Gerente de Instituto Detalha Como Aplica a Teoria da Mudança

Eduardo Martins*

Quem tiver ligação mais atenta às atividades do 3º Setor, saberá do que se trata essa entrevista assim que fizermos menção à Teoria da Mudança, essa ferramenta de gestão cuja metodologia oferece a organizações sociais a possibilidade de criar um esquema visual sistêmico a fim de que possam planejar, medir possíveis impactos e sentir que mudanças serão necessárias para resolver um problema social ou ambiental.

Essa é a teoria, mas creio que ainda estava faltando na Internet quem desse detalhamentos práticos sobre como ela é aplicada e com resultados mensuráveis.

O que se vai ler aqui é a tentativa de colaborar com centenas de organizações sociais que podem subtrair dessa entrevista inspiração para que encontrem soluções criativas que lhes permitam desenvolver projetos com resultados.

Gabriel Cardoso tem autoridade para falar sobre esse assunto. Ele é Gerente Executivo do Instituto Sabin, onde chegou em outubro de 2020 após passar 12 anos na Academia pesquisando inovação social, empreendedorismo social, responsabilidade social corporativa. Tem livros publicados, é mestre em educação, especialista em economia brasileira para negócios e administração e, antes do Instituto, estava no Centro Universitário do Distrito Federal, conhecido como UDF, primeira instituição privada do Distrito Federal.

O Instituto Sabin é o braço social desse Grupo, um dos maiores players do Brasil em Medicina Diagnóstica e que atua em 64 cidades de 16 Estados e mais o DF, onde fica sua sede. Somente em 2020 aplicou R$ 4 milhões na área social, mais de R$ 231 milhões investidos em exames, atendido 28 instituições sociais, oferecido 17.800 exames gratuitos para comunidades e 4.036 pacientes beneficiados com exames. Pelo menos é o que consta em seu Relatório Anual de Atividades.

Mas todos esses movimentos não são aleatórios. Nesta entrevista Gabriel Cardoso demonstra, com profundidade, como aplica a Teoria da Mudança baseada em três eixos, que envolvem promoção da saúde, fortalecimento de ecossistemas e engajamento social.

Investimento em cultura não é o forte do Grupo Sabin. Já foi um apoiador constante do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, mas em 2020 aplicou somente R$ 25 mil com uso da lei Rouanet e R$ 250 mil em 2021 em uma exposição da qual foi patrocinadora única. É pouco para quem teve receita de R$ 1,2 bilhão em 2020.

Mas essa informação não se vai encontrar no site do grupo ou no Relatório do Instituto, porque evento cultural está longe de ser um alinhamento preferido – seu interesse está, mesmo, é no social. E para isso não utiliza dinheiro incentivado.

Em nosso Perfil de Patrocinadores é possível obter mais informações sobre o Grupo Sabin na área de cultura e também sua participação social.

Acompanhe abaixo a entrevista que Gabriel Cardoso concedeu a Valor Cultural. Quem quiser entender como se faz as coisas não deve perder.

VALOR CULTURAL – No material de vocês está escrito que “observamos e analisamos o cenário econômico, político e social do País, para ter a dimensão dos desafios que precisam ser superados e definir nossas prioridades, os públicos que queremos alcançar e como alcançá-los”. Que público é esse, o que fazem para alcançar esse público, quais ferramentas e técnicas adotadas?

GABRIEL CARDOSO – Nós, como Instituto, temos visão de futuro e visão de mudança. Então é preciso planejar essas etapas para chegar até essa mudança. E isso a gente faz com uma ferramenta chamada Teoria da Mudança, que parte da contextualização do nosso perfil nos territórios que atuamos, dos problemas principais que lá existem. Depois a gente faz um recorte do público-alvo que a gente quer atingir; depois a gente define quais são os nossos eixos estratégicos, quais são os principais assuntos que iremos priorizar, porque o Instituto não pode atuar em todas as causas. O Brasil, como se sabe, tem um monte de extratos sociais, e para chegar naquela visão de mudança do futuro é preciso priorizar algumas coisas e elas são priorizadas dentro desses eixos estratégicos. Para execução desses eixos estratégicos temos macroestratégias, que são várias.

Falamos sobre o público para falar sobre estratégias agora. A gente tem um alinhamento geográfico com nossa mantenedora, que é o Grupo Sabin, que é a empresa que mantém as atividades do Instituto por meio de investimento social privado. Então a gente vê onde nossa mantenedora está atuando enquanto empresa e ela indica em qual cidade devemos atuar – em Blumenau (SC), por exemplo. Então nossa equipe se estrutura para entender um pouco daquela comunidade de Blumenau que cerca a empresa e identificamos problemas diversos nesse trabalho. Então os públicos são, em primeiro lugar, o espaço-comunidade onde o Grupo Sabin atua de forma geral. Fazendo um recorte mais específico, a gente olha para pessoas em situações de vulnerabilidade. Fazendo recortes mais específicos ainda, a gente tem alguns subgrupos, por exemplo, mulheres – a causa das mulheres é muito cara para nós e a gente olha muito para mulheres em situação de vulnerabilidade. A gente olha também para crianças em situação de violência nessas comunidades onde estamos. E aí vamos ter vários recortes nesse planejamento.

