Fernando Casares trabalha com Propriedade Intelectual e Direito Penal desde 2009, e é advogado do departamento criminal da Daniel Legal & IP Strategy desde 2015. Seu campo de atuação abrange todos os aspectos da propriedade intelectual, com particular ênfase em litígios na esfera criminal envolvendo marcas, direitos autorais, desenhos industriais, patentes, nomes de domínio e concorrência desleal. Atua também em medidas de fronteira e no desenvolvimento de pesquisas de mercado e investigações relacionadas a infrações de propriedade intelectual e medidas de proteção de marca.

Em entrevista concedida à Marketing Cultural sobre pirataria na Internet e contrabando, Fernando lembrou que um parágrafo do Código Penal prevê pena de dois a quatro anos se a violação do direito autoral consistir no oferecimento ao público de produto via cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema.
No ambienta online, observa, às vezes se fica com as mãos atadas porque o marco civil da Internet não responsabiliza provedores de serviços até que haja uma decisão judicial mandando remover o conteúdo ilegal. Crê que a legislação precisa avançar, que é necessário maior fiscalização e de programas educativos, mas reconhece que as próprias empresas e editoras ficam sobrecarregadas por ter que fiscalizar, derrubar, entrar com ação, monitorar online, e o mercado vai se adaptando porque o volume de infração é tão grande que às vezes é difícil dar conta.
Acompanhe abaixo os principais trechos da entrevista de Fernando Casares.
MARKETING CULTURAL – Antes a pirataria se espalhava por lojas físicas, barracas de rua. Agora, com a Internet, o cenário piorou. Queria uma avaliação sua sobre o que se faz no mercado atual e o que se pode fazer.
FERNANDO CASARES – Realmente a migração é inevitável. Já está ocorrendo. E a migração, sobretudo, em obra musical, audiovisual e literária, falando um pouco mais de direito autoral propriamente, e focando na cultura, ela está ocorrendo mais ainda do que na pirataria de marcas, pois as ferramentas hoje são mais propícias para esse tipo de infração. Os infratores, enfim, as pessoas que violam direitos autorais têm meios mais eficazes na Internet de camuflarem a autoria, então isso acaba sendo um terreno mais fácil para elas.
O que é interessante a gente pensar sobre essa indústria com relação a Internet? O mercado digital, em 2017, já representava 60% da receita total da indústria da música aqui no Brasil, com crescimento de 64% do streaming comparado a 2016. Então não tem volta. É uma questão muito evidente mesmo.
MC – Isso mostra que se está ganhando mais dinheiro, mas também há um gargalo grande aí.
FC – Exatamente. O grande desafio desses mercados hoje em dia é a repressão, porque no mercado físico você vai atrás de fabricante, você tem uma investigação para chegar no grande distribuidor e às vezes ataca mesmo um centro de mercado legal e essa é a forma de fazer a repressão. No ambiente online você, às vezes, fica com as mãos um pouco atadas porque o marco civil da Internet, por exemplo, não responsabiliza provedores de serviços até que haja uma decisão judicial mandando remover o conteúdo. Então o que isso quer dizer na prática? Se, vamos supor, um site como o MercadoLivre, o intermediador de uma venda, está lá com um anúncio que um terceiro colocou na plataforma deles, se o titular daquele direito notifica o MercadoLivre, este não será, necessariamente, responsabilizado se não tirar aquele conteúdo do ar sem ordem judicial. Então, às vezes, esse marco civil da Internet pode jogar um pouco contra. Estou sendo até um pouco injusto porque o MercadoLivre tem um programa específico de proteção à propriedade industrial, mas é apenas para mostrar o que pode fazer um provedor de serviço.
MC – O setor de games também está sofrendo muito. Um sujeito comprou na Internet uma licença de game e vendeu 3 mil – ganhou R$ 60 a 80 mil.
