descrever, é melhor ouvir quem é responsável pela gestão desse programa. E fomos ouvir Blenda Costa Alves, Coordenadora do Instituto.

Além de detalhar os processos de gestão, Brenda indicou que o grupo MRV sustenta o Instituto com 1% do lucro da MRV&CO. Material distribuído à imprensa informa que, até 2020, as 7 edições passadas já tiveram 3.699 propostas inscritas, 46 projetos vencedores, 54 mil beneficiados diretamente e mais de R$ 3,2 milhões investidos. Vale ressaltar que diversas empresas estão usando esse argumento de utilizar 1% de seu lucro em projetos sociais, mas isso quase nunca corresponde à realidade. Em 2020, por exemplo, o lucro líquido da MRV&CO foi de R$ 550 milhões, e 1% corresponderia a R$ 5,5 milhões; relativo a apenas um ano, valor é, portanto, bem superior aos R$ 3,2 milhões investidos em sete anos**.
Mas vale ressaltar que o grupo não utiliza leis de incentivo, nem as da cultura, o que não deixa de ser um comportamento diferente, pois o mais comum é a companhia fazer aporte direto para ações de filantropia e utilizar incentivo fiscal para apoiar cultura. (ver matéria Dinheiro da Cultura e a Ótica da Sustentabilidade).
Feitas as ressalvas, recomendo a leitura da entrevista que Blenda nos concedeu. A educação precisa de incentivo e nossos professores mais ainda, pois são abnegados – como os médicos – que insistem em permanecer nessa estrada mal sinalizada, maltratada e desamparada, porque se agarram somente naquilo que os empurra: a vocação.
Além do que, bons projetos precisam ser valorizados. E é isso o que fazemos aqui.
Eduardo Martins – Fiquei curioso sobre esse processo de escolha por votação. Como ele funciona?
Blenda Costa – Sistema de votação funciona desde a primeira edição, desde 2016. Nós abrimos o Educar Para Transformar já com essa premissa: a sociedade tem que querer os projetos que a gente for apoiar. É muito importante pra gente nesse sentido. Abrimos a votação com um voto por pessoa, por um projeto na verdade. Com CPF pode votar apenas uma vez em cada projeto, e quem quiser votar nos 15 projetos que estiverem ativos ok, mas só pode votar uma vez por projeto. E depois a gente audita essa lista.
EM – E como funciona o programa?
BC – A cada edição a gente abre uma temática. Já é a segunda edição, das oito de nossa história, que a gente busca instituições sociais para trabalhar diretamente dentro das escolas. A gente entende que são dois atores que precisam dialogar cada vez mais. A gente abre com essa temática e esse ano foi muito voltado para a evasão escolar em razão da pandemia e gostaríamos de que esses projetos revivessem a escola, trouxessem energia para que os professores pudessem fazer os estudantes se enxergarem de novo nesse ambiente. Tem um vídeo onde eles contam porque esse projeto merece ser apoiado. Tem umas perguntas que a gente quer entender qual a comunidade em que essa escola está inserida, qual o perfil deles, um pouco da história da instituição e também como que a OSC pretende desenvolver a proposta
Esse ano a gente colocou mais um diferencial que é a OSC ensinar aos professores e estudantes a identificarem problemáticas da escola ou da própria comunidade, e tentar trazer uma solução. Tem inclusive um recurso, dentro do prêmio de 200 mil, para que os professores e alunos tirem essa ideia do papel e possam executar por essa OSC dentro da escola. Tudo pensando em colocar a escola viva novamente.
EM – Como é feita a seleção?
BC – Nós temos uma equipe multidisciplinar formada por voluntários, que nós capacitamos para fazer a primeira leitura, a primeira conferência da documentação. Em seguida passa por um crivo técnico do Instituto MRV, em paralelo passa pelo nosso compliance também e em seguida a gente faz uma entrevista com os projetos mais bem colocados e dessa entrevista é que nós tiramos quem vai para a votação popular. Então tem uma série de processos que nos faz escolher as melhores propostas possíveis.
EM – E dos projetos que se inscrevem, quantos escolhem para votação?
BC – Geralmente escolhemos o dobro de vencedores. Nesse ano foram cinco vencedores. Em geral escolhemos 10 ou 12 projetos para votação popular. Sempre o mínimo é o dobro.
EM – E quem vota?
BC – Qualquer pessoa que tenha acesso à Internet. Qualquer pessoa, de qualquer lugar do mundo pode votar. É uma parte que a gente fala muito com os proponentes, quando são notificados que já passaram para a fase de votação popular, que eles façam uma campanha mesmo com todas as pessoas que eles conheceram.
EM – E quantos votaram?
BC – 5.336 pessoas.
EM – Quais razões definiram as escolhas dos projetos?
BC – É muito difícil fazer essa seleção porque, assim como as cinco que venceram na votação popular, havia tantas outras que mereciam ir por esse processo: proximidade de propósito e potencial de impacto das propostas que tinham uma escalabilidade mais fácil, para que não fique só nessas escolas que eles escolheram apoiar agora, mas que possa passar para outras escolas também.
Então, toda vez que a gente escolhe esses projetos depois da lapidação de nossos voluntários, depois de entrevistas, depois de análises técnicas, a gente sempre busca o projeto que tenha possibilidade de escalar e ter vida própria depois de nosso apoio. Porque uma das coisas que a gente trabalha muito com os projetos vencedores é eles construírem espaços sozinhos. Inclusive a gente trabalha com auxílio e desenvolvimento de estratégias de produtos e serviços para que elas consigam gerar sua própria renda. A gente sempre busca o projeto com grau significativo, tanto em quantidade e qualidade e escalabilidade e também a questão de permanência depois; conseguir sobreviver sem nosso apoio ao término dos dois anos de edital.