Fiz esse preâmbulo para chegar na resposta do como, dentro desses eixos estratégicos, que são: Eixo1 – Promoção da saúde integrada e do bem-estar; Eixo 2 – Fortalecimento de ecossistemas e negócios de impacto; e Trecho 3 – Engajamento social e filantropia.

Para ficar mais claro, veja o organograma do Instituto para os focos de atuação.

Temos um portfólio com ações distintas, como programas de voluntariado corporativo, ações de repasse de recursos para organizações sociais, programas de fortalecimento e organizacional de organizações da sociedade civil, a gente tem doações, ações assistenciais e emergenciais e urgentes, como foi aquela questão do oxigênio em Manaus que tivemos um trabalho de mobilização de recurso e doação de equipamentos de segurança para a região. Financiamos estudos, mapeamento, no campo de impacto  – se você entrar no nosso site vai ver estudo que publicamos sobre o impacto da pandemia nas organizações da sociedade civil, em 2020.  Então sua pergunta depende da visão geral; como a gente atua vai depender do eixo estratégico que vai utilizar.

VC – Poderia explicar melhor o que enxergam como inovação social? E quais foram os problemas levantados nas comunidades onde o Sabin atua?

GC – Inovação social, que é um conceito que a gente usa, são novas soluções para problemas sociais. Dentro desses projetos e ações que nós temos recorrentemente durante o ano, estamos o tempo todo, por meio de parcerias, criando novos mecanismos de solução desses problemas. Vou dar um exemplo: a gente tem uma parceria com uma organização chamada SITAWI, que criou, e nós somos parceiro estratégico, uma plataforma em que você e eu podemos ser investidores de impacto, ou seja, regularmente ela seleciona organizações de impacto social e coloca naquela plataforma. E nós podemos investir em valor naquelas organizações, com taxas similares às taxas bancárias, e receber depois esse valor corrigido. O que a SITAWI faz é emprestar esse valor, e garantir logicamente a capacidade de pagamento da organização social ou investidor, pois todos nós somos micro investidores, a partir de 10 reais, de forma a garantir o funcionamento, garantir o impacto social dessa organização, que é uma organização de impacto social, e no final devolve o dinheiro para o investidor.

Gabriel está no Instituto desde outubro de 2020

E a outra pergunta: quais são os problemas e como a gente os identifica? Em todas as unidades que a gente trabalha têm os líderes de impacto, que são colaboradores da empresa que fazem trabalho voluntário para o Instituto. Eles nos trazem muitos desafios e as dores da comunidade e, nesse trabalho conjunto entre quem está no território e nós, que estamos aqui, a gente pensa nas soluções inovadoras.

VC – Você já abordou a Teoria de Mudança, mas gostaria de deixar mais claro para quem não conhece. A Teoria da Mudança é…..

GC – A Teoria da Mudança é uma ferramenta estratégica em que que a gente constrói, concretamente, o passo a passo, para uma mudança desejada, que a gente desenha. Então a gente faz um trabalho de observação, investigação, de ouvir, de construção até chegar nela. Aí a gente tem diagnóstico do problema, público impactado, eixos estratégicos, estratégias de ação, resultados esperados e visão de transformação lá no final. Então ela traz uma cadeia de causa e consequência que faz o diagnóstico presente, chegando até a nossa visão de futuro, a nossa visão de mudança.

VC – Entre as prioridades do primeiro eixo está: contribuir para ampliação de cobertura e acesso à saúde de populações vulneráveis; e disseminar conhecimento e promover saúde integral e formas de prevenção de doenças, por exemplo. Como é feito isso? Como se dá a ampliação de cobertura e acesso à saúde de populações vulneráveis? E de que forma será disseminado o conhecimento e promoção da saúde integral e prevenção de doenças?

GC – Vamos falar sobre o eixo 1, onde temos um programa chamado Cuidando da Comunidade, por onde a gente doa exames para pessoas em situação de vulnerabilidade. Temos uma rede de Organizações da Sociedade Civil que participam de movimentos de desenvolvimento institucional e organizacional, para que sejam capazes de gerar mais impacto nas suas regiões. Elas têm públicos beneficiários, então esses públicos dessas organizações podem solicitar a nós gratuidade de exame. A gente analisa e, se preencher todos os requisitos, a gente doa. Não só isso, a gente faz esse programa em cidades específicas; já fizemos parceria com o Fundo Amazonas Sustentável, na comunidade de Reusa (N.da R: Reusa é nome do projeto sustentável desenvolvido numa comunidade de periferia do bairro Redenção, na Zona Centro-Oeste de Manaus), fizemos também em Araxá uma parceria com a Prefeitura e Secretaria de Saúde com a ação Novembro Azul, doando vários exames e a Secretaria encaminhava para os pacientes e para os hospitais de acordo com os resultados de nossos exames; a gente também fez uma parceria com Horas da Vida, em que a gente oferece para essas mesmas organizações que fazem parte da nossa rede, um ciclo de cuidado completo incluindo consulta de telemedicina, exame e faz a consulta de retorno do paciente, tudo financiado por nós.

