Patrocinadores X Agências Captadoras. Entenda Como a Relação Funciona

Eduardo Martins*

 

Esta é a última de uma Série de quatro matérias abordando a relação entre agências captadoras de recursos para projetos culturais e empresas patrocinadoras e que, pelo volume de informações obtidas, será dividida em 3 episódios. Sua origem está nas normas legais inseridas pelo Ministério da Cultura alertando para possíveis vantagens financeiras indevidas obtidas por patrocinadores. Série é composta por entrevista com representante da ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos), do Ministério da Cultura, proponentes e captadores de recursos avulsos e, por último, agências captadoras e empresas.

O cenário principal foi desenhado pela representante da ABCR (Associação Brasileira de Captação de Recursos), Daniele Torres; pelo Secretário da Economia Criativa e Fomento Cultural do Ministério da Cultura, Henilton Menezes, e pela produtora e captadora de recursos do Nordeste, Beatriz Gurgel.

Esses foram os personagens das três primeiras matérias da série desenvolvida pela Marketing Cultural/Valor Cultural sobre a relação profissional entre agências captadoras de patrocínio e empresas patrocinadoras. Motivo: suspeitas de vantagens indevidas obtidas por empresas que, conscientes ou não, ignoram a ética e transparência no trato da coisa pública, valores intrínsecos necessários a qualquer corporação – seja grande ou pequena.

Essas suspeitas levaram o Ministério da Cultura a reforçar algo que já constava no Artigo 23 da lei Rouanet, publicada em 1991: “Constitui infração a esta Lei o recebimento, pelo patrocinador, de qualquer vantagem financeira ou material em decorrência do patrocínio que efetuar”.

Mas, após tantas denúncias, o Ministério considerou necessário deixar explícito esse alerta e inseriu dois artigos na Instrução Normativa nº 1 que publicou em abril desse ano:

Art. 10, §3º:

“A remuneração pela captação de recursos é exclusiva para prestação de serviço diretamente ao proponente, sendo vedada a remuneração de serviços prestados diretamente ao incentivador”.

Art. 21. É vedada a realização de despesas:

Inciso VI – Para pagamento por serviços de consultoria, assessoria técnica ou avaliação de projetos prestados diretamente aos patrocinadores.

Por que isso? Porque o MinC soube que algumas agências também estavam cobrando do proponente o serviço pela captação com recursos incentivados e que empresas  fechavam contratos com agências sem pagar nada a elas em troca da indicação de projetos para análise. O lucro da agência vinha da porcentagem por esse trabalho inserida no orçamento do projeto aprovado pelo Ministério.

Alertas nesse sentido já estavam sendo feitos pela ABCR (Associação Brasileira de Captação de Recursos), como disse em entrevista a representante da Associação, Daniele Torres:

É uma luta da ABCR já há alguns anos, com alertas, com comunicados, inclusive enviados para empresas patrocinadoras, para agências que faziam esse tipo de trabalho, para deixar bem claro, mas isso virou meio que um filão do mercado, né? Então, quem tinha acesso a grandes empresas começou a oferecer esse tipo de serviço. Olha que curioso, né, Eduardo, as empresas não acharem estranho alguém oferecer um serviço de graça, sem ela ter que pagar nada, já que o dinheiro veio do projeto?”.

Declaração foi dada na primeira matéria que publicamos sobre esse assunto, e pode ser lida em link no final desse texto.

O Secretário Henilton Menezes, reforçou a ideia de que agora está tudo mais claro:

“É por isso que a gente quis colocar na Instrução Normativa muito claro, pois o próprio patrocinador não sabe que ele não poderia fazer isso e não sabe que tá recebendo uma vantagem indevida. Porque tem captador que vende esse serviço para o empresário e eu já soube de vários casos que é exatamente isso. Eu vou no empresário e digo, olha, você me contrata para fazer a seleção dos seus projetos e você não precisa pagar nada não; eu vou receber dos proponentes. Às vezes o empresário acha que isso é lícito. Agora nós estamos dizendo claramente que contratação de serviço para o empresário tem que ser pago pelo empresário.”.

FUNCIONOU? – Mas será que essas normas regularam o que estava ocorrendo no mercado? Os personagens ouvidos nas três primeiras matérias dessa série creem que sim, embora com algumas ressalvas, especialmente de Daniele Torres. Beatriz Gurgel foi mais contundente e denunciando que essas más práticas se estenderam também para a ala social dos projetos incentivados. “Estamos falando sobre corrupção”, ela disse.

Durante quase três meses a Marketing Cultural visitou sites de empresas e agências, enviou questionários por e-mail e conversou com alguns envolvidos por telefone. O resultado mostrou que há quem preza pelo modelo correto, a que mudou o rumo da coisa mal feita, aquelas que persistem em um modelo viciado e o comportamento de algumas empresas patrocinadoras que levantam o escudo da omissão para não revelarem possíveis pecados.

Mas o levantamento feito pela Marketing Cultural revelou que o modelo predominante entre as agências captadoras de recursos pouco se alterou de abril para cá.

O que, talvez, o redator da lei não tenha compreendido corretamente o que ocorre no mercado é que, na maioria dos casos, a empresa nem precisa contratar alguém para prospectar projetos – as próprias agências se oferecem para fazer esse serviço e dizem: “não precisa nos pagar nada. Receberemos a porcentagem de captação do proponente”.

