Saiba Quais Ensinamentos Foram Deixados Por Um Banqueiro Falido

Eduardo Martins*

Edemar Cid Ferreira faleceu no sábado, 13 de janeiro de 2024. Presidente do Banco Santos, foi um dos maiores patronos da cultura entre os anos 1996 e 2003 utilizando lei federal de incentivo.

Diretamente pelo Banco foram aportados R$ 3,3 milhões em projetos culturais, mas sua atuação mais consistente foi por meio de sua empresa BrasilConects Cultura, por onde captou R$ 38 milhões para diversos projetos e o maior deles foi o Brasil 500 anos Artes Visuais: Exposição e Itinerância, no ano 2000, que atraiu 57 patrocinadores e investimento de R$ 23 milhões. Maior contribuinte foi Petrobras, com R$ 3,5 milhões, mas teve companhia de outras grandes instituições como Banco de Crédito Real de Minas Gerais (R$ 2,2 milhões), Cielo e Bombril, ambas na casa dos R$ 2 milhões.

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Olesen foi a segunda pessoa a sair na capa da revista.

BrasilConects não prestou conta e está registrada no site do MinC como inadimplente, o que já não faz diferença porque tanto a empresa como a pessoa do presidente não existem mais. Pelo menos o projeto foi realizado.

A revista Marketing Cultural, em suas edições impressas, publicou apenas duas pessoas na capa: Edemar Cid Ferreira e o presidente da agência McCann-Erickson, Jens Olesen , este pela relevância de sua entrevista, como responsável por uma das agências de publicidade mais importantes do Brasil, avalizando o marketing cultural e incentivando outras empresas semelhantes a fazê-lo.

Mas a primeira foi com Edemar Cid Ferreira por ter sido o Banco Santos o pioneiro — ou, pelo menos, o que identificamos — a publicar anúncios pagos, em veículos de comunicação (não no nosso), de um Balanço Social, onde prestava contas de todos os investimentos feitos em cultura no ano anterior.

Algumas companhias copiaram esse comportamento durante certo tempo, mas hoje ele é inexistente — não se encontra mais documentos assim nos sites das empresas, principalmente das grandes patrocinadoras.

Publicamos em 17 de maio de 2023 este artigo, por mim assinado, narrando a experiência pessoal com esse banqueiro, que morreu aos 80 anos após ver sua instituição falir e viver de favor até o último de seus dias.

Mas alguns de seus pensamentos deveriam ser copiados por dirigentes de empresa atuais.

Veja o artigo:

“No fundo, no fundo, ele era um escroque, e assim o definiu a justiça brasileira. Condenado à prisão, alijado de seus bens por dezenas e quiçá centenas de devedores, Edemar Cid Ferreira era a imagem de um banqueiro bem-sucedido dos anos 90 e início de 2000, que amava as artes e mantinha em seu acervo obras que fariam inveja à Pinacoteca.

Eu o vi uma vez, trajado em terno de corte perfeito e calçando sapatos que, se não eram forjados em pele de jacaré, pelo menos aparentavam. Tudo nele combinava — camisa, terno, gravata, sapato e o penteado de magnata que todo magnata que se preza ostenta.

Edemar Cid Ferreira era presidente do Banco Santos e foi a primeira pessoa que autorizei a sair na capa da revista Marketing Cultural, isso em junho de 1998. Por que o fiz? Porque ele mandou publicar nos jornais um Balanço Social, relatando as ações culturais patrocinadas pelo Banco no biênio 1997/1998.

“Quando publicamos isso, estamos nos qualificando e construindo a nossa marca”, disse ele, que na época tinha 54 anos.

O Banco Santos S/A estava na lista das 35 maiores instituições financeiras e ele se classificava entre os dez brasileiros mais influentes da administração cultural do País. Integrava pelo menos seis cargos, incluindo Conselho Nacional de Política Cultural, Conselho da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura, conselheiro-curador da Bolsa Mercantil e de Futuros, conselheiro da Fundação Bienal, vice-presidente dos Patronos de Teatro Municipal e comissário-geral da Comissão Brasil 500 Anos – Artes Visuais, projeto que ainda hoje está entre os maiores com captação via lei Rouanet.

