(Este artigo foi publicado originalmente em 28 de abril de 2021)
Devo começar esse artigo com uma confissão – não sou admirador da propaganda que nossas agências de publicidade produzem, especialmente a audiovisual. Um amigo inglês perguntou-me certa vez: por que a maioria dos anúncios no Brasil tem sempre uma piada no meio, no começo ou no fim? As pessoas podem se lembrar da piada, mas se lembrarão da marca ou do produto anunciado?
Esse é um dos aspectos que sempre me incomoda – nossos criadores acham que uma situação engraçada gera simpatia entre os consumidores e dá-lhe gente interagindo com vaca e outras tantas aberrações.
Às vezes não entendo como grandes marcas autorizam peças que podem ser tudo, menos vendedoras. Mas se falham na forma, na comunicação pode ser pior porque em muitas delas a péssima dicção dos atores não permite compreender o que foi falado, defeito constante também em nossas novelas. Por que diretores de anúncios, novelas, filmes e gravações de música dão tão pouca importância para a dicção? Nunca consegui resposta para isso.
Mas estou escrevendo esse artigo porque recebi um informativo da Kantar sobre os 20 anúncios mais criativos divulgados em 2020, escolhidos por voto popular (ver lista mais abaixo). E o resultado pode ilustrar bem o que penso sobre propaganda, seja de que marca for e de que localidade for – mundial, nacional ou daquele pequeno bairro da Zona Leste.
Lembro-me de em Brasília, há muitos anos, ter visto na TV um ponto de táxi que se vendia numa propaganda onde um fusquinha desenhado se mostrava feliz quando soava o triiiiim de telefone e uma voz feminina atendia dizendo 321-8181 e isso se repetia várias vezes, 321-8181, 321-8181, com uma musiquinha agradável ao fundo enquanto o desenho corria em direção ao passageiro como um personagem do filme Se Meu Fusca Falasse. Anúncio quase tosco, de baixo custo, mas que grudava na mente e sempre que se pensava em pedir táxi o número já estava registrado na cabeça: 321-8181.
Mais do que comunicação eficiente, atingindo plenamente o objetivo principal da propaganda, que é vender, aquele anúncio gerava empatia. Quando se consegue atingir esse estágio duplo, a comunicação será perfeita. A propaganda brasileira já produziu diversos exemplos assim – o primeiro sutiã da Valisère, Boko Moko do Guaraná Antarctica, os bichinhos de pelúcia da Parmalat e mesmo do Posto Ipiranga, que conseguiu passar a ideia de lugar onde se acha quase tudo, mas que foi trocado por uma peça incompreensível, poluída, tentando vender ideia difícil de compreender frente a tantas informações que induzem o espectador a uma viagem fatal quando se trata de publicidade: a de divagar durante sua exibição.
ALÉM DO MANUAL – Quem tirou o primeiro lugar na pesquisa da Kantar foi um espetacular anúncio da Heineken chamado Cheers to all, produzido pela Publicis americana. Ele tem tudo o que deve se levar em conta nesses tempos de grande competição para se destacar na TV ou mídias sociais. E o anúncio da Heineken, para isso, foi além do manual.
Ele conseguiu unir na mesma peça criatividade, empatia, empoderamento feminino, causa, trilha sonora cativante e o elo que amarrou tudo foi a atenção subliminar dirigida para a marca e o mote: “você não é meu dono”.
O que certamente deve ter levado os consumidores a votarem nessa peça, acima de todos os outros atributos já descritos, foi a causa. Ela reflete o momento de liberação feminina, onde aquelas mulheres comunicam que têm direito a escolher o que quiserem tomar, o que quiserem comer, porque são jovens, adoram ser jovens, e mandam recado direto aos homens: você não é meu dono. (E no meio há outro recado: homens bebem coquetel também).
Veja o anúncio campeão, e para aqueles que não sabem inglês (que é a maioria da população do Brasil, algo esquecido pelo pessoal de publicidade e marketing), transcrevo a tradução da letra, que está longe de ser um portento de criação, mas transmite perfeitamente a mensagem.