Pode-se alegar que não houve contratação formal por parte da empresa e, portanto, a Instrução Normativa não a atinge, mas o espírito da lei está ferido. O triste da história é que elas, muitas, e grandes, acham normal esse comportamento e continuam utilizando essa prática de “receber de bandeja” – acreditam que se livram da legislação porque não há firma firmada. “Shame on you”, diria um observador americano.

Daniele Torres viu essa brecha na relação e não a considera ética, mas a brecha está aberta no próprio texto dos artigos da Instrução Normativa – ele quis estancar o pagamento indevido com dinheiro incentivado, mas a conduta de patrocinadores não pagarem nada para quem lhes encaminha projetos continua sendo majoritária.

O que se observou também, claramente, é que se criou o que se pode qualificar como uma espécie de “monopólio” por parte de algumas agências. Poucas passaram a dominar esse “filão” e quem não cadastrar seu projeto em uma de suas plataformas dificilmente chegará ao patrocinador.

Ouvimos diversos relatos de proponente enviar proposta a um patrocinador e receber a resposta positiva juntamente com o pedido para que ele a endereçasse para a agência que o atende.

E várias situações decorrem desse movimento, entre elas:

  1. O proponente já tem o ok do patrocinador e se ele firmasse o contrato diretamente poderia ficar com os 10% de captação para si. Mas, quando ele é direcionado para a plataforma da agência, essa porcentagem ficará com ela, sem que tenha feito nenhum esforço para isso.

Situação parecida ocorre bastante no submundo do futebol. Empresário ligado a determinado clube liga para um treinador, por exemplo, e diz: “tal clube quer lhe contratar, mas você precisa me passar uma procuração e me repassar X por cento”. Empresário receberá do clube também e, em alguns casos, alguém do clube participará do “bolo”. Se a transação fosse direta entre clube e treinador tudo seria mais transparente.

Não é possível afirmar que essa relação promíscua exista entre empresas e agências, porque seriam necessárias provas para isso. Mas as próprias empresas deixam um caminho aberto para a imaginação.

  1. Você é um captador de recurso e tem em mãos um projeto interessante, que sabe ter tudo a ver com determinado patrocinador. Mas quando alguém da empresa gosta do projeto e o direciona para determinada plataforma de agência, acontece o conflito. Ela quer ficar com o dinheiro da captação, mas foi você quem prospectou o projeto – você quer ficar com a porcentagem, mas ela não abre mão. Ou aceita ou ela não encaminha para o patrocinador. E raramente concorda em pelo menos dividir o valor, já que está com a faca, o queijo, o prato e tudo o mais que conta na palma da mão. Como sair dessa?

Em geral é o proponente que sai prejudicado. Ele está sem opção de tratar diretamente com o patrocinador e terá, obrigatoriamente, de abrir mão do valor de captação. Se ele quiser utilizar os serviços de um captador de sua confiança, esse captador vai esbarrar no quadro descrito no cenário 2. Se não aceitar os termos da agência, ficará sem o patrocínio.  

EXCEÇÕES – Como disse o secretário da Economia Criativa e Fomento Cultural do MinC, Henilton Menezes”, na segunda matéria dessa série, “as grandes empresas, que tem essa estrutura melhor, como a Vale, Itaú, essas empresas grandes, Petrobras, que são grandes patrocinadores, eles não entram nessa”.

É verdade, as empresas citadas têm estrutura própria, publicam editais e ressalvam possuir verba para outras escolhas, mas proporcionam ao proponente um caminho para envio de propostas. Elas possuem analistas próprios, publicam o resultado do edital, mas, invariavelmente, pecam ao não tornarem públicas as escolhas feitas à sua margem. Afinal, o dinheiro é público; o que fazem com ele também deveria ser.

Mas são poucas que agem assim quando se analisa o universo do patrocínio. Quem entrar na plataforma de algumas agências, verá o logotipo da marca de dezenas de companhias dispostas a utilizar seus serviços para receberem projetos.

Algumas se declaram abertamente, como já ocorreu em algumas entrevistas que fizemos. Mas são raras – a maioria se esconde no silêncio constrangedor que compromete a transparência de suas escolhas. 

Essa é a quarta matéria prometida pela série, mas com tantas informações sobre o comportamento de agências e de patrocinadores, resolvemos dividir esse texto em 3 episódios:

  • Introdução ao universo da relação (que é este).
  • Sobre o comportamento de diversas agências consultadas;
  • Quais empresas utilizam agências (e as que não usam), que transparência dão às suas escolhas, quanto utilizam com lei federal de incentivo e a quem patrocinam.

Os outros dois episódios serão publicados dentro dos próximos dias.

Para quem ainda não leu, seguem abaixo os links das três primeiras matérias dessa série.

Agências de Captação X Empresas Patrocinadoras. Há Sinais de Alerta Nessa Relação (Parte I)

Agências Captadoras X Patrocinadores: Ministério da Cultura Diz o Que Pensa Dessa Relação (Parte II)

Agências X Empresas. Não é Só na Cultura. Relação Estranha Avança Também no Social e Esporte (Parte III)

*É Editor-Chefe de VALOR CULTURAL/Marketing Cultural, que têm entre seus propósitos dar visibilidade a bons projetos ou ações, valorizar empresas que praticam patrocínios conscientes e apontar aquelas que fingem ser o que não são no campo da Responsabilidade Social.

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