VC – Fale um pouco sobre o Eixo 2. 

GC – Vou dar um exemplo concreto do Eixo 2, onde nós temos o Saúde Mais, que é o programa que faz esse desenvolvimento institucional e de organização de Organizações da Sociedade Civil. Então a gente seleciona organizações das regiões onde a gente atua, das mais diversas causas, que trabalham com pessoas com deficiência, saúde, educação, e aí a gente atua no desenvolvimento dessa organização. Temos trilhas que trabalham capacidades gerenciais dos empreendedores sociais, a gente tem trilhas que trabalham com capacidade de liderança, mobilização de recursos, criamos uma comunidade de empreendedores sociais – que a gente chama – que tem uma programação extensa; tem uma jornada de inovação social, que a gente abre e eles podem cadastrar projeto dessas organizações para que passem por um período de aceleração e ganhem um valor que possa tirar esse projeto do papel . Então esse é o programa Saúde Mais, que trabalha justamente no eixo 2.

Revitalização da Ludoteca, em Planaltina (GO)

No eixo 3, que é produção e disseminação de conhecimento, a gente vai financiar estudos, pesquisas e mapeamento no campo de impacto social. No ano passado a gente financiou o Mapa de Negócios de Impacto Socioambiental do Brasil, que é feito pela Pipe, e nós somos um dos cofinanciadores desse mapeamento, pois a gente tem investimento nessa área. A gente patrocina também alguns eventos de impacto socioambiental – no ano passado patrocinamos o Fórum Brasileiro de Impacto Coletivo, o Festival Social Good Brasil, e dentro do eixo 3, além de fazer esse mapeamento, a gente tem também o nosso veículo, que é uma plataforma chamada Inova Social, que é um site e um podcast que só publica sobre inovação social.

VC – Como vocês firmam suas parcerias?

GC – O 3º setor tem um espírito muito colaborativo, é um pouco diferente do 2º setor, que tem um espírito mais competitivo. Então a gente entende que para chegar mais longe a gente precisa colaborar. Não que seja fácil, mas essa é uma percepção não do Instituto, mas do 3º Setor. Então a gente constrói muita coisa em conjunto, tanto do 1º, por exemplo, a Ludoteca, que é um dos programas que a gente faz, sempre em parceria com algum agente da Secretaria de Segurança, do Judiciário ou da Saúde. A gente faz parceria com o 2º Setor, com empresas, então muitas vezes você tem empresas que estão fazendo atuação social, faz parceria com outros Institutos e Fundações, e o PAIS, Programa de Aceleração de Impacto Social, que é um programa de filantropia colaborativa que fazemos em conjunto com outros três institutos aqui de Brasília: o Instituto BRB, Sicoob e Bancobras. É assim que a gente pensa parcerias em rede.

VC Fale um pouco sobre a diferença entre filantropia tradicional e filantropia estratégica.

GC – A filantropia tradicional tem um olhar mais de curto prazo, de ações que olham para o atendimento imediato de emergências e urgências ou atendimento assistencial de situações específicas. A filantropia estratégica trabalha mais no médio e no longo prazo, então ela pensa muitas vezes em ações onde o investimento vai se desdobrar em algo mais sustentável socialmente falando. Por exemplo: em vez de eu doar 10 mil reais de cesta básica para uma organização, eu invisto 10 mil reais nos empreendedores sociais que lideram aquela organização. Porque eu entendo que eles terão capacidade de resolver muitos problemas, durante muitos anos, mais do que 10 mil em investimento. A gente não escolhe uma ou outra filantropia, a gente adota as duas dentro de nossa Teoria da Mudança. A gente sabe que muitas vezes a gente tem ações emergenciais de curto prazo e outras vezes não adianta só ficar pensando no curto prazo; tem que olhar para ações mais estruturais, mais estratégicas, que vão gerar impacto social no médio e longo prazo.

*É Editor-Chefe de VALOR CULTURAL/Marketing Cultural Perfil de Patrocinadores, que têm entre seus propósitos dar visibilidade a bons projetos ou ações, valorizar empresas que praticam patrocínios conscientes e apontar aquelas que fingem ser o que não são no campo da Responsabilidade Social.

A imagem da homepage é de Stefan Stenfacik

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