Eu não lhe digo o que deve dizer Eu não lhe digo o que deve fazer Só deixe-me ser eu mesma Isso é tudo o que lhe peço Sou jovem E adoro ser jovem Sou livre e adoro ser livre Para viver minha vida do jeito que eu quero Para dizer e fazer o que quiser Sou jovem E adoro ser jovem Sou livre E adoro ser livre Para viver minha vida do jeito que eu quero Para dizer e fazer o que quiser Oh! Você não me possui Você não me possui Sou jovem e adoro ser jovem Você não me possui
SEGREDO – A Heineken ocupa hoje o segundo posto de cerveja mais vendida no mundo, segundo levantamento da consultoria internacional Brand Finance, e deve isso, em grande parte, aos anúncios que suas agências fabricam e ao patrocínio da Champions League, que lhe dá visibilidade mundial.
Essa peça, por exemplo, chamada The Wait (a espera) aborda o período da pandemia e as situações que as pessoas criaram para passar o tempo enquanto aquela competição de futebol não recomeçava. Veja:
O segredo do sucesso das propagandas da empresa está na escolha das causas e na comunicação geradora de empatia. Há diversos exemplares com esses conceitos, como o reproduzido abaixo chamado Nightlife lives on (a vida noturna continua), onde elementos como paquera, cotidiano, amizade são exibidos sob trilha sonora com a cantora Vera Lynn interpretando mítica canção inglesa chamada We’ll meet again, que fez sucesso durante a 2ª. Guerra Mundial ao dar esperança aos soldados afirmando que “nos encontraremos novamente em algum dia ensolarado”. (Veja mais detalhes sobre essa música no final do artigo).
Outro aspecto importante em publicidade é misturar empatia com a clareza dos benefícios que o produto oferece. Esses dois pontos foram muito bem explorados pelo anúncio da alemã Bosch para vender sua régua de medição Atino e que lhe valeram a segunda colocação na pesquisa da Kantar.
Nesta peça produzida pela C3 Creative Code and Content, da cidade de Stuttgart, um jovem está deixando a família e antes de se mudar utiliza aquela ferramenta para fixar e alinhar na parede do quarto diversas fotografias que capturaram lembranças felizes vividas com os pais. Um bilhete remete a uma promessa (bis bald! – até breve) e o anúncio fecha com a frase “simplesmente fixar, alinhar, medir. Atino da Bosch”. Comoveu e vendeu.
Já tivemos propagandas que fizeram uso de empatia e conseguiram passar a mensagem na dose certa. Uma das melhores referências tem quase 10 anos e foi precursora de campanha bem-sucedida do Itaú chamada Leia Livro Para uma Criança – Isso Muda o Mundo. Alguns concorrentes, e de outros nichos de negócio, até hoje ainda apelam para essa técnica que envolve emoção, mas ela é muito difícil de executar e nem todas alcançam o sucesso desejado.
PESQUISA – Durante 2020 a Kantar analisou mais de 10.000 anúncios para clientes de todo o mundo para revelar aqueles que funcionaram com maior eficiência. O júri foi popular.
Além de identificar os que mais impactaram consumidores durante o ano, a pesquisa revelou também quais foram os cinco hábitos mais eficazes dos anunciantes para atingir esse resultado, todos eles condizentes com a análise feita acima. São eles:
Ser distintivo: Ter a capacidade de se fazer notado e ser lembrado em um mundo onde existe uma grande quantidade de anúncios. O mais importante é se destacar no mínimo em sua categoria e idealmente de qualquer outra publicidade;
Manter os elementos intrínsecos para gerar conexão com a marca: Garantir que a atenção no anúncio esteja a serviço da marca. Muitas empresas se esquecem desta regra básica;
Ser significativamente diferente: Atender as necessidades funcionais, emocionais e sociais dos consumidores, se mostrando único em sua categoria;
Desencadear uma resposta emocional: Fazer com que o espectador sinta uma conexão e gere um compromisso com o anúncio, evitando a tendência natural de filtrar a publicidade. Isso também tem efeitos positivos nas associações emocionais com a marca;
Fale com seu consumidor: Os especialistas bem-sucedidos em marketing sabem que podem perder a perspectiva durante a jornada criativa e por isso é importante ouvir o feedback dos consumidores ao longo desse processo.