FC – Exatamente, hoje em dia, com os jogos digitais, você compra a licença do jogo e não tem mídia física. Então o que muita gente faz é vender a senha de acesso à conta; ele compra e tem um lucro absurdo ilegalmente. E isso está vinculado também a direitos autorais. Inclusive no Código Penal, apesar de ser um código antigo nosso, tem até uma previsão de que violação de direito autoral é crime com pena de reclusão prevista no art. 184, e em seu parágrafo 3º tem agravante de pena se o oferecimento ao público for via cabo, fibra ótica e a Internet entra nisso. O próprio legislador já encarou isso com certa antecipação para aumentar a pena, tentando estancar um pouco esse problema quanto a disponibilização de conteúdo pirata na Internet.
O Artigo 184 do Código Penal, que aborda violação de direito autoral, prevê:
- 3o Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa. (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
Dados da ABDR, que é a Associação Brasileira de Direitos Reprográficos, também de 2017, identificaram e excluíram 298.015 links com conteúdos integrais de livros na Internet. E isso a gente está falando só da Associação. O problema é grave mesmo. Porque antes a gente tinha aquela questão de cópia e, inacreditavelmente, até em Faculdade de Direito você via cópia integral de livro sendo vendida em xerox. Essa era a principal forma de pirataria de literatura alguns anos atrás.
MC – E o que de prático se pode fazer. Isso nunca vai acabar, mas pelo menos limitar. Será por legislação?
FC – A legislação tem muito a avançar na questão de responsabilização e até a questão criminal ou civil pode ser uma discussão até mais profunda, se é uma questão que deve ser resolvida pela via criminal mesmo, com aumento de penas. Acho que uma fiscalização um pouco maior e uma efetividade no sentido de cobrar com eficiência, botar multa, pena financeira mesmo, pode ser mais eficaz do que aumento de pena se a gente considerar que as penas não são tão baixas quando a gente está falando de direito autoral e de crime de violação de direito autoral, e de programa educativo que é sempre importante.
Mas as próprias empresas e editoras ficam muito sobrecarregadas com essa questão de ter que fiscalizar, derrubar, entrar com ação, monitoramento online, e o mercado vai se adaptando também porque o volume de infração é tão grande que às vezes é difícil de dar conta. O que a gente vê hoje acontecendo é que muitos disponibilizam músicas de graça, aumentando a publicidade sobre aquela música e tendo receita de outras formas, seja fazendo show, seja com publicidade em cima. O mercado vai se adaptando de acordo com o problema que vai surgindo. E interessante é que o streaming mudou totalmente a forma de negócio da música. Hoje em dia você paga uma assinatura e tem acesso a centenas de música. Acredito que o modelo é uma adaptação para fugir um pouco da pirataria; não resolve, claro, mas já dá uma boa ajuda.
MC – Está em seu currículo que você atua também em medidas de fronteira, que é a apreensão de contrabando feita pela Polícia Federal. O que mais se apreende?
FC – É cigarro. O grande campeão é cigarro, de contrabando, que vem do Paraguai. Contrabando é o seguinte: aquela marca não tem autorização da Anvisa para ser importada e comercializada no Brasil. Então isso faz dela um produto ilegal. Mas ela não é necessariamente falsificada; ela não está reproduzindo a marca de outra empresa ilegalmente; ela está tentando se passar por um outro produto.
Em seguida vêm os eletrônicos porque aqui, no País, a gente tem uma fabricação própria de produto contrafeito, mas é mais focada em vestuário, acessórios, bonés – os nossos fabricantes piratas locais ainda não têm a tecnologia como os países asiáticos para fabricar eletrônicos falsificados por enquanto. Então isso ainda é muito importado.
MC – O que você gostaria de acrescentar?
FC – O importante é que o assunto esteja sempre sendo discutido e não caia no esquecimento porque é coisa séria. Se a gente não discutir isso… eu vejo em parte da sociedade um certo conformismo e comodidade quanto à questão da pirataria, principalmente no ramo da cultura, como se o gerador do conteúdo estivesse ali para agradar todo mundo e as pessoas não estão tendo a sensibilidade para perceber que aquilo é uma profissão real, assim como qualquer outra, e é o meio de sustento daquele profissional.
*É Editor-Chefe de VALOR CULTURAL/Marketing Cultural e Perfil de Patrocinadores, que têm entre seus propósitos dar visibilidade a bons projetos ou ações, valorizar empresas que praticam patrocínios conscientes e apontar aquelas que fingem ser o que não são no campo da Responsabilidade Social.