EM – Esse modelo de gestão de vocês tem integração com a diretoria da MRV ou vocês têm a liberdade de tocar os projetos da forma que acharem conveniente?
BC – Sempre está muito interligado com nossa diretoria, até porque a diretoria do Instituto é também a diretoria da MRV; eles são nossos estatuários. Tem sempre relação muito próxima e apresentamos a eles quais são nossos propósitos enquanto Instituto e vemos se estão casando com o propósito da própria MRV. A gente tem autonomia, sim, para tocar dentro do Instituto, mas sempre pensando na marca que a gente representa.
EM – Dentro da MRV tem alguma área responsável pela responsabilidade social ou fica tudo com o Instituto?
BC – Dentro da MRV tem um departamento de Sustentabilidade e a gente dialoga muito. Muita coisa de interesse do Instituto também é do interesse da Sustentabilidade e vice–versa. Então tem muito esse diálogo entre as partes, apesar de sermos um Instituto do Grupo MRV.
EM – Me chamou a atenção no material de vocês a menção a Metodologias Ativas. O que são?
BC – São processos, em que o professor consegue transformar o ensino dele de uma forma onde o aluno seja o protagonista do conhecimento. Então é uma forma de o professor levar a mesma teoria que ele levaria para o aluno, talvez usando um quadro, uma lousa; é levar de forma diferente, fazendo com que o aluno seja o próprio protagonista de seu aprendizado. Um exemplo: temos projetos, não só da edição de agora, que ensinavam com a temática, por exemplo, olhando a sombra de prédios nas ruas. Então eles pediam aos alunos que fizessem uma fotografia daquela sombra e depois o professor ensinava a matemática com aquela imagem. É uma metodologia logicamente embasada tecnicamente na pedagogia, que faz com o que o professor leve o mesmo conhecimento de uma forma diferenciada e o aluno consiga ser o protagonista de seu aprendizado.
EM – E quais são as próximas iniciativas do Instituto?
BC– Queremos estudar o lançamento da nova edição da Educar Para Transformar, a nona, que seria um novo chamamento público ainda nesse ano. Vamos avaliar o cenário de como funcionará a retomada com a pandemia e temos também iniciativas de nosso outro pilar que é o Instituto Iungo, que é focado no desenvolvimento técnico nos professores das escolas públicas. Nós lançamos o Iungo em 2020, no início da pandemia, e foi um ganho muito grande pra gente, pois conseguimos dar suporte aos professores. Começamos por Minas e agora chegamos à Bahia, Amazonas, São Paulo, auxiliando a implantação do novo ensino médio.
EM – Esses investimentos são feitos diretamente pela MRV ou utilizam alguma lei de incentivo?
BC – Apenas MRV. 1% do lucro líquido da companhia é destinado anualmente ao Instituto. Desde 2016 conseguimos conquistar esse recurso e anualmente temos provado a importância dele.
EM – Que iniciativas você acha que um novo governo deveria adotar para que as coisas melhorem nessa área?
BC – Nós temos que cuidar dos que capacitam nossos futuros. Acredito que investimentos focados no desenvolvimento dos professores, dos nossos educadores, é fundamental para que a nossa educação consiga ter um salto significativo. Estou bastante confiante no novo ensino médio, onde os meninos vão ser direcionados por áreas, acho que vão ter um ganho gigantesco, mas se a gente não cuidar dos nossos educadores, acho muito difícil a gente evoluir. Com certeza uma política pública que deveria ser extremamente impulsionada é o desenvolvimento dos nossos educadores e desses brilhantes mestres que nós temos.
EM – Fale um pouco sobre você e suas experiências. Desde quando está no Instituto?
BC – Estou desde a fundação do Instituto. Fui a primeira colaboradora, já estou indo para o sétimo ano. Tenho mais de 9 anos nessa área, minha área é de assistência social, sou assistente social, depois me especializei em responsabilidade social e também em gestão de projetos. Acabei estudando organização de Terceiro Setor, uma graduação que me fez muito bem, me abriu a mente mais ainda, principalmente para o trabalho que a gente está executando no Educar e ultimamente fiz uma pós–graduação em gestão de negócios e inovação, saindo um pouquinho da minha área do Terceiro Setor para me ajudar ainda mais na gestão do Instituto. Desde que entrei sou responsável por toda a gestão, desde pessoas, comunicação, financeiro, então fui agregando um pouquinho de conhecimento técnico para me ajudar a tocar essa grande iniciativa da MRV. Meu trabalho é minha paixão.
*É Editor-Chefe de VALOR CULTURAL/Marketing Cultural e Perfil de Patrocinadores, que têm entre seus propósitos dar visibilidade a bons projetos, valorizar empresas que praticam patrocínios conscientes e apontar aquelas que fingem ser o que não são no campo da Responsabilidade Social.
** Dias após publicação dessa matéria, assessoria do Instituto esclareceu que em 2020 o repasse anual feito pelo Grupo MRV&CO foi de R$ 6,9 milhões (comprovado em documento enviado de Demonstrações Contábeis e Relatório do Auditor Independente) e que foram investidos em programas, projetos e parcerias, entre eles Educar para Transformar, Seu filho, Nosso Futuro, MRV Voluntários e Instituto Iungo. Afirmou ainda que, em 2021, o repasse foi de R$ 5,5 milhões, informação que constará em Relatório a ser publicado proximamente.
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