Segundo a Kantar, a investigação utilizando seu Barômetro COVID-19 mostrou que as pessoas queriam que a publicidade continuasse durante a pandemia, já que proporcionava uma sensação de normalidade em um momento delicado, com notícias sobre Covid-19 24 horas por dia. Investigações posteriores mostraram que, em sua maioria, os consumidores processavam o conteúdo da mesma maneira como faziam antes da pandemia.
Os anunciantes que mantiveram seu foco e investiram em sua marca durante este período de recessão viram sua determinação recompensada.
Veja a relação dos anúncios mais criativos e eficazes de 2020. Nenhum brasileiro:
1 – Heineken (EUA), Cheers to all, da Publicis
2 – Bosch (Alemanha), Atino, da C3 Creative Code and Content (Stuttgart)
3 – Burger King (França), Consignes 2 Sécurity – The Retour, da Buzzman
4 – SheaMoisture (EUA), It Comes Naturally, da BBDO New York and JOY Collective
5 – Samsung (EUA), Make their year, with Galaxy Buds Live, da R/GA
6 – Milka (França), And a lot of Milka, da DAVID Madrid
7 – Google (EUA), Find your Scene , da Google Brand Studio
8 – TENA (Reino Unido), TENA Silhouette Washable Underwear (I will wear what I want), da AMV BBDO, Londres
9 – TD (Canadá), Keeping your business moving forward, da Leo Burnett
10 – Adrenaline Rush (Rússia), More, da Kapibara
11 – YouTube Kids (EUA), YouTube Kids Brand Anthem Film, da Droga5
12 – Avocados from Mexico (EUA), Avocados From Mexico Shopping Network* , da Energy BBDO Chicago
13 – Gatorade (Chile), Gatorade GOAT CAMP, da TBWA / Chiat de Los Angeles
14 – Toyota Corolla (Canadá), Vente Étiquettes Rouges, da The Showroom
15 – Kozel (Eslováquia), Pimp my goat, da Armada
16 – Nissan Sentra (EUA), Joy Ride, da NissanUnited
17 – Panadol Actifast (Malásia), Delivery Rider Malaysia, do Grey Group Singapore
18 – EBay (Austrália), The Fast and the Furious, da Che Proximity Australia
19 – Siemens Home Appliances (Turquia), Ankastre, da MullenLowe Istanbul
20- Hershey’s Kisses (EUA), Bells to Blossoms, da mcgarrybowen
* Atualmente não disponível online.
Sobre os ganhadores deste ano e os cinco hábitos de eficácia criativa, Daren Poole, líder global de Creative na Kantar, comentou que os “ganhadores pertencem a uma ampla gama de produtos e categorias e, como nosso relatório informa, utilizam muitas táticas diferentes em sua criatividade. O que compartilham é um compromisso com a excelência criativa e um enfoque em garantir que seu trabalho funcione exatamente como se esperava”.
VERA LYNN – Após a morte da cantora Dame Vera Margareht Lynn, aos 103 anos de idade, em junho do ano passado, sua filha recebeu uma carta da rainha Elizabeth II onde cita a canção We’ll meet again – que Vera Lynn eternizou ao gravá-la em 1939 – como uma analogia aos tempos atuais de pandemia covidiana.
We’ll meet again significa “nos encontraremos novamente” e virou um hino de esperança para as famílias britânicas que tinham parentes lutando na 2ª Guerra Mundial. Em setembro de 2009 (fonte Wikipedia) o álbum We’ll meet again – The Very Best of Vera Lynn, coletânea de suas canções mais conhecidas, atingiu o posto número 1 no ranking entre as mais executadas do Reino Unido.
Para quem não conhece essa música e seu significado, e até para fazer o link correto entre ela e o anúncio da Heineken, reproduzo abaixo a excelente montagem publicada no Youtube por Angelo Camboim com tradução em português.
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