Participou das discussões que ajudaram a criar as leis de incentivo cultural, inclusive das que geraram a MP dos 100%, no final de 1997, aquela que permite abatimento total do Imposto de Renda devido das aplicações em projetos aprovados pela lei federal.

Se não era “o cara”, estava perto. Mas havia outros e só abri a exceção para sair na capa da revista quando li a introdução do pioneiro Balanço Social publicado nos jornais. Estava escrito assim:

“O Banco Santos acredita que uma empresa moderna tem obrigações sociais que vão além dos seus próprios limites e que afetam as comunidades às quais ela está ligada.

“O Banco Santos acredita que o seu investimento nessas ações contribuiu para o desenvolvimento da comunidade, reafirmando o propósito de participar, através da cultura, na construção da cidadania. Assim, o Banco Santos publica seu primeiro balanço social com as atividades e projetos de quem vem participando”. E trouxe a lista de projetos apoiados com aplicação total de R$ 1,5 milhão.

Confesso que nem me lembrava desse discurso. E fiquei espantado ao ler que, 25 anos atrás, um dirigente de empresa, principalmente de Banco, tinha pensamentos alinhados aos que defendo hoje sem muito sucesso.

Porque sempre achei que uma empresa deveria ir além da busca pelo lucro e reconheço que essa etapa tem sido ultrapassada por quem aderiu a questões de Sustentabilidade e agenda ESG.

Mas ESG é sigla de uma política importada e como brasileiro adora valorizar quase tudo o que vem de fora, nossos dirigentes ainda não entenderam que lá, na Europa e Estados Unidos, questões sociais estão quase todas resolvidas e por isso, dentro dessa agenda, valorizam mais o quê? Acertou: meio-ambiente.

E nossos dirigentes obedientes embarcaram nessa prioridade. Se duvidar, basta olhar os Relatórios Anuais de Sustentabilidade, Integrado, ou o que mais for criado para sensibilizar acionistas, e compreenderá que o pensamento da preservação do planeta, nobre que é, está na lista das maiores preocupações, assim como é a de europeus e americanos. Mas nossa realidade é outra.

Já escrevi e defendo que toda empresa tem razão social, até para criar um nome, como exige o Ministério da Fazenda. E não é só apoiar projetos sociais ou culturais; é ter a mentalidade que Edemar externou em sua introdução ao Balanço Social.

“A ação social da empresa não deve se limitar à área de seus clientes, fornecedores e funcionários, incluindo-se aí iniciativas para complementar ações estatais nas áreas de alimentação, saúde, educação, habitação, segurança pessoal, aposentadoria e transporte. A ação social de uma empresa deve incorporar atividades culturais, esportivas e de lazer, além de estimular a militância solidária na luta pela preservação do meio-ambiente”.

Seria equivocado dizer que a maioria das grandes empresas brasileiras não enveredou por esse caminho. Números divulgados pelo GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas) mostram que a contribuição direta via Investimento Social Privado está na média de R$ 3,5 bilhões por ano em ações que beneficiam organizações e projetos de áreas sociais.

Mas e a cultura?

“O que constrói uma marca? Para nós, é a cultura”, definiu Edemar naquela entrevista.

E esse sentimento se perdeu. Nesse artigo, cujo link está logo abaixo, foi feito um balanço de como as empresas agem quando se trata de Investimento Social Privado com aportes diretos e a dependência que se entregaram quando pensam em projetos culturais: “tem lei de incentivo? Não? Então tchau!”.

E nesse mesmo artigo pode se ver a discrepância que existe entre os investimentos em projetos sociais, como saúde, educação, e os culturais. A própria lei pode estar apequenando o volume de dinheiro que poderia ser aplicado em cultura.

O sentimento de se fortalecer a marca por meio da cultura deu lugar ao simples e insensível interesse no incentivo fiscal oferecido.

E não se publicam mais Balanços Sociais.

Porque preferiram construir marcas na base do Tik Tok”.

OBS: Escrevi esse artigo após ler matéria publicada no Estadão em 17/05/2023, com Edemar Cid Ferreira, que pode ser vista por aqui.

*É Editor-Chefe de VALOR CULTURAL/Marketing Cultural, que têm entre seus propósitos dar visibilidade a bons projetos ou ações, valorizar empresas que praticam patrocínios conscientes e apontar aquelas que fingem ser o que não são no campo da Responsabilidade Social.

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